Por Vittorio de Filippis, no site Outras Palavras:
A transferência, para os Estados, das dívidas privadas
tóxicas de 28 grandes bancos “sistêmicos”, durante a última crise financeira,
explica as políticas de austeridade praticas na Europa.
Francesas, europeias ou norte-americanas, todas as
autoridades bancárias asseguram: se o mundo viver uma nova crise financeira,
comparável à de 2007-08, nem os Estados, nem os contribuintes vão pagar as
consequências. É possível acreditar?
O economista François Morin, professor emérito da
Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês, tem uma
resposta categórica: não. Em L’Hydre Mondial [A Hidra mundial], um livro
publicado em maio, e no qual ele menciona dados inéditos, Morin mostra como 28
bancos de porte mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do
interesse público.
Para colocar os cidadãos a salvo de desastres financeiros
futuros, o autor considera que é necessário destruir estes bancos, que ele
compara a uma hidra, e resgatar a moeda para a esfera pública. Eis sua
entrevista:
Como um punhado de bancos tomou a forma de uma hidra
mundial?
O processo é perfeitamente claro. Depois da liberalização da
esfera financeira iniciada nos anos 1970 (taxas de câmbio e de juros definidas
pelo mercado e não mais pelos Estados, e liberalização de movimento do
capital), os mercados monetários e financeiros tornaram-se globais em meados
dos anos 1990. Os maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse
novo espaço de intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as
condições para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo
assumiu rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço
total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em
2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)!
Desde 2012, descobriu-se também que esses bancos muito
grandes se entenderam entre si de forma fraudulenta a partir de meados dos anos
2000. A partir desse momento, esse oligopólio transformou-se numa hidra
devastadora para a economia mundial.
Em que esses bancos são sistêmicos?
Estes 28 bancos foram declarados, acertadamente,
“sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011. A análise das causas da
crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não podia deixar pairar
qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no desencadeamento do
processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos”, que
espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo.
Lembremo-nos de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias
a seus possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm
caráter muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se
catastrófica, em caso de uma crise. No entanto, apenas 14 bancos com
importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o
montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, mais
de 10 vezes o PIB mundial!
E você afirma que eles praticam acordos fraudulentos?
Múltiplas análises demonstraram que esses bancos ocupam
posições dominantes sobre vários grandes mercados (de câmbio, de títulos de
dívida e de produtos derivados). É característico de um oligopólio. Mas desde
2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão
Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses
bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays,
Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase,
Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em
bandas”. A imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a
manipulação do mercado de câmbio ou da Libor [taxa de referência para juros
interbancários, estabelecida em Londres], demonstra que esta prática existe.
O mundo está sentado sobre uma montanha de bombas-relógio
financeiras montadas unicamente por este punhado de bancos?
Há várias evidências de muitas bolhas financeiras que podem
estourar a qualquer momento. As bolha do mercado de ações só pode ser explicada
pelas enormes injeções de liquidez, por parte dos bancos centrais. Mas, acima
de tudo, há a bolha da dívida pública que atingiu todas as grandes economias.
As dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente
transferidas para os Estados, na última crise financeira. Este
superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a esses bancos,
explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em cada vez mais
países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se vê na Grécia.
Regulação de derivativos – inclusive de crédito –, luta
contra o “sistema bancário da sombra”, reforço dos fundos próprios, separação
entre bancos de depósito e de investimento… não se pode dizer que nada foi feito
para estabelecer algum controle sobre os bancos.
Vamos olhar mais de perto. O “sistema bancário sombra”, ou
seja, o sistema financeiro não regulamentado, não pare de crescer – notadamente
através do oligopólio bancário – para escapar das normas de supervisão e, em
primeiro lugar, para negociar com derivativos. O reforço de capital próprio dos
maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em nenhuma legislação em vigor há uma
verdadeira separação “patrimonial” das atividades bancárias. Em suma, o lobby
bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o
oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava
antes da crise.
Como os Estados tornaram-se reféns do oligopólio sistêmico
que são os bancos?
Depois dos anos 1970, os Estados perderam toda a soberania
monetária. Eles são responsáveis. A moeda agora é criada pelos bancos, na
proporção de cerca de 90%, e pelos bancos centrais (em muitos países,
independentes dos Estados) para os restantes 10%. Além disso, a gestão da
moeda, através de seus dois preços fundamentais (as taxas de câmbio e taxas de
juros) está inteiramente nas mãos do oligopólio bancário, que tem todas as
condições para manipulá-los. Assim, os grandes bancos têm nas mãos as condições
monetárias para o financiamento dos investimentos, mas sobretudo do para o
financiamento dos déficits públicos. Os Estados não são apenas disciplinados
pelos mercados, mas sobretudo reféns da hidra mundial.
Há portanto uma relação quase destrutiva desses bancos com
relação aos Estados
Essa relação é, de fato, devastadora. Nossas democracias
esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de
manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja
instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações
financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é
pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão
pública.
Mas os bancos não permitem aos Estados financiar os déficits
orçamentários?
Não devemos esperar que os bancos privados defendam
interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus lucros, que eles podem
realizar por meio de suas atividades financeiras particulares, ou de suas
atividades especulativas. Seus gestores olham para os Estados como para
qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a rentabilidade de
um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um
ativo financeiro, tal como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre
o qual é igualmente permitido especular.
Na mitologia grega, Hércules é o encarregado deve matar a
hidra. E em nosso mundo: onde está o Hércules capaz de matar a hidra bancária
mundial?
Sobre isso, não há dúvidas. Nosso Hércules de amanhã será um
ator coletivo, uma futura comunidade internacional, de legitimidade democrática
incontestável, libertada de seus dogmas neoliberais, e suficientemente
consciente de seus interesses de longo prazo para organizar o financiamento da
atividade econômica mundial. Dito de outra forma, um ser ainda imaginário! Um
primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods fosse convocado
para criar uma moeda comum em escala internacional, e não apenas no contexto
das soberanias monetárias nacionais restauradas.
Você aposta na inteligência política?
Sim, certamente! Mas, sobretudo, aposto na inteligência dos
cidadãos do nosso planeta. As redes sociais podem ser instrumentos formidáveis
para criar esta inteligência política, de que temos extrema necessidade hoje.
Estariamos caminhando para um desastre de escala sem
precedentes?
Ele está diante de nós. Todas as condições estão maduras
para um novo terremoto financeiro ocorrer, quando os Estados estão exangues.
Ele será ainda mais grave do que o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque
seus efeitos econômicos e financeiros serão desastrosos e suas consequências
políticas e sociais podem ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência
democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
Os bancos estão todos podres? As finanças, necessariamente
perversas?
Quando um oligopólio superpoderoso administra o dinheiro
como um bem privado, não podemos ser surpreendidos pela lógica financeira que
resulta daí. Os bancos buscam metas de lucro, com a tentação recorrente, entre
os maiores, de fazer acordos oligopolistas. A hidra bancária nasceu há cerca de
dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de poderes, entre
bancos avassaladores e poderes políticos enfraquecidos, parece agora
inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual – só pode
ocorrer por meio mobilização de cidadãos que estejam plenamente conscientes do
que está em jogo.
* Tradução de Inês Castilho
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