Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A mais nova campanha contra os direitos do povo envolve uma
luta mais antiga - contra o Bolsa Família.
A partir de uma nota de jornal, criou-se um alvoroço em
torno de Sebastiana da Rocha, cidadã de Cuiabá. Em 2010, dizem os registros do
TSE, ela doou R$ 510 para a campanha de Dilma Rousseff. Como o benefício de
Sebastiana é de R$ 528, logo renasceu a mais antiga suspeita contra o programa
– de que ela estaria sendo usada para transferir dinheiro para a candidata do
governo. Divulgada a notícia, o assunto chegou às rádios e já se fala até em
abrir uma investigação. É bom que tudo seja bem apurado e não reste nenhuma
dúvida a respeito.
Cabe, no entanto, reparar num ponto essencial.
Os mesmos registros do TSE informam que a doação de
Sebastiana tem um valor “estimado” em R$ 510. Quando o tribunal registra um
valor “estimado” isso quer dizer que não se usou dinheiro – nem cheque, nem
transferência bancária -- para a doação. Foi uma prestação de serviços.
Advogados contribuem para campanhas políticas oferecendo serviços aos
candidatos. Empresários de comunicação usam suas gráficas como panfletos – e
registram o serviço. Outras empresas emprestam funcionários – e assim por
diante.
O mesmo vale para o cidadão comum, como Sebastiana. Não há
registro, no TSE, de qual serviço a beneficiária prestou. No PT de Cuiabá, um
dirigente afirmou que não se recordava de uma militante com esse nome.
No registro do TSE, a doação de Sebastiana é definida por
valor estimado -- típico de quem presta serviço (Clique para ampliar a imagem)
Em busca de uma visão jurídica, fui atrás de dois advogados
especialistas em direito eleitoral. Um deles, de Brasília, preferiu conversar
sem dar entrevista. Informado sobre os detalhes do caso, concluiu: “É tão
estranho fazer um escândalo em torno de R$ 500 que só existem duas
possibilidades. Ou é tudo verdade e não vejo problema algum. Ou os adversários
plantaram uma doação para fazer um escândalo depois”.
Alberto Rollo, advogado eleitoral de São Paulo, falou no
mesmo tom. “Por mim, dona Sebastiana está absolvida”. Rollo questiona a
suspeita: “Não se pode falar em fraude eleitoral, porque uma doação neste valor
é perfeitamente lícita em seu caso. Não se pode falar em fraude ao programa
Bolsa Família, a menos que se prove que a beneficiária não era uma pessoa
hipossuficiente,” acrescenta, empregando o termo técnico para cidadãos
carentes.
Mas é claro que o debate não é jurídico. O esforço para
denunciar o Bolsa-Família é tão antigo quando o programa. Quando o ministro
Patrus Ananias se preparava para lançar o programa, foi informado de que os
jornalistas estavam preparando denúncias sobre irregularidades encontradas na
distribuição de benefícios. Patrus se reuniu com Luiz Gushiken, na época
responsável pela Secom, para discutir o que fazer. Gushiken conta o que se
decidiu: “Resolvemos não fazer nada. Mesmo que houvesse alguma denúncia
verdadeira, o que é sempre possível, o programa fora bem feito e iria atingir a
meta de proteger a população mais pobre”. Quando me deu um depoimento recente
sobre este episódio, Gushiken dava boas risadas: “As emissoras de TV pensavam
que iam nos prejudicar fazendo denúncias contra o governo. Não perceberam que o
povo aprovou o programa, porque recebia benefícios, e sabia que as denúncias
eram pontuais. Vinculando o Bolsa Família ao governo, acabaram nos ajudando”.
Histórias como a de dona Sebastiana não são uma novidade.
Outros casos apareceram na internet, em maio. Todos haviam ocorrido em Goiás.
Um deles envolvia uma beneficiária que ajudou com R$ 320 a campanha de um
vereador em Pirenópolis, em Goiás. Outro envolvia uma doação – desta vez em
espécie -- de R$ 1.000 para um diretório municipal de Uruaçu, também em Goiás.
Num terceiro caso, em Itaberaí, a doação foi de R$ 800. Nenhum desses casos
envolvia políticos do PT, o que talvez ajude a explicar porque tiveram pouca
repercussão. O primeiro beneficiou um candidato do PPS, o antigo PCB, hoje na
oposição. O segundo chegou ao PMN, que até pouco atrás debatia uma fusão com os
ex-comunistas. O outro caso envolvia um candidato do PP.
É claro que todos estes casos podem ser explicados e
esclarecidos. Mas vamos combinar que é um interesse grande demais para quantias
muito pequenas. Até porque seu caráter é irrisório. Quem se der ao trabalho de
somar os casos conhecidos de brasileiros que abriram mão dos benefícios quando
conseguiram atingir uma vida melhor irá encontrar um número infinitamente maior
do que de denúncias apuradas e comprovadas.
O Bolsa Família incomoda porque seu valor é muito maior do
que os R$ 500 da dona Sebastiana ou os R$ 320 de uma beneficiária de Goiás.
Capaz de afastar 40 milhões de famílias da miséria mais
dura, este programa é uma forma do Estado cumprir seu dever de proteger quem
não tem proteção.
Num universo que elimina conquistas sociais, representa um
esforço para implantar as bases de um Estado de bem-estar social. É tão bem
sucedido que depois de um combate sem trégua, o PSDB baixou a guarda e diz que
o governo Lula roubou a ideia.
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