De acordo com pesquisa, 46,75%
dos argentinos reprovam a Lei Ônibus e 59,4% contestam sua eventual imposição
por decretos
por André Cintra
Publicado 31/01/2024 08:00 |
Editado 31/01/2024 08:35
O ultradireitista Javier Milei
não teve os chamados “cem dias de lua de mel” como presidente. Na realidade, a
paciência dos argentinos se esgotou em não mais do que algumas semanas. A Casa
Rosada tentou associar a audaciosa
greve geral de 24 de janeiro aos “baderneiros” do movimento
sindical, mas uma recente pesquisa deixa claro que a rejeição do povo com o
governo é crescente e generalizada.
Eleito presidente com
contundentes 55,65% dos votos válidos, Milei já perdeu, precocemente, seu
capital político. Levantamento do instituto Zuban Córdoba divulgada nesta
segunda-feira (29), passados apenas 50 dias do início do mandato, mostra que
52,8% da população “desaprova totalmente” a gestão Milei. Além disso, para
54,4%, a Argentina “caminha na direção errada”, em meio ao
“choque” econômico e aos retrocessos anunciados pelo novo presidente.
Na avaliação de Gustavo
Córdoba e Ana Paola Zuban, responsáveis do instituto Zuban Córdoba pela
pesquisa, Milei é vítima dos “consensos precários” que determinaram a eleição
dos últimos presidentes argentinos. Segundo eles, “os governos agem sempre como
se esses consensos fossem eternos ou permanentes e abusam deles até se
desgastarem, gerando processos agravados de queda da confiança ou de
credibilidade, que acabam afetando gravemente o resto do mandato”.
O
autoritarismo é outro aspecto que desgasta o governante do sinistro partido A
Liberdade Avança. No mesmo dia da greve geral, a Justiça da
Argentina atendeu a uma “ação de proteção” da central sindical CGT
(Confederação Geral do Trabalho) e anulou seis artigos da reforma
trabalhista de Milei. Segundo a juíza trabalhista Liliana Rodríguez
Fernández – que assinou a decisão –, não há nenhuma base legal para que essas
mudanças na legislação sejam feitas via DNU (Decreto de Necessidade e
Urgência), e não por projeto de lei.
O revés influenciou a opinião
pública. Embora o governo tenha recuado em vários pontos da Lei Ônibus – que
promove uma desregulamentação geral da economia –, os argentinos temem uma
investida antidemocrática de Milei para implantar seu pacote ultraliberal. De
acordo com a pesquisa, 46,75% reprovam a Lei Ônibus e 59,4% contestam sua
eventual imposição por decretos.
O recado está dado: a exemplo
do que ocorreu no Brasil durante o governo Jair Bolsonaro (PL), é possível que
a breve experiência de Milei no poder já tenha despertado uma reação mais
suprapartidária em defesa da democracia. Com minoria no Congresso, o
presidente argentino tinha condições de formar uma base mais ampla, não fossem
suas tentações arbitrárias.
Um dos poucos dados favoráveis
a Milei na pesquisa é que 45,9% atribuem a crise econômica a seu antecessor,
Alberto Fernández. Por ora, somente 39,1% se deram conta de que, se a crise
está ainda mais agravada, a responsabilidade é do atual presidente. O problema
é que esse suposto trunfo tem validade.
Nesta terça-feira (30),
enquanto o governo digeria os amargos índices de impopularidade, o FMI (Fundo
Monetário Internacional) revelou que suas previsões para a Argentina pioraram
sensivelmente. Em outubro, a instituição estimava um crescimento de 2,8% do PIB
argentino em 2024. Agora, com as medidas de Milei, o país deve ter uma
contração: -2,8% no ano.
O número é ainda pior que o
projetado pelo Banco Central da Argentina, que prevê uma queda de 2,6% na
economia. A isso se soma a hiperinflação, que não para de crescer e já é a
maior da América Latina. Para muitos analistas argentinos, a dúvida não é
mais se Milei vai ou não vai cair antes do fim de seu mandato –
mas quando isso ocorrerá, para o bem do povo argentino.
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