Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A sequência do noticiário sobre a morte do cinegrafista
Santiago Andrade, causada pela explosão de um morteiro, lança o leitor atento
em uma enorme confusão. Mesmo levando-se em conta o turbilhão emocional
provocado por eventos desse tipo, do qual nem repórteres experientes estão
isentos, o conjunto das informações, análises, palpites e iniciativas descreve
uma sociedade atônita, sem noção da realidade, crédula ao nível da carolice e
ao mesmo tempo cética diante de informações avalizadas pela imprensa.
Mas não é a sociedade que está aturdida: é a versão
midiatizada da sociedade que nos parece à beira de um ataque de nervos. A
diferença entre o ambiente social e sua representação na mídia tem sido marcada
em estudos recentes sobre comunicação e cultura, mas em geral eles se
concentram em reflexões sobre o funcionamento do chamado espaço informativo, ou
espaço informacional.
A sociedade é a expressão das relações conscientes entre as
pessoas, com objetivo do bem comum. A sociedade midiatizada é a expressão do
interesse de quem media essas relações. Essa curta e certamente pobre
contextualização pode ser útil para lembrar que nem tudo que sai na imprensa é
exatamente jornalismo.
Aliás, um dos problemas da observação da imprensa nestes
tempos de grandes mudanças é justamente a mistura de jornalismo e imprensa: nem
sempre o que a imprensa faz é jornalismo, e, cada vez com mais frequência, o
jornalismo costuma ser encontrado fora do sistema que chamamos de imprensa.
Vejamos, então, alguns dos elementos desse conjunto de
informações que compõem o noticiário sobre a morte de Santiago Andrade, com os
quais tentaremos pintar um quadro mais ou menos compreensível.
Primeira dificuldade: entender o que vem a ser o tal Black
Bloc. Sem uma estrutura visível, caracterizada apenas por uma disposição
permanente para a violência, essa coisa tem sido apresentada ora como horda,
ora como massa de manobra, ora como organização política de orientação
anarquista. Segunda dificuldade: situar nesse contexto os dois jovens apontados
como coautores da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes.
Mídia e sociedade
Há outras dificuldades presentes na tarefa de encontrar um
significado nessa maçaroca de notícias, opiniões e palpites. Por exemplo,
muitos jornalistas ativos nas redes sociais duvidam que o jovem acusado de
acender o petardo, identificado como Caio Silva de Souza, seja o mesmo homem
que aparece de costas, na cena do crime.
Preso na madrugada desta quarta-feira (12/2), ele confessou
ter acendido o artefato, mas disse pensar que se tratava de uma bomba comum, do
tipo conhecido como "cabeça de negro", e que se surpreendeu quando o
projétil saiu voando.
A polícia identificou e prendeu o autor da detonação a
partir da descrição que foi feita pelo jovem que portava o morteiro, não pelas
fotografias, e fica sem explicação a imagem do homem que aparece nas cenas do
protesto, e que certamente não se parece com o jovem esquálido que confessa ter
participado do incidente.
Esclarecido que Fábio Raposo, de 22 anos, entregou o rojão a
Caio Silva, de 23 anos, desfaz-se a dúvida sobre a dupla autoria, mas surgem
questionamentos sobre a anunciada periculosidade dos dois jovens e a eventual
participação de uma terceira pessoa. Nos arquivos da polícia, a única coisa que
existe é a suspeita, sem provas, de que um deles foi acusado de portar drogas
há três anos. O ato que cometeram se aproxima mais da irresponsabilidade, do
crime culposo, do que da ideia de uma ação terrorista que excitou o Congresso
Nacional.
Da mesma forma, fica registrado o esforço feito pelo jornal
O Globo e pela TV Globo para incriminar o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, com
mais um episódio de manipulação dos fatos por parte da imprensa.
Registre-se também a profusão de artigos, entre eles o texto
de autoria de um professor de Ciência Política da USP, que expressam um
sentimento de pânico onde se misturam ações do crime organizado, depredações de
ônibus e manifestantes mascarados, num retrato de uma sociedade que estaria,
segundo essa visão, insatisfeita "com tudo isso que está aí".
Ora, pode-se afirmar que o mal-estar está presente, de forma
generalizada, no ambiente da sociedade midiatizada, mas isso não quer dizer que
o mesmo sentimento domina a sociedade real.
O que sai na imprensa é, na melhor das hipóteses, apenas uma
versão da realidade.
A mais espetaculosa.
0 comentários :
Postar um comentário