Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:
Minha primeira experiência com a tática foi no interior de
São Paulo. Jovem repórter, vi quando um candidato a prefeito de Marília,
originário da Arena, o partido de sustentação da ditadura militar, apareceu
todo engessado na véspera da eleição e foi acusado de forjar uma surra para
despertar compaixão dos eleitores.
Perdeu.
Na campanha eleitoral de 2010, o candidato tucano José Serra
foi acusado de exagerar e distorcer as consequências de um protesto contra ele
organizado por mata-mosquitos do Rio de Janeiro, que haviam sido demitidos do
Ministério da Saúde quando da passagem de Serra pelo cargo.
Jogou a culpa pelo incidente no PT e se disse atingido por
um objeto de um quilo.
Foi o famoso episódio da “bolinha de papel”.
Perdeu.
Mas, nem sempre é assim com a tática empregada de forma
recorrente pelos poderosos: eles demitem, perseguem, espionam, montam dossiês,
promovem assassinatos de reputação.
Denunciados, posam de vítimas. Sustentam que estão sendo
perseguidos.
É o que pode acontecer com o jornalista Rubens Valente, da
Folha de S. Paulo, que lançou recentemente o livro Operação Banqueiro.
Segundo Valente, o grupo Opportunity foi à Justiça para
dizer que o livro é parte de um complô dos adversários do banqueiro Daniel
Dantas.
Curiosamente, o próprio livro trata desta tática, adotada
por outro personagem: o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), que se disse vítima de uma espécie de “estado policial”, bisbilhotado
por arapongas em seu próprio gabinete.
As denúncias de Mendes, amplamente repercutidas pela mídia,
especialmente pela revista Veja, foram essenciais para criar na opinião pública
a comoção necessária à desmoralização de policiais e juizes envolvidos na
Operação Satiagraha, posteriormente anulada integralmente pelo STJ.
Não há, de acordo com Rubens Valente, um só fiapo de prova
de que Gilmar de fato foi espionado - ele que deu dois habeas corpus ao
banqueiro Dantas em período recorde.
A tática de gritar “perseguição” também serve para desviar a
opinião pública do debate essencial.
No caso, o conteúdo do livro Operação Banqueiro, que é
bombástico e requer investigações.
Nele, Valente demonstra que Daniel Dantas tinha instrumentos
- quais, exatamente, não se sabe ainda - para chantagear lideranças do PSDB.
Que um lobista contratado pelo banqueiro tinha interlocução
tanto com o então presidente Fernando Henrique Cardoso quanto com o
governador/candidato ao Planalto, José Serra.
Num momento específico retratado pelo livro, o objetivo de
Dantas era evitar que houvesse uma investigação dos cotistas do Fundo
Opportunity nas ilhas Cayman, o refúgio fiscal do Caribe.
A lei proibia que residentes no Brasil tivessem cotas nos
fundos que haviam sido formados para participar das privatizações.
Rubens Valente teve acesso a mais de mil mensagens
apreendidas pela Polícia Federal, em 2008, na casa de Roberto Amaral, à época
lobista do banqueiro.
Trecho do livro:
Também é possível compreender o que seria essa “Operação
Copa do Mundo”, pois há inúmeros e-mails tratando do assunto. Amaral
pressionava o governo a não dar apoio a um esforço que foi iniciado pelo
procurador Luiz Francisco e que passava pelo BC [Banco Central] e CVM [Comissão
de Valores Mobiliários], para obter as listas de cotistas do Opportunity Fund
nas ilhas Cayman, na berlinda após as revelações do ex-sócio de Dantas, [Luiz
Roberto] Demarco. A estratégia de Amaral foi dizer a FHC que, se as listas
fossem enviadas ao Brasil, nomes ligados ao tucano viriam a público. Uma nota
de imprensa havia dito que Luiz Francisco aumentaria esse esforço após a Copa
do Mundo de 2002, daí o nome “operação”. Ao escrever “disse que já tinha
agido”, Amaral comunicava a Dantas que o presidente da República estava a par
do assunto e teria feito algo não compreensível.
Valente narra que os petistas Milton Temer e Luiz Gushiken
se empenharam em obter as listas. Temer, então deputado federal, levou o caso
ao presidente do BC, Armínio Fraga.
Não deu em nada.
O autor de Operação Banqueiro conta que Roberto Amaral
escreveu um e-mail ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu esforço
lobista, com o seguinte teor:
A estratégia é diabólica: os alvos são os que mandei no
último fax e os supracitados [em amarelo]. A fonte é ótima. Já existe uma lista
na CVM, inodora, insípida e incolor. São os bois de piranha. Aberto o
precedente, aí o L.F. [Luiz Francisco] faz a festa e um carnaval junto,
cronometrado para estourar depois da Copa do Mundo, a melhor época, na
avaliação do estado maior encarregado desta operação. Contribuição de petista
para petista. Sugiro a você, com empenho, que encarregue o ministro Malan de
desmontar com urgência esta armação, felizmente descoberta a tempo. O Armínio,
embora parente do presidente da CVM, não é indicado para tratar deste caso.
Converso pessoalmente. O juiz nas ilhas Cayman de posse do pedido da CVM, se
for enviado, libera os nomes dia 15 de junho.
Qual era o instrumento de pressão disponível ao banqueiro?
Segundo Valente, o envolvimento de outros bancos em operações parecidas com as
do Opportunity, dentre os quais o Pactual, o Matrix e o Garantia, cujos nomes
constavam de uma lista apreendida pela Polícia Federal na casa do lobista.
Escreve Rubens Valente:
Trata-se de uma lista de bancos que teriam fundos de
investimento no exterior nos mesmos moldes do Opportunity. A estratégia de
Amaral era dizer ao Planalto que, caso as listas de cotistas do Opportunity
viessem para o Brasil, as dos outros também chegariam, com desfecho
imprevisível. Havia um interesse especial sobre o banco Matrix, que teria um impacto
“trinta” vezes maior do que o caso Opportunity.
O Matrix, como observou o comentarista Mardones em outro
post, tinha papel essencial no ninho tucano. Acompanhem este trecho de uma
reportagem da IstoÉ sobre o fim do banco, fechado em 2002:
O Matrix foi fundado em 1993 por um elenco de estrelas das
finanças, como Luiz Carlos Mendonça de Barros, que viria a se tornar ministro
das Comunicações, e André Lara Resende. Na equipe original de sócios aparecia
também o ex-presidente do Citibank no Brasil, Antônio Carlos Boralli, além de
Moritz e Ruhman, ex-executivos do Safra, e Tom, que havia trabalhado no
Garantia. Em pouco tempo, eles passaram a chamar a atenção pelos bons negócios
que faziam com dinheiro do banco, em apostas em juros, câmbio e títulos da
dívida. Ganharam muito dinheiro. Só em 1995, o banco lucrou R$ 43,3 milhões –
uma impressionante rentabilidade de 44% do patrimônio líquido. Logo o banco foi
cercado por boatos de que desfrutava de informação privilegiada, pela presença
de Mendonça de Barros e Lara Resende em seus quadros, mas nada foi provado.
Mesmo depois da saída de Mendonça de Barros, em outubro de 1995, e de Lara
Resende, em agosto de 1997, o banco continuou cercado de boatos. E também
continuou a ganhar dinheiro. “O Matrix teve uma das tesourarias mais ganhadoras
do mercado, com ou sem o André Lara e o Mendonça de Barros”, diz Erivelto
Rodrigues, da consultoria Austin Asis.
Como Rubens Valente diz no vídeo abaixo, o que corria risco
de implodir, fossem feitas as revelações que alguns petistas pretendiam e que
Dantas tratou — com sucesso — de evitar, era todo o processo da privataria
tucana. Ele começa explicando o que era o fundo Opportunity nas ilhas Cayman:
Rubens Valente: A ameaça de “entregar” o Matrix from Luiz
Carlos Azenha on Vimeo.
Em tese, a publicação do livro deveria desencadear novas
investigações.
Mas antes, presumo, assistiremos ao espetáculo de um
banqueiro todo-poderoso, capaz de mover mundos e fundos, se dizendo vítima de
“perseguição pessoal” de um simples jornalista.
Nunca faltará “mídia amiga” para vender ao público que a
“perseguição” ao banqueiro por parte de um repórter - risível, considerando o
poder de cada um - é fato. Coisas do Brasil!
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