Segundo a Unesco, 87% da população em
idade escolar foi interditada de ir à escola no ano de 2020 em todo o mundo
por Remi Castioni
Publicado
01/02/2021 12:29 | Editado 01/02/2021 13:32
(Foto: Divulgação)
É recorrente na história a metáfora
de longos e curtos séculos para designar mudanças na forma de organizar a
sociedade, o modo de produção e o papel das instituições. A educação como a conhecemos
se organiza dessa forma a partir de uma grande ruptura da sociedade, a passagem
de uma sociedade agrária para a era industrial. Desde então, com maior ou menor
intensidade, a educação seguiu muito de perto as transformações que se
processam no ambiente físico da produção.
Ocorre que há muitos anos a produção
deslocou-se do ambiente físico para incorporar outras dimensões da realização
da produção. O putting-out característico da revolução
industrial do século 21 e seu surgimento na Inglaterra está muito presente nas
mesmas cadeias produtivas globais que deram dinamismo ao modelo inglês de
produção, com uma sofisticação e intensidade, que somente as novas rupturas
assim o permitiram.
A educação ao longo do ano da
pandemia vivenciou uma situação que se esperava, mas não se sabia para quando.
Segundo a Unesco, 87% da população em idade escolar foi interditada de ir à
escola. Foi um movimento brutal, que fez a entidade lançar uma campanha global:
A educação não pode parar. E foi com essa metáfora que penso que o século 21
chegou na educação. De repente, milhões de estudantes e docentes se viram numa
nova realidade.
Como se fosse num livro de ficção, a educação passou a exigir um novo
domínio. Não era mais o ambiente físico, característico da era industrial que
passou a predominar, seja na educação básica ou na superior. Agora o processo
de ensino-aprendizagem passou a experimentar outros espaços.
E foi assim, aprendendo e fazendo que o ano escolar de 2020 foi sendo
desenrolado. Alguns estados e municípios com uma desenvoltura surpreendente,
diferentemente das universidades públicas, em particular, as federais, que se
perderam nos propósitos e seguiram a sina: o ótimo é inimigo do bom. Na
educação pública existe o possível. O século 21 chega na educação com
constatações óbvias. O papel do gestor escolar, o envolvimento da comunidade e
o efeito-escola fazem a diferença nas populações que sempre tiveram
dificuldades. Não à toa temos hoje no Brasil dois grandes casos de sucesso: o
estado do Ceará, no ensino fundamental, e o estado de Pernambuco, no ensino
médio; seguidos muito de perto pelo Piauí e o Maranhão. Todos do Nordeste, onde
se tem o menor orçamento disponível para a educação. O que explica que o Ceará,
com metade do orçamento per capita ao ano por aluno, tenha o dobro do
desempenho de um aluno do Distrito Federal?
Já são 20 anos de uma mesma ideia colocada em prática: conhecer o aluno,
conversar com a família, envolver a comunidade, empoderar o diretor. É isso.
Uma boa educação não precisa de grandes soluções. Fazer o bom é melhor do que
dizer que quer o ótimo. A educação precisa de compromisso em toda a cadeia de
decisão daqueles que tem o papel de implementar.
Carlos Matus, o grande ministro de Allende, formulou uma máxima: planeja
quem executa; e executa melhor quem planeja.
O grande problema na educação é que sempre se delega àquele que está no
topo da cadeia de decisão o que fazer. É por isso que as políticas de educação
falham. Persegue-se a melhor lei, o mais detalhado dos decretos; e se esquece de
que quem implementa políticas não é o presidente, nem o governador e nem o
prefeito. São as professoras e os professores junto com seus alunos.
Publicado originalmente no portal Metrópoles
AUTOR
Remi Castioni é doutor em educação
pela Unicamp e professor da Faculdade de Educação da UnB, desde 2005. Atua nos
programas de pós-graduação em educação, tanto na modalidade acadêmica como
profissional.
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