No iG, Wanderley fala da “empulhação” televisiva – da Globo
– a descrever as manifestações “até aqui pacificas”. O que a empulhação menos
quer é a Democracia
Saiu no IG:
A presidenta Dilma Rousseff falou, mas não disse
Em artigo, o cientista político Wanderley Guilherme dos
Santos analisa o pronunciamento desta sexta e afirma que o discurso foi
ineficaz e que as manifestações revelam o maior ataque à democracia dos últimos
20 anos
Não se cura tuberculose por decreto ao fim de passeatas. Mas
as gangues de ladrões e depredadores que desde terça-feira, dia 18 de junho,
receberam de presente a mais legítima carona da sociedade – desfiles pacíficos
em nome da democracia – estão pouco se lixando. Os articuladores anônimos dos grupos
violentos de direita, neo-nazistas inclusive, e dos radicalóides sociopatas,
conhecem muito bem o tempo das políticas, mas não é o que os interessa. Para os
atraídos de boa fé para a trapaça reivindicatória, enfim, o discurso da
presidente Dilma não trouxe novidade. Investimento em saúde e educação, ensino
técnico como nunca visto, transparência na administração, através da lei de
acesso à informação, apuração de desvios administrativos, com inédita demissão
de ministros, são políticas já em vigor e rotineiras, isto é, não há mais
discussão sobre se devem ou não devem ser executadas. São políticas de Estado,
compromisso do país. Isso para não enumerar sucessivas inovações na política
social que, estupidez que o amanhã julgará, passou a ser impudico mencionar em
meios de classe de renda mais elevada.
A mensagem da presidente arrisca ser ineficaz, do mesmo modo
como são absolutamente vazias as reivindicações marchadeiras: saúde, educação,
transparência, ética na política – sem que se indiquem os acusados de
objetá-las. Por isso, as provocações tendem a perdurar enquanto os de boa fé
não se derem conta de que são equivocadas as manifestações com tanta virulência
contra o que de fato já está em execução, obtendo variados graus de sucesso. O
cerne da contestação não está nas demandas fragmentadas. Está no ataque à
democracia como sistema capaz de prover e operar uma sociedade justa. Em outras
palavras: segundo os mentores e comentaristas convertidos os grandes feitos dos
últimos governos não seriam tão significativos, antes revelando ser a
democracia, pelo menos em sua forma atual, um desastre governativo. Recusa
enfática a esse niilismo não constou, mas devia ser crucial, do discurso
presidencial.
A mensagem subliminar dos arquitetos da desordem (com exceção
do Movimento pelo Passe Livre fora) e dos aproveitadores de todas as idades tem
consistido em insinuar que as instituições democráticas – governo
representativo, parlamentos, movimentos sociais organizados, partidos políticos
– são os obstáculos à construção de uma sociedade mais justa e livre. Golpistas
crônicos, anarquistas senis em busca de holofote, muitos jovens anencéfalos e
assustados da classe média em geral, formam a retaguarda deste exército do
obscurantismo e da violência. A essência desse arremedo intolerante de
participação é uma reação à democracia e suas realizações. Faltou ao discurso
de Dilma Roussef uma declaração de que reconhecia as manhas dos que se
aproveitam das boas intenções para conduzi-las ao inferno. E de que não se
submeterá a elas.
Enquanto a empulhação televisa continua a descrever as
manifestações “cívicas até aqui pacíficas”, no meio das passeatas, como se as
apresentadoras não soubessem o que viria ao fim da encenação, registro que, em
minha opinião, se trata do maior cerco reacionário, nacional e internacional,
que este país já sofreu nos últimos vinte anos.
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