Por Miguel do Rosário
Imagine um evento que reúna milhares de pessoas.
Dezenas de cientistas e engenheiros importantes.
As principais lideranças dos movimentos sociais, sindicais e
partidárias.
Juristas da OAB.
O ex-presidente da República, até hoje considerado o melhor
da nossa história (não é “opinião”, é o que diz o Datafolha), e já favorito
para as eleições de 2018.
Blogueiros, jornalistas, ativistas digitais.
Um representante do Conselho de Administração da Petrobrás.
Vereadores, deputados, sindicalistas, midialivristas.
Imagine um evento assim, e que mesmo diante dos terríveis
perigos que ameaçam a economia brasileira, é realizado num clima de serenidade,
confiança e espírito democrático.
Assim foi o evento realizado ontem no auditório da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Um evento que marca um momento grave, quiçá decisivo, da
nossa história.
Eu já aventei aqui a minha tese, segundo a qual de 1954 até
hoje vivemos a “era da mídia”.
Uma era que agora chega ao seu fim, conforme explicarei
adiante.
Desde o suicídio de Getúlio, em agosto de 1954, até a
campanha midiática de hoje contra a Petrobrás, contra o governo e contra o PT,
a mídia tem sido o principal ator político nacional.
O mais constante, o mais unido, o mais bem sucedido.
O mais coerente também: sempre contra o povo, sempre contra
suas conquistas, sempre defendendo antes os interesses do Tio Sam do que os
nossos.
Em nenhum lugar do mundo, com exceção talvez da Itália, a
família mais rica do país domina, em regime de quase monopólio, a mídia de
massa do mesmo país.
A reunião de tal poder financeiro e midiático em mãos de uma
só família gera um poder político excessivo, que produz perigosas distorções no
sistema democrático brasileiro.
Imprensa, cinema, literatura, agenda política do congresso,
cpis, grandes investigações, julgamentos no STF, os tentáculos da Globo se
estendem por toda a parte.
Nenhum escritor no Brasil consegue vender livros ou se
sustentar sem o aval da Globo. Hora ou outra, resistam ou não, caem todos no
colo dos Marinho e seus coligados.
É muito difícil obter um emprego decente como jornalista
fora da esfera de influência da Globo.
A classe política vive sob chantagem constante de uma
imprensa desprovida de qualquer escrúpulo ético e unida em torno de uma causa
comum.
O Ministério Público tornou-se cúmplice dos barões da mídia.
Somente os processos com repercussão midiática favorável têm continuidade.
Os processos que não contam com a simpatia da mídia são
engavetados no Ministério Público ou prescrevem no Judiciário.
Todo tipo de malabarismo e inovações jurídicas são
toleradas, e até mesmo incentivadas, para se atingir determinados objetivos
políticos.
Domínio de fato, delações premiadas, vazamentos seletivos,
prisões preventivas eternas, manipulação de provas, dar peso de verdade a
depoimentos de bandidos, tortura psicológica.
Vale tudo. Basta ter apoio da mídia.
Ayres Brito, ex-presidente do STF, antes mesmo de encerrar
sua função, escreveu prefácio do livro de Merval Pereira.
E quando saiu de lá foi direto para a Globo, assumir uma
sinecura: a presidência do conselho do instituto innovare.
Existe um debate sobre o poder da mídia corporativa hoje.
Muitos dizem que o seu poder declinou bastante, em virtude
da internet, que democratizou a opinião pública.
Eu acho que o seu poder nunca foi tão grande.
Primeiro porque a mídia também se espraia pelas redes
sociais e internet.
Segundo porque ela conseguiu vencer a batalha da comunicação
em alguns lugares estratégicos: nos centros de poder não balanceados pelo
sufrágio.
Os estamentos aristocráticos, as instâncias do Estado onde o
povo não tem influência, foram os meios onde a ideologia midiática, esse
fascismo enrustido, baseado no ódio, na mentira, no egoísmo, na brutalidade
política, se desenvolveu com mais facilidade.
Aí que mora o perigo.
A mídia, sozinha, é um cão sem dentes.
Quando ela consegue instrumentalizar setores do Ministério
Público e um ou outro juiz inebriado por um espírito vingador, ela se torna
efetivamente perigosa.
Surge o “golpe paraguaio”.
Sim, a mídia chegou ao auge de seu poder.
Criou um exército de zumbis, cujo número cresce diariamente,
num ritmo assustador.
A cada minuto, a mídia transforma um brasileiro num idiota
midiático.
A mídia, além disso, tem aliados no exterior.
Tem dinheiro no exterior.
Não se esqueça que a evasão fiscal brasileira alcança mais
de 13% do PIB, segundo a ONG Tax Justice.
Por isso, a nossa elite não se preocupa em incendiar o país.
Todas as questões econômicas que nos desesperam, emprego,
conteúdo nacional, industrialização – não tem a mínima importância para a ala
rentista da nossa elite.
Ela tem dinheiro guardado para suportar a crise econômica.
Não tinha muito em 2002, quando até a Globo estava quebrada.
Mas souberam aproveitar o crescimento econômico.
Qual os nazistas nos anos que antecederam a II Guerra, eles
se prepararam.
Produziram armas, juntaram dinheiro, formaram quadros.
Então como é possível afirmar, perguntará o leitor, diante
de tantas demonstrações de poder, que chegamos ao fim da era da mídia?
Porque é exatamente nos momentos mais difíceis, mais
perigosos, mais conturbados da história, que são forjados as ideias mais
firmes, mais luminosas, mais combativas daquele tempo.
Os marxistas podem alegar que é o dinheiro que faz girar as
rodas da história.
Sim, é verdade.
Mas as ideias inventaram a roda.
As ideias inventaram a história.
Mesmo se eles ganharem as próximas batalhas, usando todo o
tipo de mau caratismo penal, torturando as leis do mesmo jeito que fizeram na
Ação Penal 470, e sob a liderança da mídia, e com isso aprofundarem o processo
de criminalização da política, mesmo assim eles terão perdido.
Porque será uma vitória suja.
Uma vitória triste, de um punhado de barões midiáticos e
almofadinhas promotores metidos a justiceiros.
Uma vitória sórdida, conquistada ao preço de centenas de
milhares de empregos e o atraso das mais grandiosas obras de infra-estrutura em
andamento no mundo.
É evidente que ninguém conseguirá se manter num poder, não
numa democracia, através de operações tão abertamente inescrupulosas.
Assim que tiverem vencido, terão perdido.
Por isso eu reitero: a era da mídia acaba aqui. Eles
perderão mesmo ganhando.
Não é fácil enxergar, em meio à fumaça das bombas, misturada
à multidão agitada e nervosa, aquela moça de gestos elegantes e sorriso maroto,
caminhando tranquilamente.
Não é fácil ver a história.
Porém não impossível.
Basta ficar atento.
É um conceito profundo da filosofia antiga, que eu li num
livro de Heidegger sobre Heráclito.
Escutar. Prestar atenção.
Prestemos atenção, portanto, ao que aconteceu na ABI ontem.
Davyd Bacelar, petroleiro e sindicalista recém eleito para o
Conselho de Administração da Petrobrás, fez um discurso marcado por uma notável
consciência do que está em jogo.
Defendeu a continuidade e o aprofundamento das investigações
sobre corrupção, e a punição dos culpados, mas denunciou também a
espetacularização e a manipulação política da justiça.
Wadih Damous foi mais longe e fez uma denúncia duríssima
contra a repetição de um padrão já iniciado na Ação Penal 470: a manipulação do
processo penal, o fim da presunção da inocência, o uso da prisão preventiva
como forma de chantagem penal e tortura psicológica, o sensacionalismo com as
delações premiadas, vazadas seletivamente, o ódio político substituindo a
serenidade imparcial de autoridades que deveriam, antes de tudo, garantir os
direitos individuais de todos, pobres ou ricos, tucanos ou petistas, sem terra
ou empreiteiros.
Em sua louca cavalgada para adquirir o poder pelo poder, a
oposição midiática não hesita em ferir a Petrobrás, quebrar as principais
empresas de construção civil do país e agredir até mesmo os direitos
fundamentais de alguns executivos, tratados como cordeiros gordos a serem
sacrificados no altar da imprensa.
A imprensa corporativa, mais uma vez, arvora-se promotor,
juiz, júri e carrasco.
Em seu discurso na ABI, Lula deixou bem claro que entendeu o
papel central da comunicação na luta dos trabalhadores brasileiros por sua
liberdade.
O ex-presidente mencionou acontecimentos internacionais,
onde a manipulação da opinião pública provocou “mudanças de regime” que
trouxeram caos e desespero a vários países.
Sutilmente, Lula lembrou que não podemos ser ingênuos em
relação à interferência imperialista em nosso país.
Outro dia, almocei com Franklin Martins, ex-ministro de
Lula, que me disse a mesma coisa: os EUA voltaram a olhar para a América
Latina, então temos que nos preparar, porque eles, sem poderem nos invadir
militarmente, terão de fazer diferente; terão de dar um golpe por dentro da
democracia; que é exatamente o que está acontecendo, através da manipulação
judicial da Operação Lava Jato.
Com a espionagem feita pela NSA contra a Petrobrás e contra
a presidenta Dilma, está claro que Operação Lava Jato interessa aos americanos.
Quebrar empreiteiras brasileiras e trazer as americanas para
operar no Brasil?
Quebrar a Petrobrás e abrir o pré-sal às petroleiras
americanas?
A Lava Jato tornou-se um sonho bom e confortante do Tio Sam.
É o triunfo do cinismo e da hipocrisia.
As empreiteiras e petroleiras americanas formam o setor mais
corrupto do mundo.
São elas que financiam politicamente todas as guerras dos
EUA, onde os países são destruídos e depois reconstruídos pelas empreiteiras
americanas.
As milhões de vidas perdidas no caminho são mero detalhe.
Os contribuintes americanos transferiram, no caso do Iraque,
mais de 2 trilhões de dólares de recursos públicos, para o bolso da indústria
da guerra, que pratica uma corrupção jupiteriana.
E o nosso procurador-geral da república, Rodrigo Janot, vai
aos EUA pedir ajuda para detonar a Petrobrás e suas fornecedoras?
Você sabia, Janot, que os EUA são considerados, por muitos
analistas, como o país mais corrupto do mundo?
Onde vocês acham que foram parar os trilhões gastos nas guerras
do Afeganistão e Iraque?
Não foram para Paulo Roberto Costa, e seus coleguinhas
corruptos de Petrobrás, isso eu posso lhe garantir.
Nem os EUA permitem nenhuma “delação premiada” contra seus
interesses.
João Pedro Stédile, representando os principais movimentos
sociais do campo, afirmou que eles marcharão ao lado do campo progressista,
para o que der e vier.
A presidenta da UNE, Virgínia Barros, assegurou que os
estudantes também estão alertas, que eles, os golpistas, “não passarão”.
A UNE, vítima sistemática de campanhas difamatórias da
grande mídia, desde os anos 50 até hoje, tem lado.
E não é ao lado da Globo e suas manipulações.
“Acredito que está por trás dessa campanha é o desmanche de
nosso maior patrimônio, vem daqueles que não concordam com a política de
conteúdo nacional e nossa autonomia científica”, afirmou Barros.
O grande ausente no evento da ABI foi o governo, aquele que
tem se caracterizado justamente por isso: pela ausência.
O campo progressista tem infinitas críticas ao governo.
Enumero algumas:
1) a estratégia suicida de só apanhar, apanhar e apanhar,
como se quisesse vencer o adversário fazendo-o quebrar as mãos de tanto dar
soco;
2) a indiferença em relação a seu eleitorado, e a submissão
à opinião da direita midiática;
3) a falta de uma agenda positiva, com políticas inspiradas
no debate democrático com a sociedade;
4) a concentração excessiva de poder em mãos da presidenta,
sem transferi-lo para seus próprios ministros. O chefe da Secom, Thomas
Traumann, por exemplo, parece ter função apenas decorativa;
5) por que Dilma não pode montar um conselho político, com
Lula à frente, para que estes tomem decisões políticas rápidas e efetivas. Por
exemplo: escolher de uma vez o novo ministro do STF, escolher quem serão as
novas lideranças do governo nos partidos da base aliada, escrever os discursos
da presidenta, decidir quando ela deve aparecer ou não na TV?
Entretanto, esses problemas poderão ser equacionados ao
longo dos próximos 4 anos.
Já o desmanche da Petrobrás e a extinção das empresas mais
estratégicas do país, isso poderá demandar muito mais tempo, e afetar o nosso
futuro por décadas.
O Brasil tem urgência de terminar suas grandes obras de
infra-estrutura. Paralisá-las por causa de problemas de corrupção é duplicar o
prejuízo causado pelos desvios, porque os atrasos elevam ainda mais os custos
das obras e postergam o processo de desenvolvimento nacional.
E agora sabemos que a mídia estimula uma greve de
caminhoneiros com perfil notoriamente patronal e política, nos moldes do que
houve no Chile de Allende e volta e meia acontece na Argentina.
Procura-se produzir o caos para assustar o povo e forçá-lo a
vender barato o seu voto e a sua soberania.
A presença de Nassif no palco da ABI, e os elogios que
recebeu de Lula em seguida, mostram que cresceu a consciência sobre o papel
central da batalha da comunicação na luta política.
A presença do escritor Eric Nepomuceno, por sua vez, mostra
que essa comunicação, para ser efetiva, tem de ser produzida com arte e
política, não com propaganda.
O discurso de Lula mostrou um político disposto a sacudir a
inércia do governo e lutar pelo povo brasileiro.
A luta contra a corrupção tem de ser aliada do processo de
desenvolvimento nacional, não sua inimiga.
Nenhuma empresa pode quebrar, nenhum trabalhador pode ser
demitido, porque um punhado de procuradores, um juiz e alguns delegados
aecistas, querem ganhar prêmios e confetes da Globo.
A era da mídia chega a seu fim porque o seu poder, por mais
imenso que seja, é baseado numa mística declinante.
A mídia já gastou quase todos os seus cartuchos.
A sua ofensiva causou estragos terríveis.
A direita aumentou, tornou-se mais confiante e mais
atrevida.
Mas agora teve início, finalmente, uma contra-ofensiva.
É parecido com o que testemunhamos nas últimas eleições. A
direita, cujo poder emana de uma mídia centralizada e concentrada, lança
ataques rápidos, demolidores, e mantém o adversário atônito através de
bombardeios diários, que o impedem de raciocinar com calma e sangue frio.
O nosso campo demora para se organizar. Até hoje esperava,
possivelmente, algum posicionamento do governo, para definir a melhor estratégia
de contra-ataque à mídia.
Agora entendemos que o governo ainda está perdido, sem saber
que rumo tomar, paralisado pela indecisão e quiçá também por covardia.
Cabe ao nosso campo tirar o governo dessa indecisão e
trazê-lo para nosso lado. Quanto à covardia, daremos o exemplo.
A coragem, como se sabe, é contagiante.
Bem, ao menos o governo já começou a lutar pelo mais
importante: não paralisar as grandes obras e não deixar que as empresas
quebrem.
O esforço do Advogado Geral da União, Luis Adams, deve ser
defendido por todos os brasileiros que não sucumbiram à loucura autodestrutiva
da mídia.
O nosso campo demora para se organizar, mas quando o faz,
emerge com uma força muito mais orgânica do que a mídia jamais possuirá.
No próximo dia 13, haverá manifestações, em todo país,
contra essa campanha para destruir a Petrobrás, suas fornecedoras e todas as
indústrias que dependem de ambas.
O encontro na ABI foi o nosso desembarque na Normadia.
O nosso dia D.
A luta pela liberdade, contra o fascismo midiático e suas
patranhas, começou.
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