Do Editorial do Portal Vermelho
Publicado
15/03/2022 12:34 | Editado 15/03/2022 12:35
Segundo a
empresa, desta vez a causa foi a guerra na Ucrânia, que provocou uma acentuada
alta na cotação do petróleo no mercado internacional. “O último reajuste foi
necessário para manter o fornecimento por todas as empresas, mitigando riscos
de desabastecimento”, completou a Petrobras, em vídeo divulgado nas redes
sociais.
Sem a guerra,
porém, o cenário não foi nada diferente. Conforme detalhou o Vermelho, “só em 2021, a
empresa teve um lucro líquido recorde de R$ 106,6 bilhões. Mas no mesmo
período, enquanto a inflação oficial no País, medida pelo IPCA (Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo), foi de 10,06%, houve alta acumulada de 36,99%
no gás de botijão, de 47,49% na gasolina e de 62,23% no etanol”.
Desde 2016, com
a adoção do chamado “preço de paridade de importação” (PPI), a Petrobras tabela
seus produtos de acordo com o “deus mercado”. Essa política, imposta ainda no
governo Michel Temer (MDB), quando a empresa era chefiada pelo economista
neoliberal Pedro Parente, estabelece dois gatilhos para ajustar o valor de
venda dos combustíveis: as variações cambiais do real frente ao dólar e a
cotação internacional do petróleo. Se um ou outro fator sai do controle, pobres
dos nossos combustíveis – e de nós, consumidores: os aumentos são repassados de
modo quase automático.
É possível
aplicar, aqui, o conhecido provérbio espanhol “cria cuervos y te sacarán los
ojos”. Mas, se os corvos da política de preços da Petrobras foram criados
por Temer, são os olhos de Bolsonaro que estão prestes a serem arrancados. A
popularidade do ex-presidente golpista já estava ao rés do chão quando, em maio
de 2018, explodiu a greve dos caminhoneiros. Os efeitos da paralisação, como o
desabastecimento de remédios e alimentos, forçaram o governo a flexibilizar a
PPI. Para conter a crise, Temer defenestrou Pedro Parente, o litro do diesel na
bomba ficou R$ 0,46 mais barato por 60 dias e os reajustes, até o fim daquela
gestão, passaram a ser mensais.
Mas o
atrelamento dos preços a fatores externos continuou sob o governo Bolsonaro,
para a alegria dos acionistas da Petrobras e tristeza entre o povo. Enquanto
punia os brasileiros com a inflação sem fim, Bolsonaro não parou de inventar
desculpas e lançar evasivas sobre a situação. “Posso interferir na Petrobras?
Vou responder a processo. O presidente da Petrobras vai acabar sendo preso”,
mentiu ele, em outubro passado, numa entrevista chapa-branca à rádio Jovem Pan.
“É uma estatal que, com todo respeito, só me dá dor de cabeça.”
Dor maior tem a
população, que continua a pagar a conta de uma política de preços voltada aos
interesses do capital. Com os combustíveis ainda mais caros, economistas
ouvidos pelo Banco Central elevaram, pela nona vez seguida, a estimativa de
inflação para 2022. Calcula-se que esse último reajuste nos preços da Petrobras
pode responder, sozinho, por 0,8 ponto percentual a mais no IPCA anual. Assim,
embora a meta central de inflação seja de 3,50% no ano, já se projeta que o
IPCA pode fechar em 6,45%.
Do ponto de
vista político, são mais notícias desagradáveis para o presidente Bolsonaro, já
em campanha para tentar a reeleição, não sairá incólume. A aposta do governo
nos pagamentos do Auxílio Brasil – um estelionato eleitoral – vinha surtindo
efeito: pesquisas recentes apontaram uma ligeira recuperação na imagem do
presidente, bem como nas intenções de voto. O impacto da alta dos combustíveis
tende a implodir essa recuperação.
Pesquisa
XP/Ipespe feita entre 7 e 9 de março – antes, portanto, do reajuste – indicava
números um pouco mais favoráveis a Bolsonaro. Em três meses, sua rejeição caiu
três pontos percentuais, enquanto sua aprovação cresceu quatro. Mas, conforme a
mesma sondagem, 61% dos brasileiros veem a economia “no caminho errado” e nada
menos que 96% afirmavam que a inflação e o preço dos produtos ou “aumentaram”
ou “aumentaram muito”. Repita-se: essas eram as impressões da população antes da
nova canetada da Petrobras. Na prática, muitas famílias ficaram desabastecidas
não pelo risco de faltar gasolina, etanol ou gás de cozinha – mas pela
incapacidade de comprá-los em virtude da inflação.
A possibilidade
concreta de sofrer uma vexaminosa derrota no pleito de outubro – a primeira de
um presidente brasileiro a disputar a reeleição – é o que leva Bolsonaro a
falar agora, de modo oportunista, numa revisão da PPI da Petrobras. Outros
pré-candidatos ao Planalto, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), já se comprometeram a, se eleitos, mudar essa
nefasta política de preços. A esta altura, o discurso do “não posso interferir”
não convence mais ninguém – apenas afaga o setor financeiro.
Desde o governo
FHC (1995-2002), a Petrobras não é, rigorosamente, uma empresa estatal tradicional
– mas, sim, uma sociedade de economia mista, com capital aberto. Suas ações
passaram a ser negociadas, primeiro, na Bolsa de Valores de São Paulo e,
depois, na Bolsa de Nova York. Mas, ao contrário do que apregoa Bolsonaro, o
governo pode – e deve – interferir nos rumos da empresa de modo a mantê-la em
sintonia com os interesses do país e não apenas de grupos empresariais.
A União é a
principal acionista da Petrobras e indica a maioria de seus diretores.
Bolsonaro, por exemplo, já nomeou dois presidentes para a empresa – o
economista Roberto Castello Branco, em 2019, e o general Joaquim Silva e Luna,
em 2021. “Eu sou o maior acionista da Petrobras”, declarou o próprio Bolsonaro,
ao dar posse a Silva e Luna, num desses arroubos autoritários de quem confunde
o público e o privado. “Agora o general vai chegar na Petrobras e vai fazer o
trabalho que eu gostaria que fizesse”, arrematou. Ora, o que o presidente terá
recomendado ao general, resultando em tamanha inflação e carestia?
Hoje
ultraliberal e entreguista, Bolsonaro poderia revisitar talvez o único (e,
mesmo assim, muito limitado) mérito de sua paupérrima trajetória parlamentar –
o nacionalismo. A Petrobras serve cada vez menos aos brasileiros à medida que
abraça mais e mais o mercado, com a privatização de refinarias, a
desnacionalização acentuada pós-Lava Jato, o abandono do conteúdo local e a
política de preços. A gestão
bolsonarista não reverteu nenhum desses processos – e, em alguns casos, os
acentuou. É preciso derrotar Bolsonaro e salvar a Petrobras,
fazendo com que o petróleo novamente seja nosso – de todos os brasileiros.
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