Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Um número considerável de cidadãos tem comemorado o
tratamento agressivo recebido pelos políticos que comparecem aos protestos de
domingo.
É um sinal preocupante e condenável. O silêncio dos
políticos e a perseguição das liberdades é uma herança do fascismo e das piores
tradições autoritárias.
Vamos aos fatos. No domingo, em São Paulo, o senador Aloysio
Nunes Ferreira, um dos líderes mais importantes do PSDB, foi hostilizado quando
se encontrava nas proximidades de um caminhão de som do Vem prá Rua, movimento
que tem ligações com os tucanos: “sem partido, sem partido,” gritavam.
Nenhum político foi tratado de forma tão humilhante como o
deputado Paulinho (SD-SP), presidente da Força Sindical. Paulinho tinha motivos
para imaginar que iria sentir-se em casa no domingo.
Afinal, foi ele quem levantou o braço de Aécio no 1º de maio
do ano passado, quando o futuro candidato do PSDB disse que estaria de volta no
ano seguinte como “Presidente da República.” Naquele mesmo dia, Paulinho chegou
a dizer que o lugar de Dilma “era na Papuda.”
No domingo passado, Paulinho não só foi impedido por vaias
de abrir a boca quando chegou perto do microfone num caminhão de som que ele
próprio levou a manifestação. Também ouviu gritos de “oportunista” e o célebre
coro “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos que o Paulinho vá para a …..”
descreve a repórter Aline Ribeiro, da Época, que acompanhou a cena de perto. O
esforço de Paulinho para ajudar nos protestos incluiu, ainda, garantir a
presença de duas celebridades no caminhão de som, a cantora Vanessa Camargo e Ronaldo,
fenômeno do oportunismo. Nada mais injusto, portanto, que chamar Paulinho da
Força de oportunista, como se gritava em volta do caminhão de som.
Em vários pontos do país, outros políticos, inclusive os
tucanos Carlos Sampaio e Marcos Pestana, sem falar no senador Ronaldo Caiado,
do DEM, preferiram participar dos protestos como cidadãos anônimos.
Os protestos são uma força contra o governo Dilma e a
oposição, após uma quarta derrota nas urnas, acredita que podem servir de
atalho para chegar a um poder de qualquer maneira - como se compreende por
faixas que pedem impeachment e/ou golpe militar. O alvo dos protestos é este,
como disse aqui ontem. O resto - mesmo a corrupção - é perfumaria do ponto de
vista da prioridade das manifestações.
Do ponto de vista histórico, o tratamento agressivo contra
os políticos - inclusive aliados - é uma herança do fascismo, aprende-se pela
leitura de Hannah Arendt.
Em “Origens do totalitarismo”, ela explica o nascimento das
ditaduras do século XX a partir do colapso das organizações de classe - como os
sindicatos de trabalhadores - e dos partidos políticos, que sustentavam o
cotidiano de uma vida democrática.
“A queda das paredes protetores das classes transformou as
maiorias adormecidas, que existiam por trás de todos os partidos, numa grande
massa desorganizada e desestruturada de indivíduos furiosos que nada tinham em
comum exceto a vaga noção de que as esperanças partidárias eram vãs.”
A desilusão com o sistema partidário - conceito é a matriz
da “deslegitimação” do sistema político de que fala o juiz Sérgio Moro em seu
texto sobre a Operação Mãos Limpas - é parte necessária desse processo.
Como explica Arendt, até “os mais respeitados, eloquentes e
representativos membros da comunidade” passam a ser apontados como “uns
néscios”, enquanto as autoridades constituídas se tornam “não apenas
perniciosas mas também obtusas e desonestas.”
Quem acha que essa opinião faz sentido com sua própria visão
sobre os políticos do Brasil de hoje, precisa repensar seus conceitos. Hannah
Arendt está falando sobre a base ideológica do cidadão comum que, na Alemanha,
deu a base social para o nazismo e, na Itália, forneceu o cimento para o
nazismo.
A construção das ditaduras em sociedades divididas em
classes sociais - um traço típico dos regimes capitalistas - envolve, em
primeiro lugar, reprimir e desorganizar os partidos que, pela simples
existência, demonstram a presença de interesses divergentes e contraditórios em
cada sociedade e afirmam o direito dos cidadãos optar por um lado e outro, por
um interesse e outro.
Na Alemanha da década de 1930, esses partidos eram a Social
Democracia e o Partido Comunista. Na Itália, era o PS, que mais tarde se
transformou-se no PCI.
Eles eram os baluartes da democracia, não porque tivessem
grandes amores pelas democracia - PC alemão era stalinista até a medula - mas
porque eram a garantia da divergência, a proteção ao confronto de ideias e
interesses. O ataque a esses partidos abriu as portas para o ataque aos demais,
ao fim da divisão de poderes, ao colapso da liberdade.
Em suas campanhas eleitorais, Hitler se recusava a
apresentar um programa de governo, dizendo que o mais importante é a “vontade
humana,” recorda o professor Jean Touchard, em sua “Histoire des Idees
Politiques. Mussolini consolidou-se no poder dizendo que os “fascistas têm a
coragem de rejeitar todas as teorias políticas tradicionais: somos aristocratas
e democratas, revolucionários e reacionários, proletários e anti proletários,
pacifistas e anti pacifistas.”
Numa definição essencial para eliminar a diferença, o
conflito, a alternância, a democracia, enfim, Mussolini sintetizou: “É
suficiente possuir um ponto fixo: a nação.” O horror de Hitler a políticos e às
eleições o levou a copiar uma frase bíblica: “É mais fácil um camelo passar por
uma agulha do que descobrir um grande homem através de uma eleição.”
Precisa dizer mais alguma coisa?
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