Para Steven Levitsky, “os brasileiros responderam à sua crise democrática melhor que os americanos”
por André Cintra
Publicado 08/01/2024 18:18 | Editado 08/01/2024 18:23
Não é de hoje que o
cientista político norte-americano e professor da Universidade de Harvard
Steven Levitsky exalta a reação do Brasil ao 8 de Janeiro. Há exatamente um
ano, nos primeiros dias de 2023, a democracia foi o alvo de uma tentativa de
golpe de Estado promovida por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que
invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Dois anos e dois
dias antes, em 6 de janeiro de 2021, os Estados Unidos passaram por um episódio
semelhante. Instigados pelo então ainda presidente Donald Trump, manifestantes
extremistas saquearam Capitólio, sede do Congresso. Nesse caso, porém, a
tentativa era evitar a certificação e a posse do presidente eleito, Joe Biden,
que tomaria posse 13 dias depois.
Coautor de Como
as Democracias Morrem, ao lado de Daniel Ziblatt, também de Harvard,
Levitsky compara os dois casos e diz acreditar que, em termos democráticos, o
Brasil está melhor que os Estados Unidos. “Os brasileiros responderam à sua
crise democrática melhor que os americanos. Particularmente a direita
brasileira teve uma resposta mais saudável à crise democrática de Jair
Bolsonaro do que a direita americana”, resumiu o professor ao O Globo em
novembro passado.
Na ocasião,
Levitsky acrescentou que “todas as principais figuras da direita brasileira
aceitaram o resultado na noite da eleição” de outubro de 2022, vencida por Luiz
Inácio Lula da Silva (PT). Já nos Estados Unidos, boa parte das lideranças do
Partido republicano se calou ante a invasão do Capitólio – ou mesmo saiu em
defesa dos extremistas.
A resultante da
omissão é que Trump pode voltar à Casa Branca com uma plataforma mais
autoritária e antidemocrática. Se no Brasil a Justiça tornou Bolsonaro
inelegível e ainda pode leva-lo à prisão por crimes contra o Estado Democrático
de Direito, nos Estados Unidos Trump parece se fortalecer a cada ano que passa
desde sua saída da Casa Branca.
“Depois do 8 de
janeiro, os políticos do Brasil, quase sem exceções, foram muito rápidos em
repudiar completamente o ataque ao Planalto e ao STF e em pedir uma
investigação sobre os atos. Não procuraram achar desculpas para as causas
daquilo, subestimar a seriedade ou defender os que se insurgiram”, agrega
Levitsky em entrevista ao Valor Econômico.
Um balanço dos
retrocessos e avanços democráticos está presente em Como Salvar a
Democracia, segundo livro conjunto de Levitsky e Daniel Ziblatt, lançado no
Brasil em fins do ano passado. O ensaio mostra que, enquanto Bolsonaro ficou
“quase isolado”, Trump virou um trunfo do Partido Republicano, que tenta
“proteger e resgatar a carreira política” do ex-líder da Casa Branca.
Eis o que Levitsky
aponta como a grande diferença entre os dois políticos e o que eles
representam: “No Brasil, como a direita é fragmentada – ou porque Bolsonaro na
prática não tem um partido claro –, seu destino é menos amarrado ao de outros
políticos de direita, como os governadores de Minas e São Paulo, membros do
Congresso. Eles sabem que podem continuar suas carreiras políticas com ou sem
Bolsonaro. Não precisam do apoio de Bolsonaro no mesmo nível que os
republicanos precisam de Trump”.
Mas a direita, por
si só, não explica por que o Brasil deteve o 8 de Janeiro e impediu mais uma
deposição de presidente via golpe de Estado. O livro de Levitsky e Ziblatt
defende uma ação “conjunta, pública e enérgica” dos Três Poderes e das elites
políticas em caso de ameaça à democracia. O fato de o País ter vivido o Golpe
de 1964 – que impôs uma criminosa ditadura militar por 21 anos – ajudou a mobilizar
a reação brasileira.
Os
norte-americanos, por sua vez, parecem viver na fantasia do “farol da
democracia”, sentindo-se imunes a ataques autoritários. “Isso se dá
principalmente por causa da ignorância. Ninguém vivo nos EUA experimentou de
fato ter perdido a democracia”, analisa Levitsky. “Pode ser uma ignorância
baseada na crença no excepcionalismo americano, na ideia de que a democracia
americana vai sempre ser forte, não importa o que aconteça.”
Da parte do
Judiciário dos dois países, as reações também foram distintas. “A Corte
eleitoral brasileira baniu Bolsonaro de participar da política por oito anos.
Isso teria acontecido nos Estados Unidos se o Senado tivesse condenado Trump”,
afirma o autor. “Enquanto Trump continua uma ameaça e pode facilmente ganhar as
eleições de 2024, Bolsonaro no momento é uma figura relativamente marginal na
política brasileira.”
Por fim, tanto no
livro quanto na entrevista ao Valor, Levitsky compara o papel das
Foças Armadas. “A intervenção militar foi um risco muito maior no Brasil do que
nos Estados Unidos. Bolsonaro realmente pensou que poderia ter – e alguns
oficiais queriam isso”, indica. “Em parte, as duas tentativas de golpe falharam
porque precisavam que Trump e Bolsonaro tivessem o apoio dos militares. E
qualquer país da América Latina sabe que não se pode dar um golpe presidencial
sem o suporte deles.”
Para o autor, o
empenho de Lula em revitalizar a democracia capitaliza seu terceiro mandato no
Planalto. A seu ver, merecem apoio todas as coalizões lideradas pelo presidente
em prol do Estado Democrático de Direito. “São coisas essenciais após o governo
Bolsonaro”, conclui Levitsky. “Em última instância, o governo Lula pode vir a
ser bastante mediano, provavelmente não vai ter os grandes sucessos que teve de
2003 a 2010. Mas só de restabelecer um governo competente e as práticas
democráticas já é um grande passo para frente.”
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