Mark Poynting e Leandro Prazeres/BBC
As mudanças climáticas causadas
pela ação humana foram o principal fator responsável pela pior seca na
Amazônia em pelo menos meio século.
A conclusão é de um estudo realizado
por cientistas da World Weather Attribution (WWA), um consórcio de cientistas
de diversas partes do mundo que se debruça sobre as causas e os efeitos
de eventos climáticos extremos.
Os cientistas afirmam ainda que as
consequências da seca foram mais sentidas por populações mais pobres e isoladas
da região amazônica e que seus efeitos teriam sido agravados pelo
desmatamento e queimadas.
Eles alertam que a tendência é
que eventos extremos como esse sejam cada vez mais frequentes se o
mundo não reduzir radicalmente a utilização de combustíveis fósseis,
principal vetor de emissão de gases do efeito estufa que contribuem para
as mudanças climáticas.
O novo estudo sobre os fatores que levaram à seca na Amazônia foi conduzido por
treze cientistas do Reino Unido, Brasil, Dinamarca e Holanda.
Eles analisaram dados históricos de precipitação (chuva), a evapotranspiração da floresta na região e de temperatura em toda a Bacia Amazônica.
Os pesquisadores usaram dados
meteorológicos e simulações de computador para comparar as condições de seca em
dois cenários: um com aquecimento causado pelo homem e outro sem.
Em mundo onde a atividade humana não
tivesse aquecido o planeta em cerca de 1,2ºC, não houvesse uma atividade
agrícola tão intensa e no qual a falta de chuvas e a elevada evaporação não
contribuíssem para deixar o solo menos úmido, uma seca assim pode ter acontecido
apenas uma vez a cada 1.500 anos, indica o estudo.
As mudanças climáticas tornaram uma
seca desta gravidade cerca de 30 vezes mais provável, segundo os cientistas, e
espera-se agora que ocorra uma a cada 50 anos nas condições atuais.
Procurado pela BBC News Brasil para
comentar os resultados do estudo, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do
Clima (MMA) ressaltou em nota à BBC News Brasil que o desmatamento na Amazônia
caiu pela metade no ano passado em comparação com 2022 e que o governo Lula
assumiu o compromisso de zerá-lo até 2030.
"O governo federal revisou a
meta climática brasileira, corrigindo alterações da gestão anterior e retomando
o compromisso assumido em 2015 no Acordo de Paris de reduzir as emissões de
gases causadores do efeito estufa em 48% até 2025 e 53% até 2030", disse a
pasta.
O MMA afirmou ainda que está sendo
elaborado um novo plano nacional para lidar com as mudanças climáticas e que o
Brasil vai apresentar sua nova meta climática em 2025, na cúpula do clima
COP30, em Belém, no Pará.
"O Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima alerta que a década 2021-2030 é a última janela de
oportunidade para enfrentar a mudança do clima. Limitar o aumento da
temperatura global a 1,5ºC na comparação com níveis pré-industriais é garantir
um futuro mais seguro para a humanidade", disse a pasta.
"Além de buscar liderar pelo
exemplo, o Brasil é um dos líderes da Missão 1,5°C, iniciativa que busca
reforçar a cooperação internacional e o incentivo para que os países apresentem
metas climáticas mais ambiciosas na COP30."
A seca de 2023 na
Amazônia vinha chamando a atenção da comunidade científica mundial por sua
duração e severidade.
Ao longo do ano passado, cientistas
não descartavam a influência das mudanças climáticas sobre a seca, mas vinham
atribuindo a estiagem a dois fenômenos climáticos naturais.
O primeiro deles é o El Niño,
que aquece as águas do Oceano Pacífico. Esse fenômeno natural, que está
ocorrendo de forma intensa, dificulta a formação de chuvas na Amazônia.
O El Niño teria, segundo os
cientistas, afetado a estação chuvosa na Amazônia deste ano, que registrou
índices pluviométricos abaixo da média. Com menos chuva, os rios entraram na
estação seca com volume menor do que o normal.
O segundo fenômeno foi o aquecimento
anormal das águas do Oceano Atlântico, que também reduz a quantidade de
chuva na região.
O estudo, no entanto, diz que, apesar
do El Niño, o principal responsável pela intensidade da seca na Amazônia no ano
passado foi a ação humana.
"O El Niño reduziu a quantidade
de precipitação (chuva) na região em aproximadamente na mesma quantidade que as
mudanças climáticas", diz um dos principais trechos do estudo.
"No entanto, a forte tendência
de seca foi quase inteiramente causada pelo aumento das temperaturas globais,
portanto, a severidade da seca atualmente enfrentada é em grande parte
impulsionada pelas mudanças climáticas."
Um dos retratos mais visíveis da seca
na Amazônia no ano passado foi a marca atingida pelo rio Negro em
Manaus, capital do Amazonas.
Em outubro, o rio chegou à sua menor
marca em 121 anos, quando os registros passaram a ser catalogados.
Neste ano, o rio chegou à marca de
12,70 metros. O recorde anterior era de 2010, quando o rio havia marcado 13,63
metros.
Além de ser uma barreira contra as
mudanças climáticas, a Amazônia é uma rica fonte de biodiversidade,
contendo cerca de 10% das espécies do mundo - com muitas outras ainda a serem
descobertas.
A seca afetou os ecossistemas e
impactou diretamente milhões de pessoas que dependem dos rios para transporte,
alimentação e renda, sendo os mais vulneráveis os mais atingidos.
Um dos efeitos foi a paralisação
temporária do funcionamento de hidrelétricas como Santo Antônio e Jirau, no Rio
Madeira, e a dificuldade no escoamento de bens produzidos no Polo Industrial de
Manaus por conta do baixo nível do rio Negro.
Em diversos pontos da floresta, a seca
ganhou contornos dramáticos. Em São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, mulheres indígenas tiveram que mudar rotinas seculares de
trabalho e mudarem o horário de ir para a roça por conta do calor
excessivo e o temor de sofrerem com insolação.
Em Tefé, também no
Amazonas, centenas de botos morreram em lagos da região com
temperaturas que chegaram a mais de 38 graus Celsius.
Cientistas ainda estudam as causas
das mortes, mas afirmam que o principal fator por trás do fenômeno foi o
aquecimento anormal das águas na região.
Barreira de proteção ameaçada
Ao mesmo tempo em que aponta que as
mudanças climáticas teriam sido o principal fator para a seca excepcional de
2023, o estudo também aponta a necessidade de reduzir as emissões de gases do
efeito estufa.
No mundo, a principal fonte desses
gases é a queima de combustíveis fósseis. No Brasil, é o desmatamento.
"A não ser que o mundo pare
rapidamente com a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, esses
eventos vão se tornar ainda mais comuns no futuro", diz um trecho do
estudo.
"Se continuarmos queimando
petróleo, gás e carvão, muito em breve atingiremos 2°C de aquecimento e veremos
secas semelhantes na Amazônia a cada 13 anos", diz a Dra. Friederike Otto,
professora sênior de Ciência do Clima no Imperial College de Londres e que
participou do estudo.
A Amazônia é a maior floresta
tropical do mundo e é vista como fundamental para reduzir os efeitos das
mudanças climáticas.
Apesar de conhecida pela sua
resiliência, cientistas que participaram do estudo alertam que secas como a do
ano passado soam um alarme.
"Isso coloca em xeque a
capacidade da floresta de se recuperar [...] se a gente considerar todas as
pressões humanas na floresta como desmatamento e queimadas, acho que deveríamos
ficar preocupados com a saúde da floresta", disse Regina Rodrigues, professora
de Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
durante a apresentação do estudo na quarta-feira (24/1).
A atuação da Amazônia como uma
proteção contra as mudanças climáticas acontece, em grande parte, por seu papel
como captador de carbono da atmosfera.
Em um estado saudável, a floresta
absorve mais dióxido de carbono (CO2) do que libera.
Esse processo limita o aumento de CO2 na atmosfera proveniente de
atividades humanas, mantendo a temperatura sob controle.
Mas há evidências de que isso pode
estar mudando, à medida que as árvores morrem devido à seca, incêndios
florestais e desmatamento desenfreado para abrir espaço para a agricultura.
Há preocupação de que, se as mudanças
climáticas e o desmatamento continuarem no ritmo atual, a Amazônia poderá em
breve atingir um "ponto de não retorno".
Se esse ponto for ultrapassado,
apontam estudos, isso poderia levar ao declínio rápido e irreversível de toda a
floresta tropical fazendo com que a rica floresta amazônica se transforme em
áreas savanizadas ou até mesmo desérticas.
Isso resultaria em um aumento nas
emissões de CO2 por um lado, e na perda de uma importante fonte de captação de
carbono da atmosfera de outro.
Não há consenso científico sobre se a
Amazônia já chegou ou não a esse ponto de não retorno.
O climatologista
brasileiro Carlos Nobre foi o primeiro a apresentar esta teoria em
2018. Ele é um dos autores de um estudo que afirma que, se a Amazônia for
desmatada em 25% e a temperatura global atingir 2 a 2,5 °C acima dos níveis
pré-industriais, a floresta irá atingir o ponto de não retorno.
"Não acho que [o ponto de não
retorno] seja o que estamos vendo [ainda], pelo menos em todas as partes,
exceto na parte mais seca da floresta amazônica", diz Yadvinder Malhi,
professor de Ciência dos Ecossistemas na Universidade de Oxford, que não estava
envolvido no estudo do WWA.
Desmatamento baixa,
mas alerta permanece
Apesar da última seca recorde na Amazônia em 2023, houve alguns dados comemorados pelo governo brasileiro e por parte da comunidade científica.
A taxa de desmatamento na
Amazônia brasileira caiu 50% em 2023 na comparação com 2023, de acordo com o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Apesar disso, os
dados no segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado, preocupam. Houve
aumento de 43% em relação ao ano passado.
"A perda da Floresta Amazônica
está longe de ser inevitável no curto prazo", desde que o fogo e o
desmatamento possam ser controlados, disse Malhi à BBC News.
Os cientistas do WWA reiteraram
durante a apresentação do estudo que o desmatamento na Amazônia é um fator de
risco para a "saúde" da floresta.
Mas afirmaram que a principal medida
a ser tomada para evitar secas recordes como a do ano passado é a redução
drástica das emissões de gases do efeito estufa geradas como um todo.
Universo
que nos instiga https://bit.ly/3Ye45TD
Postado por Luciano Siqueira às 06:43 Nenhum comentário:
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