Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Fico aqui me perguntando se já não é hora de a Globo incluir
um adicional psicológico para seus jornalistas que saem às ruas.
Isso me ocorreu depois de ver o desconcertante esculacho a
que foi submetida a jornalista Bete Lucchese quando fazia uma reportagem sobre
um protesto no Rio.
Alguém filmou a cena, e ela rapidamente se espalhou pela
internet. Demos o vídeo no DCM, e é uma das coisas mais lidas hoje no site.
Bete tem um problema técnico, e se irrita com a equipe que a
filma. Tudo normal. A surpresa foi a reação de um passante. Ele passou uma
descompostura em Bete que, pelo sucesso instantâneo do vídeo, reflete o
espírito de muitos, muitos brasileiros.
Uma das coisas que ele disse foi: “Vai trabalhar em outro
lugar.”
Não é, evidentemente, uma coisa simples. O mercado, para a
mídia tradicional, não está nada aquecido. As audiências minguam e, com elas,
vão minguando os orçamentos, e o próximo passo é o encolhimento da receita
publicitária.
Bete recebeu estoicamente a bofetada moral, e é preciso
elogiá-la por isso.
Ela poderia ter respondido, candidamente: “Ótimo. Onde vou
trabalhar, então? Na Rede Manchete? Ou você paga as minhas contas?”
O episódio é revelador de uma mudança notável na mentalidade
brasileira. Não muito tempo atrás, trabalhar na Globo era motivo de orgulho.
Hoje, é um embaraço – e não raro um risco, em situações emocionais como
protestos.
Como ficam os jornalistas da casa?
Não é muito simples trabalhar numa empresa que é amplamente
detestada. Todos sonhamos em trabalhar em lugares admirados, em que tenhamos a
oportunidade de fazer coisas pelo bem público.
Mas e trabalhar num lugar abominado, como é?
Numa reunião social, pode ser um constrangimento. Na rua,
como se viu agora com Bete, um pesadelo.
Mesmo repórteres prestigiados como Caco Barcellos foram
intensamente hostilizados nos últimos meses, na cobertura de manifestações de
protesto.
A sociedade parece cansada de muitas coisas, mas a Globo
parece representar um ponto de exaustão. É como se ela fosse o símbolo supremo
do atraso nacional, uma espécie de Bastilha que retarda movimentos para tornar
menos desigual o Brasil.
Vistas as coisas em retrospectiva, junho de 2013 mudou o
Brasil – e para melhor. A sociedade disse chega para a monstruosa exclusão que
nos marca.
O Brasil teve um choque de realidade. Acordamos, por
exemplo, para a dura realidade de que somos absurdamente racistas.
A última capa da revista Trip diz o seguinte: “Ser preto no
Brasil é fxxx!”
Não muito tempo atrás, Ali Kamel, da Globo, escreveu um
livro ufanista chamado “Não Somos Racistas”.
Hoje, uma tese destas não poderia ser defendida sem que o
autor caísse em profundo e generalizado escárnio. Amarildo, Claudia, Douglas –
negros, sempre negros as vítimas da violência policial.
Por precaução, os jornalistas da Globo chegaram a trabalhar
sem o logotipo da casa nos microfones, nos protestos.
Isso resolve para desconhecidos. Mas e quando o repórter é
um Caco Barcellos? Você faz uma plástica nele?
Na raiva, muita gente toma funcionário da Globo como uma
espécie de cúmplice. Isso só complica as coisas.
Não é fácil trabalhar na Globo hoje, ficou claro na
desmoralização a que Bete foi submetida. E nem foi a primeira vez. Algum tempo
atrás, já a puseram para correr na Maré.
Repito: a empresa deve pensar num adicional psicológico.
Você tem que ser muito zen para não se deixar arrasar pela constatação de que
pertence a uma organização odiada apaixonadamente.
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