O infectologista
Marcos Boulos afirma que não se trata mais de saber se outras cidades viverão o
colapso de Manaus, mas quem será a primeira. Nas condições sanitárias atuais,
ele não vê meios de evitar isso.
por Cezar Xavier
Publicado 25/02/2021 23:28 | Editado 25/02/2021 23:31
Foi num dia 26 de
fevereiro que se registrou o primeiro doente de covid-19 no Brasil. Um ano
depois, são 10.390.461 diagnosticados com o novo coronavírus e 251.498 mortos,
sendo que os últimos dois meses testemunharam uma aceleração de contágios e
mortes maior que todo o ano de 2020.
Para analisar esse
quadro aterrador, o portal Vermelho entrevistou o
infectologista Marcos Boulos, que se mostrou pessimista com as próximas semanas
da pandemia. Para ele, o quadro só tende a se agravar, pois não há muito a
fazer para diminuir a circulação do vírus. “Só se todo mundo ficasse dentro de
casa. Mas o que vemos é que a população já assumiu a premissa de não fazer nada
para evitar o contágio. Há um clima de retomada de atividades produtivas num
momento de agravamento enorme da pandemia”, lamentou.
Considerando isso,
para ele, o colapso do sistema de saúde, aos moldes do que ocorreu em Manaus, é
certo. Ele avalia que Manaus foi a cidade que menos seguiu protocolos de
distanciamento social e “ainda preconiza tratamento precoce totalmente ineficaz
contra a doença”. “Agora, resta saber qual cidade vai entrar no caos primeiro.
O ABC paulista já está colapsando e Campinas também aponta para isso”, observou.
Boulos percebe que há cada vez menos distanciamento social, uso de máscara e
higienização.
Mas o médico e
consultor do governo paulista também apresenta fatores novos que tornam o
contágio pior que na primeira onda da pandemia. “Há o surgimento de novas cepas
com disseminação muito maior que antes”, admite.
Ele também inclui
as condições hospitalares piores que no início da pandemia. “O começo da
pandemia uniu o país para enfrentar a doença. Agora, no retorno do alto
contágio, não temos mais as condições hospitalares que tínhamos antes, já que
hospitais de campanha foram desmontados e o leitos foram reocupados por outras
patologias”, justifica. Esta diminuição de leitos para covid-19 ocorre no
momento mais intenso de contágio e agravamento da doença.
O infectologista
não flexibiliza sua opinião sobre a necessidade de medidas rigorosas para
evitar um colapso cada vez pior do sistema de saúde, com aceleração desenfreada
de mortes. Os governos são pressionados pelos mais diversos setores econômicos
para não instaurar lockdown. Restaurantes dizem que implementam protocolos
sanitários, mas têm que fechar, enquanto festas clandestinas se espalham pelas
cidades.
“Restaurantes e
bares nem deviam estar funcionando, pois dados internacionais mostram que estes
foram os ambientes onde mais houve contágio. As pessoas não usam máscara para
comer ou beber num lugar desses”, sentenciou. Ele também diz que as festas
clandestinas são um problema sério para o poder público, que tem dificuldade
para coibí-las. “Precisa prender as pessoas que participam disso”, defende ele.
Diante da
dificuldade de impor lockdown, os governos apontam para toques de recolher à
noite para evitar as festas e aglomerações de jovens. Isso ajuda? “Tudo que
puder fazer para diminuir a circulação de pessoas ajuda, mas é insuficiente.
Precisa arrochar mais que isso”, reafirmou.
Podia ser melhor?
Podia ser pior? Sim para os dois. “Se houvesse decisão centralizada no governo
federal, dando orientações de controle padronizadas dizendo tudo que se pode
ser feito para impedir a circulação do vírus, tendo testes suficientes e ampla
vacinação, a doença teria tido menos impacto”, supôs. “Mas podia ser pior se
não fosse feito nada para garantir o distanciamento social, o uso de máscara.
Estaríamos no caos total!” completou.
Devagar, quase
parando
Boulos também
analisou a lentidão da vacinação no Brasil. Se por um lado, a novidade da
doença e da vacina trazem o desafio de garantir fabricação de 14 bilhões de
doses, algo que ele considera improvável, por outro, o Brasil demorou muito
para entrar na competição internacional pelos imunizantes.
“Vai demorar muito
tempo para haver vacina suficiente para o mundo todo, mas o Brasil fez apenas
duas parcerias com farmacêuticas, por meio da Coronavac do Butantan e da
Oxford/Astrazenica da Fiocruz. Teria que comprar mais opções de vacinas, como a
Sputinik V, a vacina da Pfizer, da Moderna, entre outras disponíveis”,
criticou.
Para o médico, a
parte social deveria ser considerada na prioridade para vacinação. Ele
repercutiu estudo geoterritorial que mostra as periferias pobres das cidades
mais vulneráveis ao contágio, portanto prioritárias para a imunização. “Há uma
compreensão de que a vacina não impede totalmente o contágio, mas evita
agravamento e risco de morte, por isso, a prioridade para profissionais de
saúde e idosos. Por outro lado, a exposição dos trabalhadores, jovens e idosos
da periferia é muito maior, provocando essa fragilidade social. Por isso, é
menos indicada a vacinação em empresas privadas, que podem garantir o distanciamento
social e quarentena de seus profissionais”, defendeu.
Boulos também
comentou o estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP, que analisou normativas
do governo federal sobre a pandemia. Os pesquisadores demonstraram que havia
uma estratégia deliberada do governo de promover a imunidade coletiva no
Brasil, que foi frustrada pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário e pelos
governos locais.
“A imunidade
coletiva só faz sentido para um governo louco, que quer fazer morrer mais
gente”, declarou. Ele comparou os 30 milhões de mortos durante a gripe
espanhola, no início do século XX, quando não havia vacina, nem medidas
sanitárias e a população era dez vezes menor. “Imagina deixar 212 milhões de
pessoas se contaminarem! Um por cento de letalidade significaria mais de 2
milhões de mortos em poucos meses. Realmente, a pandemia acabaria mais cedo,
mas a que custo?”, questionou. Ele ainda mencionou o exemplo chinês, com seus
1,4 bilhões de habitantes, não tomando as providências que tomou para evitar o contágio
generalizado.
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