Livro expõe o
pensamento Tradicionalista, uma das facetas mais conservadoras da nova direita
mundial.
por Da redação
Publicado 19/12/2020 19:12 | Editado 19/12/2020 19:15
Guerra pela Eternidade, capa
Benjamin Teitelbaum
é etnógrafo, doutor pela Universidade de Brown e professor de Relações
Internacionais na Universidade do Colorado (Estados Unidos). Ele realizou
entrevistas com ideólogos de direita entre 2018 e 2019, para compor o livro,
lançado em inglês, no começo de 2020. A tradução para o português chega agora
pela Editora da Unicamp.
A Editora da
Unicamp entrevistou Teitelbaum, que encontrou-se com as principais figuras
ligadas aos políticos populistas da nova direita de vários países: Aleksandr
Dugin, na Rússia de Putin, Steve Bannon, nos Estados Unidos de Trump e Olavo de
Carvalho, no Brasil de Bolsonaro. O que parece ligar essas e outras personalidades
em uma rede são princípios do Tradicionalismo, corrente filosófica que surgiu
no início do século XX.
Editora da Unicamp: No seu livro,
você distingue o tradicionalismo — um termo bem conhecido em um sentido geral —
do Tradicionalismo — o movimento que ganhou um espaço significativo na
atmosfera sociopolítica. Qual a diferença entre a palavra com “t” minúsculo e a
com “T” maiúsculo?
Benjamin
Teitelbaum: O Tradicionalismo com T maiúsculo é uma escola filosófica e
espiritual pouco conhecida e excepcionalmente enigmática, que tem raízes
no sul da Europa do início do século XX. Sempre que estou escrevendo e falando
sobre essa escola, gostaria que ela tivesse um nome igualmente excêntrico, mas
infelizmente… O Tradicionalismo busca desvendar as verdades do universo por
meio do estudo de ramos esotéricos de várias religiões, na maioria das vezes do
islamismo sufista e do hinduísmo, com base na premissa de que essas religiões
contêm fragmentos de ensinamentos antigos que se perderam para a humanidade.
Apenas secundariamente, e só para alguns de seus seguidores, o Tradicionalismo
é também uma ideologia política centrada na grandiosa e vaga tarefa de oposição
à modernidade, era que eles consideram como sendo marcada pela mais profunda
ofensiva às verdades eternas.
As características
do Tradicionalismo que mais importam no meio político incluem, em primeiro
lugar, a crença em um tempo cíclico e não linear; o que significa que, em vez
de progredir a partir de um momento de corrupção para um futuro de
glória, as sociedades estão quase sempre em um ciclo de declínio, que termina
em um cataclisma para renascer na virtude, e, depois, o declínio inicia de
novo, e assim vai. Em segundo lugar, estaria a crença de que sociedades
virtuosas são formadas em torno de um sistema de castas hierárquico de
base indo-europeia, com uma pequena elite de sacerdotes no topo de uma
pirâmide abaixo do qual estão guerreiros, comerciantes e,
finalmente, uma base formada pela massa de escravos. Quando os tempos
estão bons, a hierarquia está intacta e a espiritualidade dos sacerdotes
reina, mas quando os tempos estão ruins, o materialismo dos escravos
e comerciantes governa, e a própria hierarquia é dissolvida à medida que a
humanidade é nivelada em uma única massa. E, finalmente, a crença — às vezes
chamada de “inversão” — de que quando os tempos estão ruins e a humanidade é
nivelada em uma massa inferior durante o final de um ciclo do tempo, as coisas
serão compreendidas de modo contrário ao que realmente são: o que pensamos ser
bom é, na verdade, ruim; alguém que é oficialmente devoto ao campo espiritual é
um escravo do materialismo; professores espalham ignorância em vez de
conhecimento; jornalistas desinformam; artistas criam feiura etc.
Tudo isso prepara o
terreno para uma análise política que rejeita noções liberais fundamentais de
progresso, condena o foco materialista (econômico) da maior parte da política
moderna, rejeita especialidades formais e qualificações oficiais. Além disso,
vê a destruição do sistema como algo necessário ao final de um ciclo
de tempo, que tem, à frente, um momento de renascimento. Essa análise
assenta-se majoritariamente em ensinamentos religiosos esotéricos Orientais.
Alguma parcela
disso pode se assemelhar ao “tradicionalismo” com t minúsculo ou ao
“tradicionalista”, no sentido comum do termo. Particularmente, podemos notar
que tanto o tradicionalismo quanto o Tradicionalismo compartilham do ceticismo
em relação ao progresso e da crença de que a sociedade está se tornando menos
ordenada e mais caótica, vazia de autenticidade. Entretanto, o
Tradicionalismo não só leva essas ideias a pontos extremos e as defende com
base em ensinamentos religiosos que podem ser considerados obscuros, mas também
introduz uma característica peculiar ao considerar que o declínio da sociedade
pode ser saudado e comemorado como um sinal de que um ciclo de tempo está
chegando ao fim e o renascimento está se aproximando. O declínio social deixa
um tradicionalista pessimista, mas um Tradicionalista esperançoso.
Benjamin Teitelbaum: O
Tradicionalismo busca desvendar as verdades do universo por meio do estudo de
ramos esotéricos de várias religiões
Editora da Unicamp: Como o
Tradicionalismo interpreta a história?
Benjamin
Teitelbaum: Os Tradicionalistas olham para a sociedade atual e veem um mundo cada
vez mais homogeneizado, onde fronteiras de todos os tipos — entre nações,
gêneros, culturas, etnias — estão sendo apagadas. Eles veem a distinção e o
papel social dos líderes espirituais como dessacralizados. O materialismo, ao
contrário da espiritualidade, é o princípio predominante na sociedade, e é o
que permite a expansão do nivelamento e da homogeneização do mundo. E os
Tradicionalistas pensam que tudo indica que estamos indo em direção ao fim de
um ciclo de tempo — a era das trevas do Kali Yuga. E acreditam que o tempo é
cíclico e que às trevas absolutas segue-se uma era de ouro (antes de o declínio
começar outra vez). O Tradicionalismo, ademais, sugere que uma mudança profunda
está se aproximando e que formas sociais opostas às de hoje — um ressurgimento
de fronteiras políticas e sociais, da hierarquia e da teocracia — irão voltar.
Esse é um relato
geral da história e de como o presente insere-se nela de acordo com o
Tradicionalismo político. No entanto, à medida que você se afasta das
generalizações e vai para as especificidades, observa que os indivíduos
divergem em seus entendimentos, assim como variam na ênfase que colocam nos
elementos dessa narrativa histórica. Por exemplo, no livro eu mostro como
diferentes figuras atribuem ora à China ora aos Estados Unidos o papel da força
de globalização, homogeneização e secularização. E essas figuras têm diferentes
níveis de adesão à crença de que revoluções populistas ao redor do mundo são
uma reação a essa força. Além disso, Bannon valoriza o Brasil porque acredita
que o país chegou atrasado na modernidade e, assim sendo, talvez tenha
preservado mais virtudes pré-modernas, as quais poderiam ser usadas para
ressuscitar o resto do Ocidente.
Editora da Unicamp: Até pouco
tempo, o Tradicionalismo era um movimento muito isolado na política de direita.
O livro revela que uma das formas pelas quais sua influência política cresceu
não foi propriamente pela política, mas pela metapolítica, ou seja, pela
formação de valores culturais por meio “das artes, do entretenimento, do
intelectualismo, da religião e da educação”. Como o Tradicionalismo liga-se à
metapolítica? Como a metapolítica Tradicionalista opera em diferentes países,
como os EUA, a Rússia e o Brasil?
Benjamin
Teitelbaum: Metapolítica, de modo geral, é o ativismo político conduzido por meios
pouco ortodoxos. É a crença de que para formar valores políticos em uma
sociedade, você não deve tornar-se um político, mas, em vez disso, um poeta, um
ator, um músico, um educador ou um jornalista, pois são eles que criam a nossa
visão de mundo. Os políticos simplesmente reagem a isso. A metapolítica tem
pouca conexão formal com o Tradicionalismo, mas ambos são populares em alguns
círculos intelectuais de extrema-direita. E pode haver uma razão para o
interesse despertado por ambos, porque tanto a estratégia da metapolítica
quanto a ideologia embutida no Tradicionalismo rejeitam o sistema político
eleitoral democrático (relembrando que para os Tradicionalistas explicações
oficiais de todos os tipos estão fadadas a estar erradas na modernidade). Pode
ser por essa razão que as figuras políticas inspiradas pelo Tradicionalismo
estão exageradamente envolvidas nos meios de comunicação e nos intelectuais.
Enquanto trabalhava para o Brexit e para Trump, Bannon empenhou-se em estudar e
aplicar novas técnicas de manipulação dos eleitores por meio das redes sociais,
e, atualmente, tenta fundar uma escola para ideólogos populistas na Itália.
Dugin e Olavo são escritores, jornalistas e professores. Mesmo as figuras
secundárias no meu livro, como Jason Jorjani e Tibor Baranyi, não são apenas
escritores, mas trabalham nos meios editorial e educacional.
Mas a conexão que
estabeleço entre essas atividades e as orientações ideológicas dos que atuam
nelas é uma relação de coocorrência inteligível e não uma ligação explícita e
teorizada. O Tradicionalismo, em suas formas mais doutrinárias, não almeja
mudar a sociedade, porque acredita que as mudanças mais importantes estão
fadadas a acontecer devido a um ciclo cósmico de tempo. Não procura converter
as massas às suas mensagens, porque as massas não devem ser celebradas ou
enaltecidas. Por essas razões, é difícil falar de metapolítica Tradicionalista.
A metapolítica, por sua vez, é o marco de uma corrente radical de direita, cujo
interesse em romper com a ortodoxia tende a levar os seus membros a ideias e a
métodos alternativos.
Editora da Unicamp: O movimento
Tradicionalista recorre a meios de comunicação novos e parece legitimar-se
negando a credibilidade da mídia hegemônica. Quão crucial foi isso para a
expansão do Tradicionalismo como uma força política?
Benjamin
Teitelbaum: Aceitar os meios de comunicação hegemônicos como legítimas fontes de
informação sobre os eventos atuais vai de encontro aos entendimentos mais
essenciais dos Tradicionalistas. De acordo com eles, na era em que vivemos, por
definição, instituições profissionais como os meios de comunicação estão
preparadas para produzir um conteúdo oposto ao que deveriam (lembrem-se do
princípio de “inversão” mencionado há pouco). Essa postura pode não parecer
diferente da de um populista comum de direita, mas será assim apenas se não
olharmos para as motivações e justificativas dela. É aqui, bem como em suas
oposições à ciência e à educação formal, que a escatologia obscura do
Tradicionalismo e a fachada antissistema da postura populista misturam-se.
Então, deslegitimar a mídia hegemônica é um ponto de partida dessas ideologias.
Mas ambas enfrentam um problema à medida que criam as suas mídias paralelas;
afinal, como os Tradicionalistas conseguem endossar a veracidade de suas mídias
em meio à era da decadência? E como os populistas podem afirmar ser
antissistema se eles são o próprio sistema?
Editora da Unicamp: No livro,
você mostra que Steve Bannon disse que “nem tudo era boa notícia” quando se
referiu aos racistas e antissemitas que se juntaram aos movimentos
nacionalistas, apesar de ele também ter constatado que essas pessoas
desapareceriam à medida que os movimentos inspirados no Tradicionalismo
amadurecessem. Como a direita Tradicionalista difere do fascismo e do
neonazismo?
Benjamin
Teitelbaum: Quando distingo a direita Tradicionalista do fascismo e do nazismo, não
penso em afirmar que a primeira é menos perigosa do que as duas últimas. Na
verdade, o pai do Tradicionalismo político, Julius Evola, via-se à direita do
fascismo.
O Tradicionalismo
considera-se verdadeiramente anti-moderno e frequentemente acusa o fascismo e o
nazismo — apesar de suas naturezas destrutivas — de serem causas políticas
essencialmente modernas. E esse raciocínio não é falso ou difícil de
acompanhar, pois o fascismo e o nazismo acreditam na organização e racionalização
da massa, no potencial revolucionário da ciência moderna e em alguma forma de
igualitarismo.
Tanto o nazismo
quanto o fascismo eram progressistas, apesar de terem suas próprias visões de
progresso e enxergarem o passado como algo a ser superado. Os Tradicionalistas
consideram tudo isso como uma perigosa réplica dos mesmos princípios que
sustentam o liberalismo. E a justificativa dos Tradicionalistas que apoiaram o
nazismo e o fascismo (como, novamente, Julius Evola) foi a de que um
nacionalismo reacionário oferecia uma alternativa temporária às forças
niveladoras ainda mais massificantes do comunismo e do capitalismo global. Para
eles, se o fascismo prevalecesse, ele poderia ser, mais tarde, transformado em
um modelo sociopolítico mais teocrático, menos materialista e menos
igualitário, que talvez se aproximasse melhor dos ideais Tradicionalistas.
Isso me torna pouco
receptivo às ideias daqueles que acreditam que o Tradicionalismo não passa de
fascismo disfarçado. E deve-se reconhecer também que a escola de pensamento
Tradicionalista é capaz de evitar algumas das características descaradamente
incendiárias de Hitler e Mussolini. O racismo e o machismo explícitos, por
exemplo, são variáveis que aparecem em apenas algumas correntes do
Tradicionalismo. Ainda assim, em praticamente todas as circunstâncias, os
Tradicionalistas não apoiam movimentos progressistas e emancipatórios como o
feminismo ou o antirracismo (emancipação, ou seja, a libertação de um passado
de opressão para um futuro de liberdade, é um conceito falso aos olhos
Tradicionalistas). E a oposição deles frente à democracia liberal é mais
profunda, mais teorizada e, possivelmente, mais radical e elaborada do que a de
um neonazista médio atual.
Editora da Unicamp: Como você
mostra no livro, Tibor Baranyi, o conselheiro do partido nacionalista húngaro
Jobbik, considerou que você era um tipo de espião e sabotador e recusou-se a
encontrar com você. Houve outros momentos tensos durante a sua pesquisa,
especialmente quando você conheceu as figuras mundiais mais influentes da
direita Tradicionalista?
Benjamin
Teitelbaum: Todas as interações cara a cara que tive foram cordiais e agradáveis.
Isso vale tanto para Bannon e Olavo quanto para Baranyi. Para Dugin também,
embora eu deva mencionar que ter qualquer tipo de contato com ele nos Estados
Unidos sempre foi muito estressante, dado que ele está sob sanção do governo.
Na verdade, os
momentos mais inquietantes e ameaçadores ocorreram quando eu acompanhava uma
rede bizarra de agentes que estavam tentando usar o Tradicionalismo para fazer
lobby para Bannon e, depois, Trump. Eles pareciam pouco sérios em vários
aspectos, cheios de si e constantemente delirantes. Ainda assim, eles induziam
as pessoas ao seu redor a agirem não só de maneira inconsequente, mas criminosa.
Eu estava me preparando para aproximar-me de uma dessas figuras, um homem
chamado Michael Bagley, quando, durante a minha pesquisa, ele foi preso em uma
operação do FBI por tentativa de lavagem de dinheiro para um cartel de drogas
mexicano.
Fiquei contente por
não ter chegado muito perto dessa situação, mas foi um lembrete de que quando
você se aventura nas margens ideológicas mais extremas, frequentemente entra em
mundos de instabilidade social e insegurança profundas. Foi uma situação dramática
com Bagley, mas estilos de vida caóticos e destrutivos também também fazem
parte da biografia de outras figuras proeminentes que estudei — algumas sobre
as quais escrevi, algumas não.
Olavo de Carvalho: Teitelbaum
encontrou-se com as principais figuras ligadas aos políticos populistas da nova
direita de vários países
Editora da Unicamp: Os ricos
financiam Tradicionalistas. Steve Bannon recebeu milhões de dólares dos
bilionários Rebekah e Robert Mercer para criar Cambridge Analytica, a empresa
de dados que influenciou o Brexit e a eleição de Donald Trump. Aleksandr Dugin
foi financiado por ricos entusiastas do ocultismo. E, embora a fonte de
financiamento de Olavo de Carvalho não seja definida, ela deve existir, pelo
menos para cobrir suas altas despesas com os escritórios de advocacia, dados os
muitos processos contra ele. Qual é o retorno esperado desses investimentos em
Tradicionalistas?
Benjamin
Teitelbaum: O interesse financeiro em Bannon, Olavo e Dugin é baseado na política
prática, na habilidade dessas figuras de promover líderes e partidos populistas
de extrema-direita. Se os ricos financiadores possuíssem um entendimento total
do que é o Tradicionalismo, presumo que reagiriam negativamente. Ou talvez não
levassem o que descobriram a sério, vendo-o como um esquisito interesse
paralelo dos estrategistas e propagandistas que financiavam.
No entanto, a falta
de atenção às ligações dessas figuras com o Tradicionalismo tem uma razão mais
profunda. O que é surpreendente — e é um mistério que apresento no livro, mas
não tento resolver — é que, em muitos casos, interesses poderosos recorreram a
ideólogos que tinham acesso a formatos alternativos de mídia, a fim de promover
seus objetivos políticos, e acontece que cada um deles tinha uma afiliação ao
Tradicionalismo. Bannon, Olavo e Dugin são só alguns de muitos ao redor do
mundo que poderiam servir de estrategistas ou porta-vozes para o populismo de
direita. Mas cada um deles, independentemente um do outro, tem uma ligação com
escolas de pensamento que, basicamente, não existem no mundo da política —
sejam elas espiritualidades alternativas em geral ou o Tradicionalismo em
particular. As suas orientações ideológicas similares e incomuns podem parecer
mera coincidência ou, em outras palavras, algo que não é essencial às campanhas
públicas que promovem o populismo de direita padrão. Mas não podemos
considerá-las mera coincidência e excentricidade, não apenas pela originalidade
extrema do Tradicionalismo, mas especialmente pelo fato de essas figuras terem
ganho consciência umas das outras e de suas afiliações comuns, e, além disso,
por tentarem se mobilizar e agir a partir dessa afiliação.
Editora da Unicamp: Olavo de
Carvalho criticou enfaticamente o seu livro, dizendo que você o associa
erroneamente ao Tradicionalismo. Você gostaria de comentar suas afirmações?
Benjamin
Teitelbaum: Normalmente, eu ficaria bastante aflito ao saber que alguém sobre quem
escrevi sentiu-se mal representado. Isso, em especial, me atinge, porque eu já
vi jornalistas e acadêmicos convencionais similares a mim se safarem com falsas
caracterizações, contanto que estivessem criticando a extrema-direita. Poucas
pessoas que têm impacto na minha carreira vão policiar esse aspecto do meu
trabalho, então considero fundamental que eu mesmo o policie.
Portanto, eu fiquei
bastante preocupado quando li as afirmações do Olavo pela primeira vez.
Todavia, os seus comentários iniciais consistiam em acalorados ataques pessoais
sem conteúdo, o que é a sua resposta padrão a qualquer um que escreva sobre
ele. Quando ele começou a dar detalhes e apresentar argumentos de verdade, os
argumentos em si eram sem sentido. Ele despendeu bastante tempo reclamando de
uma só palavra, a minha descrição dele como parte do “círculo” de Bannon (Bannon’s
“circle”), apesar de a palavra “círculo”(“circle”) aparecer só no
subtítulo de uma das versões em inglês do livro, e nunca com esse mesmo
significado no corpo do texto (apesar de Olavo certamente fazer parte de um
círculo que inclui Bannon e outros afiliados a Bolsonaro em Washington). Ele me
acusou de exagerar a quantidade de tempo que passei com ele, apesar de eu ter
detalhado logo no começo do livro, clara e precisamente, qual foi a extensão do
nosso contato. Ele contestou ter sido colocado no mesmo grupo que o ideólogo
russo Aleksandr Dugin, ignorando o fato de que eu dediquei um capítulo inteiro
aos conflitos pessoais e filosóficos entre os dois. Suas objeções mais amplas a
ter sido afiliado ao Tradicionalismo também nunca foram substanciais em
conteúdo. Por isso, eu mantenho as caracterizações que fiz. Eu esperava que
Olavo fosse abordar a conclusão à qual cheguei, de que ele não é um pensador
ortodoxo de qualquer espécie. Apesar de haver ressonância entre ele e o
Tradicionalismo em suas oposições à globalização, ao materialismo, ao
progressismo e à ciência, ela deve ser majoritariamente interpretada como um sintoma
da disposição de Olavo de rejeitar as formas padrão de conhecimento. Nem mesmo
esse nível básico de nuance pode ser encontrado em suas reações, tanto a esse
tópico quanto a qualquer outro.
Então, eu abordei
os seus comentários com bastante cautela, esforçando-me para ver além da acidez
deles. Mas acabei desapontado pelo conteúdo deles, ou, melhor dizendo, pela
falta de conteúdo. Por que esse excesso de emoção com uma base tão escassa — um
“som e fúria, significando nada”? Eu tinha algumas suspeitas, a primeira sendo
sua aversão profissional a associar-se a qualquer coisa e a qualquer um (“Eu
sou o meu próprio guru agora”, ele declarou certa vez). A segunda era de que
ele evitava um assunto tratado no livro, que agora penso ser o que mais o
incomodou: o meu relato sobre o seu envolvimento com o Islã e com o
Tradicionalista sufista Frithjof Schuon. Ele falou sobre isso posteriormente,
mais especificamente em uma entrevista para a BBC, primeiro dizendo que eu
entendi tudo errado, mas depois expondo um episódio do seu passado que
combinava com tudo que eu havia escrito no livro. Não foi uma surpresa. Afinal,
o que escrevi foi embasado em pesquisas acadêmicas, documentos judiciais
oficiais e em entrevistas com o próprio Olavo de Carvalho. Ainda assim eu ri quando
li aquela entrevista, suspirei e falei “dane-se” para a tela do meu computador.
E fui fazer outra coisa.
Poucos dias antes,
eu havia começado a ler alguns tweets dele sugerindo que eu estava tentando
arranjar alguém para espioná-lo e dizendo que ele só se encontrou com Steve
Bannon “duas vezes”, embora uma simples pesquisa no Google Imagens fornecesse
prova ampla do contrário. Quando eu me deparei com a entrevista da BBC, já
estava farto de ver o Olavo balançar um pano velho no ar como se fosse uma bandeira,
ao rugido dos aplausos de seus devotos.
Concluí,
relutantemente, que, enquanto aspectos de seu pensamento e de sua biografia
merecem uma análise mais séria, os detalhes de sua tagarelice nas mídias
sociais, não. Nesses fóruns, quanto mais fundo você vai, menos sentido faz.
A obra Guerra
pela Eternidade está disponível
para compra no site da Editora da Unicamp.
Serviço:
Título: Guerra pela
eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista
Autor: Benjamin R.
Teitelbaum
ISBN: 9786586253535
1ª edição, 2020
288 páginas
Dimensões: 23,00
x 16,00 x 1,50 cm.
Preço: R$ 66,00
Asssista ao vídeo
contendo entrevista com Benjamin Teitelbaum sobre Tradicionalismo durante II
Simpósio Direitas Brasileiras, ocorrido em julho de 2020, organizado pelo
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp:
Publicado no Jornal
da Unicamp
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