Ao conquistar o direito de sediar a Copa do Mundo da Fifa,
de 2014, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, Rio/2016, o Brasil se
comprometeu a realizar mais do que dois grandes eventos esportivos. Bola na
rede e medalha no peito são peças de uma engrenagem maior, que vai alavancar o
desenvolvimento nacional e regional, bem como melhorar a qualidade de vida do
cidadão em todas as regiões do país.
O Brasil é um país em desenvolvimento de dimensões
continentais, equivalente em tamanho à Europa Ocidental como um todo. Sediar em
sequência os dois maiores eventos esportivos e mediáticos do planeta abre ao
país uma singular e histórica janela de oportunidades para fortalecer e
acelerar o seu desenvolvimento.
Enquanto os países centrais se valem de infraestrutura e
serviços já montados em fases anteriores do seu desenvolvimento para servir aos
grandes eventos - o papel desempenhado pelo sistema de transporte público de
Londres nos Jogos Olímpicos de 2012 é um exemplo claro do caso em questão -,
para o Brasil esses eventos são uma oportunidade para acelerar a montagem de
infraestrutura crucial para o desenvolvimento do país, bem como fortalecer e
expandir políticas públicas garantidoras de direitos de cidadania e alavancar
cadeias produtivas e inovadoras, tanto no âmbito nacional quanto regional.
Visão estratégica dos legados
O reconhecimento desta oportunidade histórica nos remete
para a discussão dos legados que os grandes eventos esportivos podem deixar no
país. O conceito de "legados" de grandes eventos esportivos é objeto
de discussão entre distintos autores e atores da área.
Alguns autores estabelecem uma distinção entre
"legados" e "impactos", de modo a acomodar no segundo
possíveis efeitos negativos dos megaeventos esportivos (TAVARES, 2011). Já
Preuss (2007) define legados como "todas as estruturas, independentemente
de seu tempo de produção e espaço, planejadas ou não, positivas ou negativas,
tangíveis ou intangíveis, criadas para um evento esportivo que permaneçam por
mais tempo que o evento em si mesmo".
Para Chappelet e Junot (2006), legados representam "os
efeitos materiais e não-materiais produzidos direta ou indiretamente pelo
evento esportivo, planejados ou não, que transformam de forma duradoura a
região que o hospeda de uma maneira objetiva ou subjetiva, positiva ou
negativa".
As entidades internacionais diretamente responsáveis pelos
megaeventos esportivos também participam desta discussão conceitual. A
Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) define "legados"
como "o conjunto de benefícios que impactam um país direta ou
indiretamente, econômica ou socialmente, resultante de ações vinculadas ao
futebol e seus eventos, como a Copa do Mundo". Já o Comitê Olímpico
Internacional (COI), os define como "impactos positivos, com efeito de
longa duração, e que influenciam na vida e na cultura de um país e de sua
população".
Apesar de conter diferenças entre si, podemos identificar
algumas ideias força comuns nas conceituações de "legados"
apresentadas acima, relacionadas a seus benefícios e impactos, à herança que
deixam e às mudanças que provocam:
* Benefícios (diretos e indiretos; econômicos e sociais;
resultantes de políticas e ações; nacionais e regionais)* Impactos (positivos;
de longa duração; influência na vida e na cultura);
* Herança (duradoura; positiva ou negativa; gerada pelo
impacto de políticas e ações);
* Mudanças (estruturais; planejadas ou não; positivas ou
negativas; tangíveis ou intangíveis; permanentes pós-evento)
Sintetizando estas ideias-força, podemos definir
"legados" como "resultados produzidos, direta ou indiretamente,
pela realização de grandes eventos esportivos, em nível nacional e regional,
tangíveis ou intangíveis, planejados ou não, que transformam de forma positiva
e duradoura a sociedade que os sedia".
Embora nem todos os legados dos megaeventos esportivos
possam ser planejados ou antecipados, sua viabilização depende da implementação
de políticas públicas alavancadoras pelos três níveis de governo,
materializadas em projetos estruturantes em múltiplas e distintas dimensões de
transformação da nossa sociedade. Mas para isto, é necessário que a
oportunidade histórica fornecida pelos megaventos para a geração de legados
seja reconhecida, tanto pelos dirigentes públicos quanto pela sociedade
brasileira, de forma a gerar as iniciativas e ações necessárias para o seu
aproveitamento. Parafraseando o célebre poeta lusitano, para que os megaeventos
"valham a pena", é preciso que "a alma não seja pequena".
Cabe aqui ressaltar, uma vez mais, que Copa e Olimpíadas significam
muito mais do que a construção e a modernização de estádios e ginásios, por si
só um trabalho de vulto e de importância para a infraestrutura esportiva. A
meta do governo federal é implantar um programa de desenvolvimento que
transformará não apenas as 12 cidades-sede da Copa, mas o país inteiro. Por
isso foi tomada a decisão de realizar jogos do Mundial nas cinco regiões do
Brasil.
Por isso o conceito de nacionalização dos grandes eventos,
com a irradiação de investimentos para além do Rio de Janeiro, no caso dos
Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, e de 12 capitais, em se tratando de Copa do
Mundo. O objetivo, no campo esportivo, é alçar o Brasil ao patamar das
potências olímpicas, de forma sustentável e perene. No âmbito geral, a missão é
dotar a nação de musculatura social e logística que garanta o desenvolvimento
sustentável de uma economia que já faz parte da lista das dez maiores do
planeta.
Na dimensão urbana, as iniciativas geradoras de legado no
âmbito dos megaventos esportivos visam a garantir melhores condições de vida
nas cidades, com projetos estruturantes nas áreas de mobilidade (transporte
público), saneamento e habitação. Na dimensão logística e de infraestrutura,
elas almejam erguer, modernizar e ampliar equipamentos e serviços que criam
melhor ambiente para a realização dos eventos, mas que permanecem, sobretudo,
como benefícios permanentes para a sociedade após a sua realização.
Na dimensão econômica, o fomento do crescimento econômico
associado à redução de desigualdades e à criação de empregos via a geração de
novos negócios e de produtos e serviços inovadores.
Na dimensão esportiva, a construção e modernização das
instalações que sediarão os eventos, bem como a ampliação da infraestrutura e
das políticas de fomento para a atividade esportiva em todo o país.
Na dimensão social, a ampliação dos direitos de cidadania e
da qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde,
acessibilidade, segurança e defesa. Na dimensão sociocultural, a valorização da
identidade e da autoestima nacionais e regionais, nas suas múltiplas e variadas
expressões. Na dimensão ambiental, a incorporação do princípio da
sustentabilidade ao conjunto de empreendimentos e iniciativas associados aos
eventos. Na dimensão política, a consolidação de novo modelo de gestão
integrada entre os três níveis de governo do Estado brasileiro e parceiros
privados e da sociedade civil.
O legado em construção
No planejamento inicial para a Copa do Mundo, o Grupo
Executivo da Copa (Gecopa) do governo federal estabeleceu um teto de R$ 33
bilhões para investimentos em infraestrutura. As arenas multiuso, fundamentais
para a modernização do negócio futebol, são parte desse projeto, mas estão
longe de ser a vertente principal. A mobilidade urbana, com obras de novos
sistemas viários e de transporte público (BRT, VLT e metrô, entre outros),
configura-se como o destaque de um plano que projeta no horizonte a
transformação da qualidade de vida dos habitantes de nossas cidades. Os
investimentos em mobilidade somam R$ 11,5 bilhões, num universo de 40
empreendimentos. Ao fim das obras, terão sido construídos ou aprimorados mais
de 450 km, entre trilhos e corredores de transportes rodoviários.
Estudos de consultorias privadas estimam que a Copa e os
Jogos Olímpicos agregarão R$183 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro até 2019. Somente o Mundial deve atrair 3,7 milhões de turistas,
nacionais e estrangeiros, que injetarão na economia aproximadamente R$ 9,4
bilhões. Da construção civil à tecnologia de informação, dos pequenos negócios
à ampliação da rede hoteleira, 700 mil empregos permanentes e temporários serão
gerados.
Sob os olhares do mundo inteiro, o Brasil vai consolidar a
imagem de país moderno e democrático, com diversidade cultural, atrações
turísticas espalhadas por um território continental e capacidade de
organização. É uma oportunidade histórica que não pode ser desperdiçada. O
Mundial de futebol e as Olimpíadas não têm varinha de condão para mudar o
cenário da noite para o dia, mas aceleram políticas estruturantes de
desenvolvimento nacional, regional e local.
No Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos
de 2016, o projeto Porto Maravilha visa a recuperar e adensar o centro
histórico da cidade, constituindo nova área marcada tanto pela beleza quanto
pela funcionalidade, ao mesmo tempo residencial e comercial, doméstica e
turística. Outro exemplo carioca pode ser conferido em Deodoro. Legado dos
Jogos Pan-Americanos de 2007, o centro esportivo foi alçado à condição de
Parque Olímpico - complementar ao complexo principal, na Barra da Tijuca - e já
é responsável pela descoberta de talentos em modalidades há pouco tempo ainda
desconhecidas no Brasil, como o hóquei sobre a grama, o tiro esportivo e o
pentatlo moderno. O desenvolvimento do parque esportivo alavancará a região
como um todo, detentora até aqui dos mais baixos indicadores de desenvolvimento
humano da cidade. A comunidade de Deodoro colherá os frutos e agradecerá aos
Jogos Olímpicos.
Na maior cidade da América do Sul, a bola da vez é Itaquera.
O bairro paulistano com os mais baixos índices de desenvolvimento social será
palco da abertura da Copa do Mundo. A nova arena impulsiona um rol de
investimentos que dotará a área de universidade, conjuntos residenciais e
infraestrutura urbana renovada. Pernambuco segue o mesmo caminho, ao erguer o
estádio do Mundial em São Lourenço da Mata, município vizinho a Recife, com o
objetivo de espalhar o crescimento econômico para além da capital. No mesmo
sentido, a Copa e as Olimpíadas têm o poder de catalisar ações e projetos que
já integravam o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e encontraram nos
grandes eventos esportivos o ambiente ideal para sair da prancheta.
Dentro da visão estratégica do governo federal, projetos
estruturantes vêm modernizando setores da economia brasileira. Os aeroportos,
por exemplo, com demanda crescente graças à ascensão social de camadas
beneficiadas pelo crescimento econômico e pela redução da desigualdade no país,
necessitavam de ampliação e aprimoramento da gestão, independentemente da
realização dos grandes eventos esportivos. O processo de concessões à
iniciativa privada, que contemplou numa primeira fase os aeroportos de
Guarulhos, Viracopos e Brasília, tem se revelado caminho certo para aumentar a
eficiência e a qualidade dos serviços. O mesmo ocorre com os portos, que ganham
espaço e estrutura para receber cruzeiros internacionais e intensificar o
turismo interno.
Nas telecomunicações, a aceleração do Programa Nacional de
Banda Larga, com investimentos em infraestrutura e na aquisição de conhecimento
tecnológico, mostrou resultados já na Copa das Confederações, realizada no
último mês de junho. Todas as seis cidades-sede do torneio ofereceram a
tecnologia 4G aos usuários de smartphones. No Mundial do ano que vem as 12
sedes serão abarcadas. Mais do que agregar confiabilidade às ligações
telefônicas e velocidade aos aplicativos e down-loads executados pelos
celulares, fala-se aqui em estruturar uma base tecnológica para abrir portas ao
desenvolvimento econômico. O plano de banda larga diminui as distâncias
físicas, amplia a oferta de oportunidades de negócio e, como consequência, atua
como vetor para reduzir as desigualdades regionais. Tudo isso num cenário que
apresenta importantes investimentos da iniciativa privada.
O ambiente de Copa e Olimpíadas joga luzes também sobre a
base do esporte. Não se constrói uma potência olímpica - nem se democratiza o
conceito de que a atividade física é primordial para a saúde e o
desenvolvimento social - sem investimento no esporte educacional. E o Brasil
tem uma dívida com suas escolas, em grande parte desprovidas de infraestrutura
mínima para a prática esportiva. É nessa perspectiva de resgate que o governo
federal está construindo 6 mil ginásios e cobrindo 4 mil quadras em escolas públicas.
Parcerias do Ministério do Esporte com o MEC e as Forças Armadas - programas
Segundo Tempo, Mais Educação e Forças no Esporte – podem beneficiar 7 milhões
de estudantes em 2014. A valorização do professor de educação física, que passa
necessariamente pelo reconhecimento da disciplina como componente curricular
obrigatório, é ponto importante nesse processo de reestruturação.
O fortalecimento da escola, aliado à construção de Centros
de Iniciação ao Esporte (CIEs) em todo o país, cria as condições para a
revelação de talentos que serão direcionados ao alto rendimento. O ciclo
esportivo se completa, da base ao topo da pirâmide. O conceito de
democratização da atividade física para a construção de uma sociedade saudável
chega ao nível de refinamento, com a integração de centros esportivos regionais
e a consolidação de uma Rede Nacional de Treinamento. O desfile de ídolos
internacionais das duas maiores competições do mundo nos próximos anos só
aumenta o interesse da juventude pelas atividades esportivas. Na outra ponta, o
próprio Parque Olímpico da Barra da Tijuca sediará, após o evento, a primeira
Universidade do Esporte do país, agregando em rede o que há de mais avançado na
produção científica e tecnológica nacional para apoiar o esporte de alto rendimento
brasileiro.
O legado de gestão pública já é realidade na segurança e na
saúde. Esses setores experimentam inovações administrativas em que os grandes
eventos esportivos aparecem na tela como elementos de um cenário maior. Os
Centros Integrados de Comando e Controle, com aparelhagem de última geração,
transcendem a tecnologia ao estabelecer como conceito a integração das variadas
forças de segurança, e destas com as Forças Armadas. O Novo Marco Regulatório
da Saúde em Eventos de Massa, conduzido pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), também aproveita a Copa e os Jogos Olímpicos para
desenvolver uma política pública estruturante e duradoura.
Na área ambiental, projetos como a Copa Orgânica e
Sustentável, de alavancagem da produção de alimentos orgânicos, e Parques da
Copa, de modernização administrativa e renovação de equipamentos dos parques e
reservas nacionais, são capítulos do mesmo livro. Na cultura, o Projeto de
Infraestrutura Cultural e Legados dos Museus segue essa trilha.
Megaventos esportivos e desenvolvimento nacional
Os exemplos apresentados acima, entre milhares de outros,
mostram como é equivocada a visão que supõe existir um antagonismo entre sediar
os megaventos esportivos no Brasil e ampliar os investimentos em saúde e
educação no país. Ao contrário, partindo de uma visão ampla dos legados que
esses eventos podem deixar no país, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 nos propiciam uma oportunidade histórica para
ampliar os investimentos em saúde, educação e outros serviços públicos e
direitos de cidadania, alavancando o esforço contínuo empreendido pelo Brasil
para superar a secular e pesada dívida social que marca a nossa sociedade.
Em junho de 2013, enquanto era disputada no Brasil a Copa
das Confederações - importante teste para os megaeventos esportivos de 2014 e
2016 – centenas de milhares de brasileiros foram às ruas para reivindicar um
país melhor. Transporte, segurança, saúde e educação se destacaram como temas
de faixas e cartazes, numa clara demonstração de que a sociedade brasileira
está cada vez mais atuante e consciente. A mensagem transmitida ao Estado é de
que os indubitáveis avanços econômicos e sociais conquistados pelo Brasil nos
últimos dez anos precisam ser acompanhados por melhorias na infraestrutura
urbana e nos serviços oferecidos à população.
As manifestações incluíram críticas de alguns setores
apontando que os investimentos associados aos grandes eventos esportivos
estariam absorvendo recursos que deveriam ser investidos em setores mais
importantes, teoricamente relegados a segundo plano. Tal visão, pelo que já foi
exposto, é equivocada. Mais do que isso, ela tolhe a conquista das melhorias
reclamadas pelos próprios manifestantes. O legado construído por todos os entes
públicos e privados envolvidos no planejamento da Copa e das Olimpíadas
contempla, justamente, os anseios da população brasileira ecoados pelos
manifestantes. Integram este legado o rigoroso controle e fiscalização dos
empreendimentos associados a esses eventos, para evitar e combater gastos
excessivos, bem como o mau uso de recursos públicos.
O planejamento estratégico que orienta a ação dos poderes
públicos na preparação dos megaeventos esportivos busca potencializar os
resultados extracampo da Copa e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Os gols da
Seleção na Copa e as medalhas verde-amarelas nos Jogos Rio/2016 certamente
emocionarão e inspirarão toda a torcida brasileira. Esperamos que o Brasil que
emergir dos megaeventos esportivos possa fazer nossa torcida vibrar e se
orgulhar, nas ruas e nas arquibancadas, não só pelo que o seu país realizou,
mas, sobretudo, pelas bases que lançou para um futuro com mais bem-estar e
justiça social para o seu povo.
*Luis Fernandes é secretário executivo do Ministério do
Esporte e coordenador dos Grupos Executivos da Copa e das Olimpíadas do governo
federal
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