Em entrevista ao 247, o secretário nacional de Juventude,
Gabriel Medina, critica a PEC que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal
no Brasil, cuja tramitação foi aprovada pela CCJ da Câmara na última
terça-feira 31; para ele, a proposta representa "uma sociedade doente, que
não sabe formar seus jovens"; "Se a única saída é o encarceramento,
estamos decretando uma falência completa", afirma; Medina acredita que
medidas socioeducativas são o melhor caminho para o jovem infrator, que é uma
"vítima da violência", e não a punição; "É preciso também
colocar limites, mas isso não se faz com porrada, e sim com acolhimento, com
afeto, diálogo. A punição definitivamente não é o melhor modelo de
ressocialização"
10 de Abril de 2015 às 20:53
Gisele Federicce, 247 – A Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira 31, a
admissibilidade da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 171/93, que reduz a
maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. A proposta será agora discutida
em uma comissão especial na Casa e, caso o parecer seja favorável, deve ser
votada pelo plenário da Câmara em dois turnos antes de ser encaminhada para o
Senado.
A aprovação do voto em separado do deputado Marcos Rogério
(PDT-RO), favorável à PEC, por 42 votos a favor contra 17, provocou protestos
de manifestantes presentes na reunião e agora é tema frequente em debates entre
especialistas no tema. Para o parlamentar que teve o voto vencedor, a redução
da maioridade penal "tem como objetivo evitar que jovens cometam crimes na
certeza da impunidade".
Na opinião do secretário nacional de Juventude, Gabriel
Medina, a PEC seria um "ataque aos direitos" conquistados nas últimas
décadas. Em entrevista ao 247, ele ressaltou que o Estatuto da Criança e do
Adolescente já prevê penas para o menor e disse acreditar que o encarceramento
não é o caminho para tirar o jovem da violência. "Trabalhei com medidas
socioeducativas e, nesses casos, a taxa de reincidência é de 20%. Enquanto no
sistema penitenciário é de 70%. Ou seja, não funciona".
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima
que apenas 1% dos homicídios registrados no Brasil é cometido por adolescentes
menores do que 18 anos. Apesar do baixo índice, este tem sido o principal
argumento em defesa da PEC. Se aprovada, a proposta irá aumentar a população
carcerária brasileira, que cresceu 403,5% em 20 anos – entre janeiro de 1992 e
junho de 2013 – enquanto o crescimento da população foi de 36% no mesmo
período, segundo dados do Ministério da Justiça.
Outro problema apontado por Medina é o contato maior do
adolescente com o crime quando ele vai para a prisão. "Os presídios têm
organizações criminosas estruturadas. A gente prolonga a vida do jovem lá
dentro e ele vai voltar muito mais preparado pelo crime, porque é onde as
facções se organizam", disse ele. Em sua avaliação, os jovens que cometem
delitos são "filhos da pobreza e da ausência de direitos" e precisam
de "acolhimento, afeto e diálogo". "Não acredito na pedagogia da
porrada", destaca o secretário.
Leia abaixo a entrevista:
Qual sua opinião sobre a proposta de redução da maioridade
penal?
A primeira coisa é entender que, assim como alguns deputados
apresentaram no Congresso, a questão da maioridade penal segue um direito
constitucional, tem a ver com a conquista da Constituição de 88. Uma grande
conquista da sociedade que teve posteriormente o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Reduzir a maioridade penal seria um grande ataque aos direitos e a
todo esse movimento que ocorre na redemocratização do Brasil, na luta por mais
direitos.
A proposta é inconstitucional. Depois, é uma afronta a essas
importantes conquistas, quebrando o código do menor, que antes do Estatuto não
tinha um tratamento adequado. Eu sou obviamente contra essa proposta.
Qual o papel da Secretaria de Juventude após a aprovação da
tramitação da PEC?
Depois de aprovada lá na CCJ, nós vamos ter uma função
especial que deve debater o tema por mais uns dois ou três meses. É o momento
de promover uma discussão profunda sobre o que significa essa redução, e não
tratar esse tema como uma questão de torcida de futebol. Não se trata disso, de
quem é contra e quem é a favor. Precisamos trazer argumentos teóricos,
técnicos, políticos.
E em torno de que se dará esse debate?
Nós temos uma situação caótica no sistema penitenciário
brasileiro. Toda a sociedade enxerga isso. Temos o caso do Complexo
Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, o caso do Rio Grande do Norte, em São
Paulo, com o PCC. Um sistema hoje que representa a terceira maior população
carcerária do mundo – ultrapassamos a Rússia –, que não oferece ressocialização
dos presos. Nós temos que fazer uma profunda avaliação sobre se encarcerar os
adolescentes será a melhor solução.
Estamos criando uma política de encarceramento. O Estatuto
da Criança e do Adolescente já prevê penas para o menor. E sobre os argumentos
de que são medidas brandas, isso não é a realidade. Temos as punições abertas
para pequenos delitos, mas para os graves, a punição é o encarceramento também.
Inclusive é possível prolongar a pena [para mais de três anos].
Quais as principais consequências da redução da maioridade
penal, na sua opinião?
Hoje, os dados são de que a grande maioria dos presos é
negra e pobre a partir dos 18 anos. Esse é o perfil do preso hoje. E isso vai
significar um acréscimo significativo no encarceramento da juventude pobre e
negra. Essa é a situação, é um sistema seletivo. Eu acho que isso é uma
sociedade doente, que não sabe formar seus jovens, ouvir sua juventude para a
construção de políticas. Se a única saída é o encarceramento, estamos
decretando uma falência completa.
Alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos, Inglaterra
e Suíça, aplicam penas a menores de 18 anos. Por que o Brasil deve seguir outro
caminho?
Primeiro que os Estados Unidos é um país desenvolvido, mas
tem a maior população carcerária do mundo. Então eu não posso acreditar que uma
população desenvolvida tem tanta gente na cadeia. Qual o conceito de
desenvolvimento? Para mim significa uma sociedade em que os direitos são
respeitados, onde as crianças podem ter uma vida digna, uma vida com
oportunidades.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das legislações
mais avançadas do mundo. O que falta é a gente conseguir efetivar isso no
estatuto. Ainda temos muito que avançar, no acesso à educação, à moradia digna,
dar condições melhores a uma população que deve ter acesso aos direitos.
O estado tem que atuar de forma integrada com a polícia, o
Judiciário... podemos melhorar ainda mais esse sistema. E fazer com que as
crianças e os adolescentes, ao cometer um delito, possam ter todo um sistema de
proteção, que preveja algum nível de punição também, mas que conclua uma
trajetória de paz.
Um dos argumentos a favor da PEC é o de que a restrição de
liberdade de um menor é de no máximo três anos, o que incentivaria a prática
criminosa. Qual sua opinião?
Sou contra, trabalhei com medidas socioeducativas e, nesses
casos, a taxa de reincidência é de 20%. Enquanto no sistema penitenciário é de
70%. Ou seja, não funciona.
Na sua avaliação seria mais fácil, dentro do presídio, o
jovem se tornar um alvo fácil das facções criminosas?
Os presídios têm organizações criminosas estruturadas. A
gente prolonga a vida do jovem lá dentro e ele vai voltar muito mais preparado
pelo crime, porque é onde as facções se organizam. A gente está promovendo um
encontro do adolescente com o crime organizado de forma bastante precoce.
É importante para o jovem ser integrado a outras políticas
públicas. Não podemos privá-los da educação, é preciso mudar a política
punitiva. Não é possível melhorar com a desumanização do adolescente, que raspa
o cabelo e diz 'sim senhor, não senhor'. Não acredito na pedagogia da porrada.
Pesquisas indicam que a maioria da população está de acordo
com a redução da maioridade penal. A PEC não seria então o atendimento à
vontade da sociedade?
Falta esclarecimento da sociedade. Há uma tentativa de voltar
para os anos 60 e 70 com teorias que foram superadas no processo pedagógico,
psicológico, sociológico. Esses métodos punitivos eram trabalhados lá atrás, já
avançamos muito. Hoje trabalhamos leis que não permitem a palmada, que não
permitem a violência. Esses jovens que cometem infrações são filhos da pobreza,
da ausência de direitos, fruto de violência, não têm um ambiente familiar com
carinho, amor. É preciso também colocar limites, mas isso não se faz com
porrada, e sim com acolhimento, com afeto, diálogo. A punição definitivamente
não é o melhor modelo de ressocialização.
De acordo com números da Unicef, de 21 mil adolescentes,
apenas 0,03% cometeram um ato com intenção de tirar a vida de outra pessoa.
Isso não é significativo, porque se constrói uma ideia de que as mortes são
cometidas por adolescentes em sua maioria, e não é verdade. O jovem, na
verdade, hoje é vítima da violência. Se olharmos o mapa da violência de 2014,
por exemplo, dos 56 mil brasileiros mortos, mais de 50% (30 mil) eram jovens.
Desses, dois terços negros. Isso representa cinco jovens mortos a cada duas
horas, ou 60 assassinados por dia. Muitas vezes a mídia reproduz um discurso de
que os jovens são violentos, quando na verdade o jovem está sofrendo violência.
Os números não desmentem que, ao invés de girarmos a nossa lente para o que
eles comentem, deveríamos olhar para o quanto eles são vítimas de um sistema
perverso. Como conseguiríamos reverter essa trajetória?
E qual vai ser o plano, se a PEC for aprovada no Congresso?
Alguns parlamentares do PT adiantaram que pretendem recorrer à Justiça caso
isso aconteça.
Primeiro que a PEC não tem previsão de veto presidencial. O
que os parlamentares afirmam é que [a questão da maioridade] trata de uma
cláusula pétrea e que se isso for quebrado, é possível recorrer ao STF. No caso
da Secretaria [de Juventude], pretendemos trabalhar integrados com outros
setores, como os ministérios da Justiça, da Igualdade Racial... para ajudar a
subsidiar a posição dos parlamentares em relação a todos esses aspectos que já
levantei aqui. Então trabalhar como diretriz de governo para que a gente possa
esclarecer a sociedade e ajudar a superar esse sentimento de impunidade, mas
desconstruindo uma cultura de violência que acredita que a punição é uma saída
para a solução da violência.
A estratégia do governo é mostrar que é o contrário: a
construção de uma cultura de paz, com direitos, é que são as alternativas
efetivas para a construção de uma sociedade igualitária, com direitos
respeitados. Estamos trabalhando juntos e vamos procurar os interlocutores no
Congresso. Acho também que são temas que a sociedade pode se organizar para
convencer os parlamentares da importância de não aprovar essa PEC. E também
discutir e reconhecer que existem interesses escusos por trás dessa proposta,
muitas vezes sustentados por bancadas da arma no Congresso, por quem tem lucros
exorbitantes fomentando a cultura do medo. É preciso lutar contra esses
interesses privados. Queremos colocar essa discussão da promoção dos direitos
humanos.
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