Cláudio Carraly*
Hoje enquanto caminho pelas terras
que um dia vivi e foram lar de meus filhos, sinto um peso no coração. Lá, onde
deveria haver paz e harmonia, vejo divisões profundas e inimizades arraigadas.
Me pergunto se meus descendentes esqueceram as lições de compaixão e respeito
mútuo que tentei ensinar. Como meu coração se parte ao ver que vocês, que
compartilham a mesma origem e o mesmo Deus, continuam a se confrontar em
embates devastadores. A guerra não é o caminho que Deus desejou para vocês.
Lembrem-se de que vocês são irmãos, e o sangue que corre em suas veias é o
mesmo.
Lembro-me da promessa de Deus de
tornar minha descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu. Imagino que
essa promessa inclua a multiplicidade de minha descendência semita, judeus e
árabes, vivendo juntos em paz e respeito mútuo como os irmãos que são. Não é
isso que Deus desejaria para vocês. A paz é o verdadeiro caminho para a
realização do plano divino, Deus é o Deus de todos, independentemente de sua
religião ou etnia. Ele deseja que vocês vivam em harmonia e unidade e não
repitam novamente o que aconteceu com os primeiros irmãos da terra. Eu que
sempre abri a porta de minha casa aos visitantes, lavando seus pés cansados e
servindo as melhores iguarias, pergunto, como não podemos abrir as portas das
nossas vidas aos nossos irmãos?
Enquanto observo a triste realidade
dos meus filhos, me pergunto se meus descendentes compreendem a magnitude do
sofrimento que infligem uns aos outros e a mim. Reflito sobre como, ao longo
dos séculos, as batalhas causaram dor, destruição e perda de vidas únicas e
preciosas. Minhas lágrimas se misturam às suas lágrimas, digo com tristeza.
Quero que vocês saibam que a solução para a eterna guerra não está na força
bruta, mas na compreensão, na negociação e na empatia. Deus chora ao ver a dor
de seus filhos, que continuam a se machucar uns aos outros e eu choro pôr não
ter me feito entender pelos que vieram da minha carne.
E incompreensível para mim, o
que os dividem? Religião, cultura, política? Ridículo! O que os une enquanto
meus filhos, é muito maior do que os separa, lembrem-se que, em última análise,
vocês compartilham um destino comum e uma herança que vem diretamente de mim, o
Patriarca Abraão. Embora meu coração esteja pesaroso com tudo que vi,
assassinatos, fome, guerra, miséria, ainda acredito que, mesmo diante das
cicatrizes que ficarão, meus descendentes têm dentro de si a capacidade de
escolher a paz e reconciliação, a compreensão mútua é o caminho para superar
obstáculos que hoje os separam.
Meus queridos filhos, mesmo no dia
mais sombrio, a luz do amor ainda brilhará mais, será um farol para o viajante
que busca um porto seguro, não desistam da esperança, fabriquem a paz, não
apenas por vocês, mas também pelas gerações futuras. Deus deseja que seus
filhos vivam em harmonia e prosperidade. Façam essa vontade se tornar realidade
agora. Minha jornada chega ao fim, mas clamo que minhas palavras ecoem através
das eras, espero que meus descendentes ouçam a mensagem de reconciliação e
busquem um futuro no qual as armas sejam depostas e a paz finalmente prevaleça
entre meus filhos árabes e judeus, honrando assim a dádiva que Deus nos deu ao
me constituir como o pai de muitas nações... Shalom, Salaam, Paz!
[Ilustração: Marc Chagal,
"Abraão e Sara"]
*Advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
A História
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