Por Umberto Martins, no site da CTB:
Os acordos bilionários fechados entre a presidenta Dilma e o
premiê chinês, Li Keqiang, na última terça-feira, 19, com intenções de
investimentos estimados em US$ 53 bilhões, são um forte sinal de que estamos a
caminho de uma nova ordem mundial e que esta será liderada pela China.
A isto se acrescenta o contrato firmado entre a Caixa
Econômica (CEF) e o Banco Industrial e Comercial da China para criação de um
fundo de US$ 50 bilhões para financiar projetos de infraestrutura e outro fundo
bilateral de cooperação produtiva da ordem de US$ 20 bilhões anunciado por
Keqiang durante a reunião no Palácio do Planalto.
O líder chinês deve concluir sua turnê pela América do Sul,
que inclui ainda os membros da Aliança Transatlântica criada pelos EUA
(Colômbia, Peru e Chile), na próxima terça-feira, 26. Retorna a Pequim deixando
as relações econômicas entre a próspera potência asiática e os países
latino-americanos num novo e elevado patamar. Objetivamente, a China (maior
promotora de investimentos externos em desenvolvimento no globo) está criando
uma atraente alternativa ao combalido sistema financeiro ocidental,
hegemonizado pelos EUA e a cada dia mais fechado e hostil aos adversários e
inimigos do império, na provisão de investimentos externos para a região, assim
como para a Rússia, África e Ásia.
Contraste
Em 2014, a China, que já se transformou na maior parceira
comercial dos países latino-americanos, emprestou US$ 22 bilhões de dólares à
região, 71% a mais que em 2013, o que eleva a US$ 119 bilhões o total da dívida
da região com Pequim. A Venezuela já recebeu mais de US$ 50 bilhões e a
Argentina recentemente contornou o sufoco financeiro com recursos chineses.
Este movimento contrasta notoriamente com o comportamento
dos Estados Unidos e das instituições ditas multilaterais que promovem seus
interesses, caso do FMI e Banco Mundial. O império não tem medido esforços para
desestabilizar política e financeiramente os países rebeldes da América Latina
que lideraram as iniciativas que conduziram à derrota da Alca em 2005, bem como
a criação da Alba, Unasul e Celac.
Além disto, os EUA já não têm nada de bom a oferecer em
matéria de economia política e financiamento externo, ao contrário do rival
asiático. Estão empenhados, com exclusividade, em espoliar as riquezas da
região e apoiar iniciativas golpistas na Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras,
Paraguai e também no Brasil.
Indústria e finanças
A China não deve sua ascensão às finanças. Seu poder
econômico, que já superou o norte-americano, emana claramente da indústria. O
lucro extraído pela indústria no comércio exterior (o superávit comercial
obtido principalmente nas relações com os EUA) tem sido a principal fonte de
suas reservas, as maiores do mundo que hoje estão próximas de US$ 4 trilhões.
Mas essas reservas transformaram a China em potência financeira e conferiram
uma nova qualidade e força à presença e intervenção econômica do país no mundo.
Subtraindo o ouro, as reservas constituem, por definição,
investimentos externos. Há poucos anos atrás esses investimentos estavam
concentrados em títulos do governo estadunidense, o que transformou Pequim no
maior credor da Casa Branca e uma espécie de grande banqueiro do império,
inclusive no financiamento de suas aventuras, que também alimentou o
parasitismo da sociedade estadunidense, parasitismo traduzido no déficit
comercial e no vício coletivo de consumir além dos próprios meios que produz,
que provocou a decadência da ordem criada em Bretton Woods e a atual crise
geopolítica, crise de hegemonia.
Ao longo dos últimos anos, os dirigentes comunistas da China
decidiram diversificar as aplicações no exterior, reduzindo a exposição aos
papéis emitidos pelo governo estadunidense, um capital fictício sujeito a forte
depreciação, e priorizando progressivamente os investimentos diretos (IED) e
indiretos (IEI) nos países que no passado Mao classificou de Terceiro Mundo, na
África, Ásia e América Latina.
Investimentos estratégicos
Liderados pelo Estado, principalmente pelos bancos públicos,
os investimentos não têm apenas um objetivo econômico, não visam apenas o lucro
e neste momento favorecem e parecem imprescindíveis aos receptores,
destacadamente aqueles que estão sob o cerco do imperialismo (como é o caso da
Rússia, da Venezuela e da Argentina). Acima disto, têm um sentido político e
estratégico, respondem ao esgotamento da ordem internacional hegemonizada pelos
EUA e pavimentam o caminho para um novo arranjo geopolítico internacional.
Diferentemente das potências ocidentais os empréstimos
chineses não têm a função improdutiva de garantir o pagamento dos juros e a
valorização do capital financeiro. Visam o desenvolvimento nacional do Terceiro
Mundo, concentram-se em infraestrutura e energia. Em que pesem as contradições
e problemas no relacionamento da China com a Brasil e América Latina (como a
divisão internacional do trabalho subjacente às relações comerciais) a ascensão
da potência asiática, refletindo o deslocamento do poder econômico do Ocidente
para o Oriente, está em sintonia com as iniciativas dos governos e forças
progressistas da região para a integração política e econômica em oposição ao
projeto hegemonista do império, conforme argumentei no artigo anterior
(http://portalctb.org.br/site/noticias/opiniao/25701-o-refor%C3%A7o-da-alian%C3%A7a-global-entre-china-e-r%C3%BAssia).
A criação do banco do Brics e do banco asiático para
infraestrutura vai acelerar este movimento, contra o qual, aliás, os Estados
Unidos nada podem fazer nas esferas da economia e da política. A transição para
uma nova ordem mundial vai ganhando corpo objetivamente através desses fatos e
é um acontecimento histórico que parece se desenvolver de forma mais rápida do
que o pensamento e as teorias a respeito do tema.
Brasil e América Latina sempre foram considerados
depreciativamente como um mero quintal do império e esta concepção imperialista
foi reiterada pelo secretário de Estado John Kerry em abril de 2003 num
discurso perante o Comitê de Comércio Exterior da Câmara dos EUA. Porém, isto
já não é mais verdade, desde a eleição de Hugo Chávez em 1998 na Venezuela a
região vem se rebelando, rejeitou a Alca e criou a Celac sem a presença dos EUA
e Canadá. O imperialismo perdeu moral e influência política e está a caminho de
perder a hegemonia financeira. A ascensão chinesa favorece a luta dos povos e
nações latino-americanas e caribenhas pela soberania e a integração solidária.
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