A gente já falou aqui que aquele pequeno pessoal que fez uma
"marcha da família" pedindo uma ditadura militar é caso para
psiquiatra.
Esse artigo de Carla Kreefft na Tribuna da Imprensa fez o
trabalho de psicanalisar. Só faço uma ressalva: só uma parte muito pequena do
que ela define como antiga classe média é tão rancorosa a ponto de ir na marcha
da ditadura.
O RANCOR DA PERDA
Carla Kreefft
O Brasil vive um momento de reorganização social. A classe
média cresce como resultado de uma mobilidade induzida por políticas sociais
compensatórias, criação de empregos e manutenção da estabilidade econômica. A
notícia é velha, mas boa.
Com a ampliação da classe média, o consumo do varejo
aumenta, o dinheiro circula mais, a venda de imóveis, veículos e bens duráveis
sobe. Em resumo, parece ser bom para todo mundo. Mas só parece. Tem aí um
segmento que está muito incomodado. Trata-se da velha classe média – aquela que
já era classe média desde o período da ditadura.
Para identificar essa classe social não é difícil. Na década
de 70, esse segmento social já tinha casa própria, o que era uma raridade, já
que o financiamento público era muito restrito e somente quem tinha uma renda
razoável tinha condição de acesso. Os filhos dessa classe estudavam em escolas
públicas. A educação pública era de boa qualidade, mas só atendia quem passava
em exames de seleção, ou seja, quem tinha condições financeiras de estudar
(comprar livros, uniformes, custear um curso de inglês etc). Os pobres ficavam
fora da escola, e os ricos estudavam em escolas particulares. Essa família
tinha um carro e, nos fins de semana, frequentava clubes de lazer e podia ir ao
cinema. Essas famílias também tinham telefone – que era muito caro na época.
De lá para cá, com a redemocratização do país, essa classe
viu o ensino público ser universalizado e perder qualidade, o que a obrigou
transferir seus filhos para a rede particular. Também presenciou a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), o que retirou dos trabalhadores com carteira
assinada a exclusividade do atendimento médico público. Em outras palavras,
todo e qualquer cidadão passou a ter direito à saúde pública – mesmo sendo de
qualidade questionável.
Mais recentemente, a estabilidade econômica desencadeou
estratégias governamentais que expandiram a telefonia fixa e a móvel,
permitiram financiamentos da casa própria e para compra de automóvel mais
acessíveis. Além de tudo isso, a classe mais carente teve sua renda ampliada
com a criação de mais empregos formais.
SEM PRIVILÉGIOS
A velha classe média perdeu seus privilégios e, por outro
lado, não conseguiu a mesma mobilidade que os mais pobres obtiveram. Ela não se
transformou em rica e viu os pobres se aproximarem. A empregada doméstica, que
antes era marca da classe média, virou diarista ou conseguiu um emprego melhor
e, agora, tem celular e uma TV de 42” em casa – os mesmo aparelhos que sua
patroa. Ela também pode comprar uma passagem aérea e pagar em dez vezes.
O que restou para a velha classe média? Fazer uma marcha
pela família e saudar a ditadura. Ela se agarra ao passado, desconhece a
democracia, pisa nos valores que adquiriu na universidade pública, portanto
paga por toda a sociedade.
A velha classe média se incomoda com um homem de bermuda em
um aeroporto, com os negros nas escolas e universidades e em postos
profissionais de destaque. Ela perdeu os anéis e não se contenta com os dedos.
Ela está desesperada. É assim que pretende ir às urnas, em outubro deste ano,
com o rancor do poder perdido.
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