Publicado 21/11/2020 19:28 | Editado 21/11/2020 21:33
As tragédias movem
as sociedades – ao comover a todos, as tragédias despertam a indignação,
levando ao protagonismo maior e mais acentuado na luta contra a barbárie.
A onda de
indignação que provocou parece inscrever nessa categoria de acontecimentos o
assassinato do homem negro João Alberto Silveira Freitas (o Beto), operário,
soldador, a socos e pontapés, pelas mãos bestiais do racismo , por funcionários
da segurança de uma agência do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, na
noite da quinta-feira (19).
O assassínio de um
homem negro pela polícia, o feirante Robson Silveira da Luz, em uma delegacia
de polícia em São Paulo, sob tortura, em 18 de junho de 1978, esteve na origem
do reaparecimento à luz do dia da luta antirracista organizada – a formação do
Movimento Negro Unificado, que, naquele ano, reuniu entidades da luta
antirracista de todo o Brasil, levando ao fortalecimento – ainda sob plena
ditadura militar de 1964 – da luta contemporânea pela igualdade racial. E criou
o contexto em que a celebração da memória de Zumbi dos Palmares tornou o dia de
sua morte, em luta pela liberdade, em 20 de novembro de 1695 – data que o
movimento negro transformou no Dia da Consciência Negra.
Nos EUA, o
assassinato bestial, pela polícia, do negro George Floyd, em 25 de maio de
2020, está também na origem da retomada, em larga escala, da luta contra o
racismo e a violência policial – expresso pela palavra de ordem Black Lives
Matter (BLM), bandeira que ganhou o mundo, e cabe como uma luva, contra a ação
e a barbárie intolerantes do neofascismo – vidas negras importam!
É nessa lista
triste, infeliz e sangrenta que o assassínio do Beto, em Porto Alegre, se
insere.
A extrema-direita,
pela voz do presidente Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, insiste em supor
que não há racismo no Brasil. O presidente Bolsonaro diante de uma comoção que
se espraia pelo país, que ressoa no mundo, reage com cinismo e ironia: “Como
homem e presidente sou um daltônico: todos tem a mesma cor.”
Os dois repetem o
mesmo mantra pobre e miserável – a tese conservadora tradicional de que a
denúncia do racismo é importada dos EUA e tem o objetivo de dividir os
brasileiros, opondo negros aos brancos. A fragilidade boçal dessa tese vem do
fato de não reconhecer que não é a luta contra o racismo que divide o Brasil,
mas o próprio racismo que tensiona e pressiona negativamente a unidade do povo
brasileiro, herança nefasta de mais trezentos anos de escravidão.
Esta brecha entre
os brasileiros só será soldada justamente através da luta contra o racismo e o
reconhecimento da igualdade plena radical entre todos os brasileiros, com o
respeito a seus direitos sociais, políticos e econômicos, para que possam se
reconhecer como membros iguais de uma mesma pátria, a brasileira. Hoje, não são
– e esta chaga permanece desde os tempos da escravidão.
Para os racistas
brasileiros – como em todos os lugares – vidas negras não importam – uma
verdade cruel confirmada mais uma vez na véspera deste Dia da Consciência
Negra, pelo assassinato bárbaro e brutal de João Alberto Silveira Freitas, o
Beto.
É preciso reagir,
protestar, é imperativo a punição rigorosa daqueles que espancaram covardemente
João Alberto até a morte e de todos que foram diretamente, ou indiretamente,
coniventes. Faz parte do processo civilizatório inconcluso do Brasil , é
indispensável para construir a união do povo, fortalecer mais e mais a luta
antirracista, a jornada secular pela igualdade entre brancos e negros.
Neste momento, diz
muito, os versos de uma canção de Milton Nascimento:
“Quem cala sobre
teu corpo
Consente na tua
morte
Talhada a ferro e
fogo
Nas profundezas do
corte”
0 comentários :
Postar um comentário