Ao final da minuciosa reportagem do Jornal Nacional da
última terça-feira (3/12) sobre a composição societária do hotel Saint Peter,
de Brasília – uma escancarada tentativa da Globo de “melar” a contratação do
ex-ministro José Dirceu pelo hotel, que lhe permitiria se beneficiar do regime
semiaberto –, a esposa me olha e pergunta: “E aí?”.
Fiz um teste. Perguntei a ela: “Qual é a denúncia?”.
A resposta que me deu poderia ter sido dada por um advogado
de renome ou por qualquer outra pessoa com maior ou menor qualificação para
entender o que acabara de ser “denunciado” pelo telejornal da Globo. A patroa
disse que, pelo que entendeu, a composição societária do hotel é “suspeita”.
Insisto na pergunta. Suspeita por que? “Ora, porque o
presidente da empresa que administra o tal hotel Saint Peter é auxiliar de
escritório”, respondeu.
A cara metade tem certa razão. O sujeito reside em uma casa
comum e não em uma mansão na qual o senso comum sugere que deveria residir o
alto executivo de uma empresa como essa “Truston International Inc.”
O panamenho José Eugenio Silva Ritter reside na periferia de
Panamá City. Ao Jornal Nacional, ele reconheceu que aparece mesmo como sócio de
muitas empresas mundo afora. É mais do que provável, pois, que a Truston use
“laranjas” – ou, ao menos, um “laranja”. Que outra razão essa empresa
transnacional teria para concentrar estruturas societárias nesse sujeito?
O mensalão abriu mesmo as portas do setor do inferno que
abriga os hipócritas empedernidos. Deve haver, só no Brasil, centenas de
milhares de empresas que se valem do mesmo tipo de estrutura societária do
Saint Peter e ninguém – muito menos a Globo – cisma de montar grandes esquemas
de reportagem, enviando repórteres ao exterior, para mostrar que os donos de um
empreendimento preferem não constar em um contrato social.
Tanto é que, como mostrou furo de reportagem do Brasil 247 divulgado ontem, o Grupo
Abril vendeu operação da TVA em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba
para o mesmo grupo estrangeiro que comprou, em Brasília, o hotel Saint
Peter.
Se o grupo que edita a congênere de antipetismo da Globo (a
revista Veja) associou-se ao grupo estrangeiro que controla o hotel em que
Dirceu vai (?) trabalhar, daí se pode entender como o uso de “laranjas” é quase
uma regra em grandes aquisições e investimentos estrangeiros aqui e em muitas
outras partes do mundo.
Mas se a Globo está mesmo preocupada com o uso de
“laranjas”, deveria usar toda essa estrutura multimilionária de seu jornalismo
para investigar um caso escandaloso envolvendo Paulo Henrique Cardoso, filho de
Fernando Henrique Cardoso, que integra – ou integrou – sociedade junto com o
mega grupo empresarial Disney.
Em 2011, o Ministério das Comunicações abriu investigação
sobre o grupo Disney para saber se controlava ilegalmente a rádio Itapema FM,
de São Paulo, que usava o nome fantasia de “Rádio Disney”.
A emissora, porém, pertencia legalmente a Paulo Henrique
Cardoso e à Disney. Oficialmente, à época, PHC tinha 71% da emissora e a Disney
menos de 30%, de acordo com o que é permitido pela Constituição para que empresas
estrangeiras sejam proprietárias de meios de comunicação no Brasil.
Executivos da Disney no país – o diretor financeiro e o
diretor-geral – tinham procuração de PHC para autorizar empréstimos, emitir
cheques e vender bens da emissora, o que mostra que interferiam na gestão da
empresa.
Até 2007, a Rádio Itapema foi de Orestes Quércia (morto em
2010), que ganhou a concessão no governo Sarney. Ele negociou a emissora com o
grupo RBS, que revendeu 71% à Rádio Holding e 29% à Walt Disney Company
(Brasil). Paulo Henrique, em 2011, tinha 99% da Rádio Holding. O 1% restante
era do grupo Disney.
Os gráficos abaixo, divulgados à época pela revista IstoÉ,
resumem melhor o imbróglio.
Diante de evidência tão escandalosa de que o filho de um
ex-presidente é o evidente “laranja” da mega corporação norte-americana – não
se imagina que a Disney entraria em uma sociedade em que tivesse 1% de
participação e o seu sócio brasileiro 99% –, o Ministério das Comunicações
abriu investigação que até hoje não teve o resultado divulgado.
Aliás, o assunto “sumiu”.
Seja como for, é evidente que, tal qual a Panamenha Truston,
o Grupo Disney se valeu de um “laranja” (filho de um ex-presidente da
República) para burlar a lei brasileira, que limita a 30% a participação de
capital estrangeiro em empresas de comunicação.
Esse caso envolvendo PHC e a Disney, aliás, é bem mais grave
e suspeito do que o do hotel em que Dirceu irá trabalhar – se é que irá, após a
“escandalização” do nada levada a cabo pelo Jornal Nacional. Afinal de contas,
o caso envolvendo a Truston não diz respeito ao Brasil, até onde se sabe. Já o
caso envolvendo a Disney burla a legislação brasileira.
Tudo bem se a Globo quiser acabar com estruturas societárias
como as da Truston e as da Disney, ao menos no Brasil. Seremos o único país do
mundo em que não ocorrerão associações de conveniência em que o controlador
oficial de uma empresa não seja seu verdadeiro dono. Mas, se assim for, tem que
ser para todo mundo.
Espera-se, por exemplo, que se a Truston for considerada inidônea
no Brasil o mesmo ocorra com a Disney. Mas não só. Você, aí, que está acusando
Dirceu e que controla uma empresa com um contrato social desse tipo – e há
muita, mas muita empresa assim no país – deveria se preparar.
De repente, se esse caso for levado em frente, o governo
brasileiro poderia desencadear uma onda de fiscalização de todo e qualquer
contrato social cujo sócio majoritário não tenha patrimônio que comprove que
tem condições de controlar aquela empresa. Garanto que vai ter muito antipetista
de cabelos em pé, se isso ocorrer.
O que, aliás, seria muito bom, pois essas composições
societárias esquisitas são uma praga que acoberta toda sorte de ilícitos.
Será que o ministro Joaquim Barbosa, mais uma
vez, inventará leis e regras que só valem para petistas? Talvez não autorize a
Truston a empregar Dirceu, mas a autorize fazer negócios com o Grupo Abril.
Assim, a empresa poderá ou não fazer associações esquisitas dependendo de com
quem faça. Com filho de tucano, por exemplo
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