Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A morte do cinegrafista Santiago Andrade, ocorrida no dia
6/2 durante ato de protesto contra o preço do transporte público no Rio de
Janeiro, pode produzir consequências muito mais profundas na rotina dos
brasileiros do que o atentado do Riocentro, ocorrido em abril de 1981, o
massacre do Carandiru, em outubro de 1992, e a chacina da Candelária, em julho
de 1993.
A comparação entre esses eventos ilustra como a realidade
midiatizada não guarda uma razão de proporcionalidade com a realidade em si.
Com exceção dos assassinatos cometidos por policiais nas escadarias da igreja
da Candelária, os outros assuntos são lembrados de alguma forma pelos jornais
na terça-feira (18/2).
O caso Riocentro tem nova denúncia, com a citação de seis
outros acusados de planejar ou promover o atentado, e o julgamento dos acusados
no massacre do Carandiru está sendo acompanhado pela imprensa. No entanto,
apesar da grande repercussão desses acontecimentos, não se pode afirmar que
eles provocaram mudanças na legislação ou nas políticas de segurança.
O ato insano tentado no Riocentro por militares
inconformados com o fim da ditadura não produziu uma legislação contra o
terrorismo de Estado, o massacre do Carandiru não mudou o currículo das escolas
preparatórias da Polícia Militar, mas o caso do cinegrafista morto pela
explosão de um rojão que não estava apontado para ele pode resultar em uma
legislação restritiva à liberdade de manifestação.
Os jornais registram intenções de legisladores de limitar o
direito a protestos coletivos nas ruas e agravar as sanções contra autores de
atos de vandalismo e outras violências durante as manifestações.
E o que a imprensa tem a ver com tudo isso?
Para responder essa pergunta, é preciso observar que a
chamada mídia tradicional ainda influencia a agenda institucional, afetando
decisões políticas, alterando o humor do mercado e principalmente estimulando
egos ansiosos por uma boa exposição. Da mesma forma, convém registrar que os
fatos de grande repercussão e forte efeito emocional tendem a produzir reações
inversamente proporcionais no que se refere à racionalidade e ao bom senso.
Protestos de minorias
Dito isso, voltemos ao acontecimento.
A morte do cinegrafista Santiago Andrade, fato grave por si
mesmo, ganhou maior repercussão porque resulta da sequência de atos de
vandalismo que vem acompanhando as manifestações de protesto.
Proporcionalmente, não há como comparar sua gravidade com os outros eventos
citados, mas esse incidente tem o potencial de causar uma reação em cadeia ao
fim da qual poderemos ter alguém condenado a uma pena superior ao de assassinos
reincidentes pelo fato de usar máscara durante um ato de protesto.
Uma das notícias do dia informa que o governo federal estuda
propor ao Congresso uma lei para punir com dez anos de prisão quem reincidir no
uso de máscara para participar de ações de vandalismo. Mas quem identifica e
indicia os suspeitos? – uma polícia contaminada pela arbitrariedade.
Outra medida anunciada, de iniciativa do secretário de
Segurança do Rio, pretende exigir autorização prévia de 48 horas para
manifestações públicas. Há também propostas para prevenir o uso abusivo da
força por parte da polícia, mas esse tópico não ganhou destaque no noticiário.
Como se vê, a indignação estimulada pelo modo como os fatos
são noticiados tira legisladores e autoridades de sua zona de conforto, e pode
induzi-los a decisões equivocadas. Além disso, não se pode omitir que a inquietação
manifestada nas ruas alcança um número muito reduzido de cidadãos, ao contrário
do que o noticiário sugere. O protesto contra a Copa do Mundo, por exemplo, é
um desses temas de uma minoria, com claro viés político-partidário.
Parte das reações é provocada por erros de avaliação da
imprensa, que estimulam decisões irracionais de agentes públicos. Por exemplo,
observe-se os canhestros esforços do grupo Globo para se isentar da tentativa
de incriminar o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) pela morte do
cinegrafista. Criticada até por um de seus colunistas, o cantor e compositor
Caetano Veloso, a maior empresa brasileira de comunicação se vê obrigada a
prestar contas de suas escolhas editoriais nas páginas do Globo e em notas
oficiais durante o Jornal Nacional.
O que se está a dizer aqui, em suma, é que o noticiário
produz distorções na interpretação da realidade, e legislar no calor desses
enganos pode ser muito perigoso
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