Por Breno Altman, no sítio Opera Mundi:
Com o estardalhaço de praxe, parte da imprensa tradicional
dedicou-se, na semana passada, a criticar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva por suas visitas a distintos países. Além do objetivo mais evidente, de
encontrar alguma forma para desgastar sua liderança popular, há outro
propósito, menos aparente: limitar o ativismo internacional no qual Lula tem se
empenhado desde sua primeira eleição.
Talvez não haja outra agenda, no bojo da estratégia de
reformas sem rupturas, na qual tenha sido estabelecida reviravolta tão
profunda. O ex-presidente, nesse tema, comandou um cavalo de pau, apoiado pelo
tripé de assessores formado por Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Marco
Aurélio Garcia.
A mirada colonizada da oligarquia brasileira, sempre voltada
para os países centrais do capitalismo, foi substituída por um novo programa.
Ao mesmo tempo em que foram estabelecidas medidas de defesa da soberania
nacional (a mudança no sistema de exploração do petróleo e o fim da tutela do
Fundo Monetário Internacional são bons exemplos), o Brasil estabeleceu como
eixo de sua diplomacia a integração latino-americana, o diálogo com as nações
do sul e a articulação das potências emergentes.
Os laços de dependência financeira, comercial e tecnológica
com os Estados Unidos e a Europa começaram a ser desatados. O enterro da Alca
(Área de Livre Comércio das Américas), desse ponto de vista, provavelmente foi
o capítulo mais simbólico dessa empreitada. Mas também se destacam a criação da
Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos), as novas relações com Rússia e China, o
protagonismo na África.
Novas forças na América Latina
Estas mudanças não refletiram apenas os interesses
brasileiros em buscar novos mercados e ampliar perspectivas para o
desenvolvimento econômico. O ex-presidente, aliado a outros líderes do
continente, especialmente o venezuelano Hugo Chávez, deu forte impulso à costura
de um bloco histórico que se contrapusesse à hegemonia norte-americana. O
centro geográfico dessa estratégia foi identificado na América Latina, como
seria natural, mas estendeu-se a outros rincões.
O surgimento de instituições do subcontinente sem a participação
de Washington e a incorporação de Cuba à Celac são o saldo mais visível dessa
política, que abre caminho para passos ainda mais ousados. A OEA (Organização
dos Estados Americanos), certa vez apelidada por Fidel Castro de ministério da
Casa Branca para as colônias, vive o outono de sua existência.
Lula também comprou outras brigas, dentro e fora da região.
A solidariedade com a Venezuela, durante a crise política do biênio 2003-2004,
foi decisiva para deter a escalada agressiva de Bush e defender o projeto
chavista contra o risco de desestabilização. A reação contra o golpe em
Honduras (2009), enérgica e sem contemplação, é um contraponto inequívoco a
Fernando Henrique Cardoso, que bateu palmas para Fujimori quando esse fechou o
parlamento peruano e chegou a condecorar o tiranete de Lima.
Sob a batuta do ex-presidente, países árabes e
sul-americanos fizeram sua primeira conferência e o apoio à causa palestina
virou assunto relevante nessa parte do mundo. A guerra ao Iraque foi
nitidamente condenada. As represálias ilegais contra o Irã foram rejeitadas e
tentou-se, junto com a Turquia, criar uma nova ponte para a saída diplomática e
o respeito ao direito daquele povo à autodeterminação.
No auge da crise econômica de 2008, Lula foi uma das vozes
mais críticas ao modelo que havia levado os países desenvolvidos às beiras do
colapso financeiro, denunciando como antipopulares as chamadas medidas de
austeridade, caracterizadas por drásticas reduções dos gastos públicos,
salários e empregos. Quem irá esquecer a feição patética do
ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown quando o fundador do PT disse, em
reunião bilateral, que a crise tinha sido provocada pelos loiros de olhos
azuis?
Importância atual
Estas e outras são razões de sobra para a direita querer
Lula de pijama, também na atividade internacional. Sua liderança, afinal,
continua a ser decisiva para a geopolítica do que o argentino Manuel Ugarte,
nos idos de 1922, alcunhou de Pátria Grande. Ainda mais com a morte de Chávez e
a saída de cena do chefe histórico da revolução cubana.
Diante dos ataques da mídia conservadora a suas viagens, no
entanto, o ex-presidente deu resposta à altura. Gravou vídeo de franco apoio a
candidatura presidencial de Nicolás Maduro, nas próximas eleições venezuelanas.
A direita terá mais razões para chorar as pitangas.
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