sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Abraão visita Israel e Palestina

 Cláudio Carraly*

Hoje enquanto caminho pelas terras que um dia vivi e foram lar de meus filhos, sinto um peso no coração. Lá, onde deveria haver paz e harmonia, vejo divisões profundas e inimizades arraigadas. Me pergunto se meus descendentes esqueceram as lições de compaixão e respeito mútuo que tentei ensinar. Como meu coração se parte ao ver que vocês, que compartilham a mesma origem e o mesmo Deus, continuam a se confrontar em embates devastadores. A guerra não é o caminho que Deus desejou para vocês. Lembrem-se de que vocês são irmãos, e o sangue que corre em suas veias é o mesmo.

Lembro-me da promessa de Deus de tornar minha descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu. Imagino que essa promessa inclua a multiplicidade de minha descendência semita, judeus e árabes, vivendo juntos em paz e respeito mútuo como os irmãos que são. Não é isso que Deus desejaria para vocês. A paz é o verdadeiro caminho para a realização do plano divino, Deus é o Deus de todos, independentemente de sua religião ou etnia. Ele deseja que vocês vivam em harmonia e unidade e não repitam novamente o que aconteceu com os primeiros irmãos da terra. Eu que sempre abri a porta de minha casa aos visitantes, lavando seus pés cansados e servindo as melhores iguarias, pergunto, como não podemos abrir as portas das nossas vidas aos nossos irmãos?

Enquanto observo a triste realidade dos meus filhos, me pergunto se meus descendentes compreendem a magnitude do sofrimento que infligem uns aos outros e a mim. Reflito sobre como, ao longo dos séculos, as batalhas causaram dor, destruição e perda de vidas únicas e preciosas. Minhas lágrimas se misturam às suas lágrimas, digo com tristeza. Quero que vocês saibam que a solução para a eterna guerra não está na força bruta, mas na compreensão, na negociação e na empatia. Deus chora ao ver a dor de seus filhos, que continuam a se machucar uns aos outros e eu choro pôr não ter me feito entender pelos que vieram da minha carne.

E incompreensível para mim,  o que os dividem? Religião, cultura, política? Ridículo! O que os une enquanto meus filhos, é muito maior do que os separa, lembrem-se que, em última análise, vocês compartilham um destino comum e uma herança que vem diretamente de mim, o Patriarca Abraão. Embora meu coração esteja pesaroso com tudo que vi, assassinatos, fome, guerra, miséria, ainda acredito que, mesmo diante das cicatrizes que ficarão, meus descendentes têm dentro de si a capacidade de escolher a paz e reconciliação, a compreensão mútua é o caminho para superar obstáculos que hoje os separam.

Meus queridos filhos, mesmo no dia mais sombrio, a luz do amor ainda brilhará mais, será um farol para o viajante que busca um porto seguro, não desistam da esperança, fabriquem a paz, não apenas por vocês, mas também pelas gerações futuras. Deus deseja que seus filhos vivam em harmonia e prosperidade. Façam essa vontade se tornar realidade agora. Minha jornada chega ao fim, mas clamo que minhas palavras ecoem através das eras, espero que meus descendentes ouçam a mensagem de reconciliação e busquem um futuro no qual as armas sejam depostas e a paz finalmente prevaleça entre meus filhos árabes e judeus, honrando assim a dádiva que Deus nos deu ao me constituir como o pai de muitas nações... Shalom, Salaam, Paz!

[Ilustração: Marc Chagal, "Abraão e Sara"]

*Advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco

A História ensina https://bit.ly/3Ye45TD

0 comentários :

Postar um comentário