O primeiro documento com tal informação é datado de 15 de
setembro, duas semanas antes do primeiro turno das eleições gerais, em que Luiz
Inácio Lula da Silva seria reeleito.
“Há coisas mais importantes a serem discutidas e,
adicionalmente, as investigações, que entram quase automaticamente na pauta das
reuniões do Comitê Executivo, não revelaram nada relevante até o momento”,
argumentou ao pessoal da embaixada dos EUA em Paris o embaixador brasileiro,
Luiz Filipe de Macedo Soares.
O embaixador disse que a “inquisição” sobre a representação
em Brasília estava gerando um clima de “ansiedade geral”, dando a entender que
havia algo errado, o que não era o caso. Argumentou que levantar essa poeira
arranha a imagem da Unesco no Brasil e espalha “pequenas doses de veneno” que
danificam a reputação e credibilidade de instituições públicas e privadas,
referindo-se ao Ministério da Educação e à TV Globo, conclui a embaixada em
Paris.
A Globo é mencionada por causa do Criança Esperança, ONG
para a qual emissora teria arrecadado cerca de 40 milhões de dólares desde
1986, ou seja, em 20 anos. A Unesco teria ficado com 10% desse montante, por
conta de uma “taxa de serviço”.
Os telegramas não alegam irregularidade nisso. Apenas citam
montantes, como este outro: “É válido notar que um terço da verba
extra-orçamentária da Unesco (cerca de 124 milhões de dólares) passa pelos
cofres do escritório brasileiro”.
A visita do embaixador brasileiro pode ter sido um tiro pela
culatra, conclui a embaixada. “Em vez da receptividade esperada por ele, seus
comentários nos deram mais moviots para questionar a posição do diretor-geral
sobre a situação no Brasil”.
Um documento do início daquele ano revela que a chefia da
Unesco falava em ponderação ao debater os assuntos brasilienses. Um
representante do diretor-geral defendeu uma “estratégia de transição para
permitir uma transferência progressiva das atividades dos projetos em questão”,
a fim de “não interromper projetos de impacto nacional”.
Não se pode afirmar, no entanto, que o “tiro pela culatra”
se refere especificamente a isso. Nos documentos vazados pelo Wikileaks sobre
esse assunto, há um vácuo entre abril e setembro.
O que procuramos fazer aqui foi identificar os pontos mais
relevantes dos telegramas e entender o que se passava. Uma coisa é certa. Os
americanos em Paris estavam impressionados com os relatos sobre irregularidades
em Brasília e a cúpula da Unesco estava preocupada em não criar embaraços com o
governo brasileiro.
Viagens e suspeitas
O governo brasileiro, pelo jeito, jogou para ganhar. A ponto
de John Parsons, diretor do que seria a corregedoria interna da Unesco, ter
ameaçado abandonar seu posto tamanha a campanha de difamação promovida contra
ele, segundo documento de 26 de setembro de 2006.
Outra atitude de Brasília foi vetar o nome do americano
Richard Goughnour, indicado por Matsuura, para assumir o escritório na capital
federal. Segundo a embaixada em Paris, foi uma medida “muito inusitada”.
Inusitados também são os números referentes a missões
internacionais do escritório da Unesco em Brasília. Em menos de um ano, o
escritório teria empenhado 60 milhões de dólares em 30 mil viagens – o que
daria cerca de 80 por dia – e cancelado nada menos que mil viagens por mês.
A agência responsável teria sido escolhida sem licitação e
pedidos de abertura de concorrência estariam sendo ignorados desde 2001, apesar
de recomendações “insistentes” do auditor. Parsons aí levantou a hipótese de
“lavagem de dinheiro”, segundo um telegrama.
O assunto começou a ganhar corpo com o telegrama de 26 de
setembro de 2006, intitulado “Novas informações alarmantes sobre a sede da
Unesco em Brasília”, que cita John Parsons, “em off”, como fonte das
informações e pede que seu nome seja protegido. O nome de Parsons também
aparece no documento que informa sobre a ação penal em curso. Foi ele quem
entregou à Embaixada dos EUA em Paris a cópia da carta endereçada ao
diretor-geral, “demonstrando mais uma vez disposição de se arriscar para
trabalhar próximo a nós (fecha aspas).
Agora as aflições do auditor não são mais segredo e tudo que
a diplomacia americana conjecturou sobre esse tema está “em on”, aqui na
Pública, graças ao Wikileaks.
A representação da Unesco em Brasília disse que não se
manifesta sobre documentos não oficiais e que todas as suas ações no Brasil
estão amparadas na lesgislação. A Unesco se recusa a informar quanto recebe do
governo.
Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos
referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas
independentes e estão sendo publicados nesta semana pela agência Pública.
Fonte: http://www.apublica.org
Nota da Rede Globo
Em uma nota divulgada no dia 8 de junho de 2011 para
esclarecer rumores sobre possíveis benefícios fiscais que a emissora teria com
a campanha, a Rede Globo informou que nenhuma doação do Criança Esperança passa
pela emissora. De acordo com dados da própria emissora, já foram arrecadados
mais de R$ 270 milhões até a última campanha.
Procurada pela reportagem, a emissora carioca respondeu, em
nota, que “desconhece os documentos citados [do WikiLeaks]”, e informa que a
parceria com a Unesco, que não traz nenhuma cláusula referente a pagamento de
“taxa de serviço”, teve início apenas em 2004.
Leia a nota da Rede Globo na íntegra:
“A Globo desconhece os documentos citados. Mas esclarece que
não mantém parceria com a Unesco desde 1986, ano do lançamento do projeto
Criança Esperança. A parceira com a Unesco começou apenas em 2004. Neste
acordo, não existe qualquer cláusula prevendo pagamento de taxa de
administração. Todos os custos referentes à gestão e administração do fundo
Criança Esperança, a cargo da Unesco, são integralmente pagos pela TV Globo com
recursos próprios. Há 28 anos o Criança Esperança contribui para a mobilização
da sociedade brasileira para a garantia dos direitos de crianças e jovens e já
beneficiou mais de 4 milhões de brasileiros.”
0 comentários :
Postar um comentário