Editorial da revista Fórum:
O pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff, ontem,
apontou para muitas direções. Mas foi uma das raras vezes em que alguns temas
essenciais para o país foram abordados em discursos oficiais da atual
mandatária, como a reforma política e a necessidade de diálogo com os
movimentos sociais. Estes que, até agora, tiveram um tratamento mais do que
distante por parte do governo.
Pode ser o início de um ponto de virada no mandato da
presidenta, mas tudo vai depender das ações concretas que serão tomadas daqui
para a frente. Contudo, é impossível não notar uma lacuna no discurso de ontem.
A democratização da comunicação, questão negligenciada em boa parte dos oito
anos de Lula e que estagnou – ou regrediu – ainda mais na gestão Dilma. Para
quem sentiu a ausência do assunto nas palavras da presidenta, a entrevista do
ministro das Comunicações Paulo Bernardo à revista Veja foi mais do que um
balde de água fria. É a certeza de que, se não houver uma mudança radical nessa
área, a tendência é que o que já é ruim possa piorar.
No abre da entrevista, Bernardo é apresentado como um
“daqueles raros e bons petistas que abandonaram o radicalismo no discurso e na
prática”. Na entrevista, talvez o principal trecho esteja no final, quando o
repórter pergunta sobre por que razão “o seu partido insiste na defesa de
medidas para controlar a mídia”. O ministro responde dizendo que “algumas
pessoas acham que nós podemos fazer, por exemplo, regulação da mídia impressa”.
Depois, segue: “Quando se fala nisso, é a militância que extrapola, e eu posso
dizer que está errada, que está falando besteira. Se ela não gosta da capa da
revista, da manchete de jornal, que que eu faça regulação. Isso não existe. Não
vai ter regulação para isso”.
Curiosamente, Bernardo cita o que a militância do seu
partido “entende errado”, mas não faz questão nenhuma de falar sobre o que o
seu partido e seus militantes “entendem certo”. São pontos como o monopólio dos
meios de comunicação, a propriedade cruzada, o papel das teles, a luta pela
diversidade informativa… Nada disso tem qualquer relação com “censura” da mídia
impressa. Reduzir as demandas do PT, ou melhor, de boa parte da esquerda a isso
é contribuir para a desinformação. Ou má-fé.
Além disso, Bernardo faz questão de mostrar intimidade com a
presidenta e, apesar de admitir ser cobrado por ela, cita um episódio trivial
para ilustrar sua proximidade. Conta que Dilma o alertou para comprar um
“presente bom” para o aniversário de sua esposa, a ministra da Casa Civil
Gleisi Hoffmann. E diz ter comprado um colar de pérolas.
Não é à toa que uma entrevista como essa tenha saído agora.
A mídia tradicional não diz, mas a narrativa que ela conta sobre os protestos
não a inclui como personagem. Foi ela, mídia tradicional, em várias
manifestações pelo Brasil, hostilizada por grande parte das pessoas que foram
às ruas. Em São Paulo, Veja foi xingada, a Globo também. Tanto que os
repórteres da emissora saem para a cobertura sem seus cubos ou prismas nos
microfones, ou então veem à distância os fatos por helicópteros. Os veículos
tradicionais fingem que não, mas são alvo. E, quem diria, Paulo Bernardo faz as
vezes de protetor.
É preciso que se inclua, de forma urgente, a democratização
da comunicação na pauta dos protestos, nas ruas e em todas as redes. Que se discuta,
de forma saudável, como garantir a pluralidade de meios e de canais no Brasil.
Sem pressão social, é certo que nada sairá dos gabinetes de Brasília nesse
sentido. Caso o cenário não se modifique, nossa democracia continuará sem
pernas. E sem voz(es).
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