Por Ignacio Godinho Delgado, no blog Viomundo:
A Rede Globo de Televisão construiu meticulosamente a imagem
de Collor de Mello, o “caçador de marajás”, que, afinal, elegeu-se presidente
em 1989.
O empenho na construção da imagem de Aécio Neves não foi tão
sistemático, mas envolveu até a produção de uma minissérie inspirada no
senador, que, em 2014, tentava se apresentar como um príncipe encantado a
seduzir a nação brasileira.
Aécio não é Collor, mas a expectativa da Globo era que, caso
vencesse as eleições em 2014, ele desse curso ao mesmo projeto que alimentava
ao final da década de 1980: prevalência absoluta do mercado e do capital
estrangeiro, o rechaço a políticas desenvolvimentistas e de inclusão social, o
casamento do rentismo com o entreguismo.
Todavia, Aécio não é apenas portador de um projeto
reacionário, elitista e antinacional. Toda sua trajetória é uma imensa fraude,
em Minas ocultada por rigoroso controle sobre os meios de comunicação.
No plano nacional, por ser o representante de plantão da
direita e de seu braço midiático, passou a contar com a complacência da maior
parte da imprensa, ao mesmo tempo em que busca reeditar a política de
cerceamento à liberdade de expressão levada adiante em Minas Gerais (aqui e
aqui)
Tudo na vida de Aécio Neves foi muito fácil. Surfou desde
cedo nos seus vínculos com Tancredo Neves para desenvolver uma carreira
política medíocre, ainda que sempre bem promovida.
Filho do deputado Aécio Cunha, do PFL, aos 17 anos de idade,
Aécio era “secretário de gabinete parlamentar na Câmara dos Deputados”
(1977-1981), embora morasse no Rio de Janeiro. Em 1985, foi nomeado por Sarney
diretor do setor de loterias da Caixa Econômica Federal, num momento em que
veio à tona o escândalo da máfia da loteria esportiva, sobre o qual inexistem
notícias de alguma atuação de Aécio para desvendá-lo e punir os responsáveis.
Eleito deputado constituinte em 1986, ainda no rastro da
comoção causada pela morte de Tancredo Neves, Aécio foi considerado pelo
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), um deputado de
pouca firmeza na defesa dos interesses dos trabalhadores, alcançando apenas a
nota 5,5 na pontuação atribuída pelo instituto aos constituintes. Em 1991
ausentou-se por três meses da Câmara para tratar de problemas pessoais.
Aécio governou Minas Gerais de 2003 a 2010. Seu apregoado
choque de gestão significou, entre outras coisas, o descumprimento das
disposições legais de garantia de 25% do orçamento estadual para a educação e
12% para a saúde, salários miseráveis para professores e médicos, o
esvaziamento crescente da economia mineira e a elevação espetacular do
endividamento do estado.
Apesar de alardear que gastou menos com o governo para
gastar mais com as pessoas, até recentemente os mineiros só conseguiam lembrar
da construção da cidade administrativa (envolta em diversas suspeitas de
irregularidades) como uma obra de relevo da administração de Aécio.
Em 2014 vieram também a saber que Aécio construiu um
aeroporto perto da fazenda de sua família.
Senador desde 2010, Aécio Neves acentuou o velho hábito de
permanecer fundamentalmente no Rio de Janeiro, onde protagonizou cenas
vexatórias para um representante do povo, como dirigir com carteira vencida e
evitar o teste do bafômetro uma vez abordado pela polícia.
No PSDB Aécio participou de embates sangrentos com José
Serra, que envolveram insinuações do jornalista Mauro Chaves, no jornal O
Estado de São Paulo, de 28/02/2009, sobre hábitos heterodoxos do então
governador mineiro.
O revide de Aécio materializou-se na investigação de Amaury
Junior sobre a participação de José Serra na farra das privatizações do governo
do PSDB, de FHC, que resultou, depois, no livro A Privataria Tucana. Por linhas
tortas, esta, talvez, seja a maior contribuição à pátria da atuação do senador
da Zona Sul carioca, com domicílio eleitoral em Minas Gerais: sua disposição
vingativa favoreceu a investigação do mais absurdo dolo já perpetrado contra o
patrimônio público brasileiro, naturalmente ignorado pela mídia convencional.
Derrotado, Aécio Neves tem se empenhado em diversas
iniciativas golpistas para tentar interromper o mandato que Dilma Roussef
conquistou nas urnas, desde ações junto ao TSE para impedir a diplomação e a
posse, passando pelo flerte com grupos fascistas que convocaram manifestações
de rua (de onde brotaram, inclusive, apelos para a intervenção militar), até o
anúncio da disposição de pedir o impeachment da presidenta.
Numa suprema ironia da história, Aécio Neves tornou-se o
principal representante dos herdeiros da velha UDN. Adversária da Vargas,
Goulart, mas também de Tancredo Neves, a UDN centrava seu discurso nas
denúncias de corrupção, para dissimular seus propósitos reais de combate ao
nacionalismo e ao trabalhismo, caracterizados com xenofobia e populismo, na
expectativa de resolver pelo golpe o que não alcançava nas urnas.
Aécio completa sua conversão ao udenismo em sua expressão
moderna ao defender a dissolução do regime de partilha do pré-sal, em favor do
regime de concessão preferido das companhias de petróleo ocidentais, e ao
repreender o próprio PSDB que, em acertos com o PT, buscou corrigir o PL-4330,
que fere de morte a CLT, depois das repercussões negativas na rede e das
manifestações contrárias das ruas ao propósito de se ampliar a terceirização no
Brasil.
Golpista, entreguista e inimigo dos direitos dos
trabalhadores, Aécio Neves não é o “democrata indignado” com a corrupção, sobre
a qual, aliás, teria muito a dizer se não contasse com a complacência da mídia
no tratamento de casos com a Lista de Furnas, do mensalão tucano, da
distribuição de verbas para rádios da família, do aeroporto de Cláudio…
Aécio é, de fato, uma fraude embalada pela mídia, o porta
voz do udenismo redivivo, desonrando a memória do próprio avô, sem qual, aliás,
sua carreira nada seria.
* Ignacio Godinho Delgado é professor de História e Ciência
Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London
School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
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