Por Estanislau Castelo, no sítio Carta Maior:
Entrevistei, com exclusividade, Dona Zelite, a socialaite
mais afamada de Higienópolis. O assunto não poderia ser outro: os rolezinhos
que estão tirando a Zelite do sério.
Estanislau: Dona Zelite, tudo bem?
Zelite: Essa já é a primeira pergunta, ou você está só me
cumprimentando?
Estanislau: Já é a primeira pergunta.
Zelite: Então quero logo dizer que só estou dando essa
entrevista, quer dizer, dando não porque rico não dá nada, vende, oferece ou
aluga; mas, enfim, só estou oferecendo essa entrevista por uma causa
pedagógica. Temos que superar este momento antes que seja tarde. Antes que as
pessoas de bem, aquelas que são as cabeças pensantes e reinantes do PIB,
prefiram mudar de país. Voltando à sua pergunta, não, meu caro, não está nada
bem. As pessoas de bem estão com medo. Eu estou com medo.
O país vai de mal a pior, pois se uma pessoa não tem
garantido o seu direito constitucional de ir ao Shopping tranquilamente com uma
Louis Vuitton sem sentir medo, sem ser incomodada, sem correr o risco de
esbarrar em um rolezento vestindo um boné escrito “Funk You”... não, definitivamente,
nada vai bem. Me dá aí seu caderninho pra ver se você escreveu Louis Vuitton
direitinho, se não pega mal pra mim... tá ok.
Estanislau: a senhora viveu a experiência de participar de
um rolezinho?
Zelite: sim, infelizmente, eu vi, com esses olhos que o
cirurgião plástico remodelou. Vi aquela horda de bárbaros invadindo o meu
sossego e atropelando o aroma do meu Chanel. Eu me senti vítima de um tsunami
de testosterona e progesterona que me assustou muito. Eram jovens tão mal
vestidos que fariam Glória Kalil ter um enfarte. Por sorte eu desconhecia a
maior parte dos palavrões que eles falavam. Uma em cada três vezes que eles
abrem a boca é para dizer um palavrão. Um horror.
Estanislau: Qual foi sua reação?
Zelite: Eu me refugiei em uma loja, que fechou as portas, e
aguardei pacientemente sentada em um provador, com as cortinas bem fechadas.
Estanislau: a senhora pensou em tomar alguma atitude por
conta própria?
Zelite: Pensei e tomei. Imediatamente liguei para um
ministro amigo meu, do Supremo, para pedir providências realmente supremas,
pois o assunto é grave. É caso de segurança nacional. Descobri que esse meu
amigo está em férias – eles vivem em férias. Tive que me contentar em travar um
debate com o gerente do shopping. Cobrei providências urgentes e lembrei que
sou sócia-proprietária do shopping. Mandei que ele impedisse aquela bagunça
imediatamente. Que ponham portas com senhas individualizadas; detectores de
aromas, para impedir gente com desodorante; portas giratórias com câmeras que
identifiquem se a pessoa tem um padrão mais caucasiano, o que seja. A
tecnologia está aí é pra nos ajudar a separar o joio do trigo.
EC: Então a senhora foi quem deu a ideia de barrar pessoas
na entrada dos shoppings?
Zelite: Eu ofereci minha contribuição. Se for pra ajudar o
Brasil, pode contar comigo, sempre. Meu amigo do Supremo retornou minha ligação
ontem e disse que falaria com o pessoal dos tribunais de justiça. Parece que
eles entenderam a gravidade da situação.
EC: Em sua opinião, essa questão não tem um fundo
sociológico que...
Zelite: Ah, não me venha com sociologias. Esse pessoal que
faz rolezinho nem sabe o que é isso. Eu, que sou vizinha de FHC, sei bem que
tipo de sociologia esse pessoal merece. É o seguinte: mais uma vez, estamos
vendo que a raiz do problema é a educação. Essa turba faltou à aula de Inglês
que ensina que “shopping” é uma palavra que quer dizer “comprar”, “ir às
compras”. Ou seja, os seguranças têm que perguntar aos rolezentos: vai comprar
alguma coisa? Onde? Quanto custa o que você vai comprar? Deixa eu ver o
dinheiro ou o seu cartão de crédito. Se não tiver, não entra. Simples. Não tem
nada a ver com limpeza étnica. É o que eu chamo de limpeza ética, faz parte do
espírito do capitalismo. País desenvolvido é país limpinho e cheiroso, qual o
problema?
EC: a senhora acha que o fenômeno reflete a situação do
país, ou é uma nova tendência?
Zelite: O que eu acho mesmo é que é muito triste ver as
manchetes de jornal tomadas por esse assunto, quando, em pleno verão,
poderíamos estar discutindo temas mais elevados, como a importância da
combinação do uso de terno e gravata com bermudas chiquérrimas em escritórios,
a atualidade das mechas californianas e questões de utilidade pública, como
dicas de produtos básicos para se colocar na “nécessaire”. Deixa eu ver no seu
caderninho como você escreveu “nécessaire”... não se esqueça do acento no
primeiro “e”. Obrigada.
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