“Temos de abrir e
organizar o debate entre nós desde já”, afirma a presidenta do PCdoB
por André Cintra
Publicado 11/12/2020 20:39 | Editado 12/12/2020 11:33
Com base em seu projeto político, no
quadro nacional e nos resultados eleitorais de 2020, o PCdoB deve se preparar
melhor para enfrentar as eleições 2022 e a batalha da cláusula de barreira. Os
comunistas devem tirar ensinamentos não só das urnas – mas até da trajetória de
partidos comunistas de outros países. “Após fazer isso, temos de construir uma
saída própria, a partir da nossa circunstância, a partir do que é o nosso
partido, de nossas experiências e dos nossos quadros”, disse a presidenta do
PCdoB, Luciana Santos, nesta sexta-feira (11), na abertura da reunião do Comitê
Central do Partido. Leia mais abaixo
Foi a primeira reunião da direção
nacional desde o fim, em 29 de novembro, da eleição municipal. O desempenho
eleitoral do PCdoB, “aquém do esperado” – nas palavras de Luciana –, induz
ainda mais os comunistas a fazerem uma ampla discussão sobre seus rumos. Em
2021, o PCdoB também realizará seu 15º Congresso.
Segundo Luciana, “temos de abrir e
organizar o debate entre nós desde já. As condições para atingirmos a cláusula
de barreira nas eleições 2022 se tornaram mais difíceis”, diz Luciana. Ela
sublinhou, porém, que com espírito de luta – e se movimentando pelo “realismo
esperançoso” de que falava o escritor Ariano Suassuna –, o Partido pode sim,
encontrar novas formas e caminhos que o levem a preservar sua decisiva presença
no parlamento brasileiro.
“Precisamos coesionar o partido e
pensar sem restrições com vistas a superar esse desafio. Qual o lugar político
do PCdoB?”, provocou a dirigente. “O congresso deve ser o momento de
congraçamento político. É preciso colocar luzes e refletirmos de modo mais
aprofundado sobre os nossos rumos.”
Para Luciana, o ano de 2020 “marcará
gerações ao redor do mundo”, devido à pandemia de Covid-19. “É um fenômeno
único que paralisou as atividades econômicas e sociais de bilhões de pessoas.
Ao mesmo tempo, a pandemia deixou mais evidentes as desigualdades – e o quanto
é essencial o papel do Estado e do poder nacional”.
Do ponto de vista geopolítico, um dos
impactos da pandemia foi escancarar o “desgoverno de Donald Trump”, que
subestimou a crise sanitária nos Estados Unidos e perdeu a disputa à reeleição.
“Não devemos esperar mudanças dos objetivos estratégicos dos EUA e do seu
caráter imperialista, mas a derrota do Trump abala o sistema de referências e
aliados do bolsonarismo.”
O risco de uma segunda onda de
Covid-19 lança igualmente uma corrida pela vacina tal qual “um verdadeiro
esforço de guerra”, no qual “a China demonstra sua força”. Segundo Luciana,
“produzir e desenvolver parcerias para o acesso da vacina demonstram a
capacidade de inovação e resolutividade da China socialista”.
No Brasil, depois de um primeiro
semestre de ataques a instituições como o parlamento e o Judiciário, a frente
ampla conseguiu deter as “marchas da insanidade” do presidente Jair Bolsonaro.
“A frente impôs limites importantes ao bolsonarismo, que o fizeram recuar por
ora de seus métodos.” Ainda assim, não há “área da administração pública
federal que funcione”, a começar por Educação e Saúde, que já somam, cada uma,
três ministros. E Bolsonaro continua a negligenciar a pandemia, mesmo com as
novas altas no número de casos e mortes.
Na economia, “o País vive sua maior
crise, e não há um plano concreto para enfrentar a situação”. A retração do PIB
em 2020 será de mais de 5%, e o número de desempregados saltou de 10,1 milhões
em maio para 13,8 milhões em outubro. “O desemprego é o grande
calcanhar-de-aquiles que deve acompanhar o governo Bolsonaro até as eleições
2022”, afirma Luciana. “Com a retirada súbita do auxílio emergencial – que
beneficia mais de 66,2 milhões de pessoas –, as projeções são de que iniciemos
2021 com nova recessão – e com um caldeirão social fervendo.”
Segundo a presidenta do PCdoB, dada a
disputa pelo protagonismo político das vacinas, “os negacionistas associados ao
bolsonarismo vão atuar. Poderemos ver de tudo nos próximos meses”, inclusive a
criminosa disseminação de fake news anti-vacinas. “A batalha
da vacina é uma luta pela vida. Devemos estar atentos a ela e a seus
desdobramentos”, frisou Luciana. É o que faz o governador Flavio Dino
(PCdoB-MA), que desde o primeiro instante tem liderado o enfrentamento à
Covid-19 e, agora, atua para garantir o acesso da população à vacina.
Eleição atípica
Com a associação das restrições
decorrentes da pandemia às novas regras eleitorais (como o fim das coligações
proporcionais), a eleição foi “profundamente atípica”, conforme Luciana Santos.
“Uma eleição sem gente, sem contato, sem corpo a corpo pesa mais para nós, por
nossa característica de fazer campanha.” Outra marca da disputa municipal foi a
taxa recorde de abstenção – de 23,14% no primeiro turno e de 29,5% no segundo.
Das urnas, quem saiu com principal
derrotado foi Bolsonaro e sua política extremista. “A tática de frente ampla,
de isolar o bolsonarismo, produziu resultados – e isso tem nosso DNA”, resume
Luciana. “A política prevaleceu. A questão democrática foi a vitoriosa.” Como
presidente, Bolsonaro pode até exercer seu “forte poder de cooptação” sobre os
novos prefeitos, que enfrentarão muitas dificuldades financeiras. “Mas seu
futuro depende de como conseguirá dar condução à crise econômica, que deve ser
ainda mais forte que a de 2020.”
O campo da centro-direita e direita,
que “expressa identidade com a agenda liberal na esfera econômica, sem, no
entanto, se identificar com o bolsonarismo”, saiu fortalecido. Além do PSDB,
esse polo inclui DEM e MDB como expoentes. O chamado “Centrão” avançou, graças
à votação de partidos como Republicanos, PP e PTB. De acordo com Luciana, essas
legendas “apoiam Bolsonaro, participam do governo, mas têm objetivos próprios e
podem se reposicionar lá na frente”.
A esquerda perdeu votos, mas deu
início a um processo de renovação de lideranças. O PT – que diminuiu nas
pequenas cidades e manteve a média de votos nos grandes centros – continua
sendo um partido com estruturação e enraizamento. O PDT, de olho na candidatura
de Ciro Gomes à Presidência em 2022, estabeleceu uma aliança prioritária com o
PSB, além de fazer pontes com o centro. O PSOL, por sua vez, voltou a crescer
nos grandes centros urbanos, atraindo o tradicional voto de opinião. Seu principal
destaque foi Guilherme Boulos em São Paulo.
E o que mudou em favor da esquerda?
Para Luciana, “cresceu um campo político que expressa uma identidade
progressista e extrapola partidos. O sentimento de renovação e empolgação com a
política foi marcante em candidaturas como a de Manuela D’Ávila em Porto
Alegre”. Na campanha, Manu “liderou um verdadeiro levante cívico e conquistou
muitos votos de fora da ‘nossa bolha’, ajudando o PCdoB a contribuir com caras
novas para o debate público da esquerda. São nomes que jogarão papel importante
na luta política do próximo período”.
“A presença dos comunistas na vida
institucional do país é um patrimônio dos trabalhadores brasileiros e das
causas justas e avançadas. É a defesa deste patrimônio que nos faz debater medidas
extraordinárias”, afirma Luciana. “A exclusão da corrente de pensamento dos
comunistas da vida pública seria um fato profundamente negativo.”
Um dos desafios centrais do PCdoB,
para cumprir a cláusula de barreira em 2022, é melhorar seu desempenho em
eleições. “Há nossas limitações organizativas e os estigmas que se relacionam à
nossa presença na vida política. Todos eles se acirram quando nossa pequena,
mas qualitativamente gigante bancada se encontra sob risco.” Segundo Luciana, é
preciso travar esse debate sem abrir mão das concepções históricas do Partido,
mas buscando mudanças que favoreçam a atuação dos comunistas hoje.
“Vamos observar a experiência dos
partidos comunistas no mundo, com seus múltiplos arranjos institucionais e suas
múltiplas possiblidades. E vamos enfrentar outras questões, como nosso trabalho
de massas e a dificuldade de reposicionar os movimentos tradicionais”, diz
Luciana.
Em 2020, o PCdoB lançou diversos
candidatos majoritários e lutou para formar chapas próprias, mas teve dificuldades
para aplicar, concretamente, sua tática eleitoral. “As candidaturas que
conseguiram um resultado melhor foram aquelas que conseguiram atrair algum tipo
de aliado.” Foi o caso de Manuela, à frente de uma batalha histórica na capital
gaúcha. Já as candidaturas à prefeitura de Olívia Santana (Salvador), Orlando
Silva (São Paulo) Wadson Ribeiro (Belo Horizonte), Rubens Junior (São Luís),
Inácio Falcão (Campina Grande), entre outras, “deram seu recado e politizaram a
disputa eleitoral”.
“Sendo realistas, com o que nós
somos, com o que temos, com o que acumulamos e com os nossos limites, o
resultado foi aquém do esperado. Precisamos fortalecer o Partido como uma
legenda eleitoral, que enfrente as dificuldades que a legislação nos impõe”,
afirma Luciana. “No Brasil, a luta institucional eleitoral hoje é a dimensão
mais objetiva pela qual se dá a disputa pelo poder político. No jogo
democrático, o poder se disputa é por eleições, no voto. Aí se dá a disputa
real pelo poder.”
Um partido que não cumpra a cláusula
de barreira perde fundo partidário e eleitoral, além de tempo de TV,
“permanecendo apenas na fronteira da luta ideológica, sem condições de incidir
sobre a política real”. Na visão de Luciana, para superar a cláusula,
“precisamos ir além de um partido de ideias e de quadros – mudar para manter a
essência. Se queremos preservar nossa identidade de classe, de força defensora
dos trabalhadores, é preciso preservar o espaço da luta político
institucional”.
De acordo com a presidenta do PCdoB,
“o mundo da política não tem interesse na reformulação das regras eleitorais”.
Mesmo assim, a bancada comunista na Câmara dos Deputados “vai esgotar todas as
possibilidades de diálogo nesse terreno”. O cenário adverso deve levar os
comunistas a pensarem também em “saídas intermediárias”. A seu ver, “todas as
ideias devem ser postas à mesa, exercícios políticos devem ser pensados, sem
interdição do debate. A única coisa vetada é não fazermos nada”.
Luciana propôs a criação de um grupo
de trabalho para “apresentar um roteiro mais organizado desse debate”, cuja
centralidade é o lugar político do PCdoB. Na conclusão de seu informe, a
presidenta do Partido citou a frase de Ariano Suassuna: “Os otimistas são
ingênuos, e os pessimistas são amargos. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.
Para Luciana, “este espírito é o que deve nos presidir”.
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