Primeiro foram uns manifestantes.
(A Polícia Militar de São Paulo deteve 26 jovens antes de uma manifestação contra o governo Michel Temer na capital paulista no dia 6 de setembro. De acordo com o governo estadual, os adultos foram indiciados por associação criminosa, formação de quadrilha e corrupção de menores. Um juiz mandou soltar a todos, dizendo que não estamos mais em uma ditadura para prender alguém com o objetivo de simples averiguação.)
Mas não me importei com isso. Eu não era manifestante.
Depois atacaram alguns jornalistas.
(Irritado ao ter sua decisão criticada, o desembargador Ivan Sartori - um dos responsáveis por anular o júri do Massacre do Carandiru, que defendeu a absolvição dos policiais por acreditar que a morte de 111 presos ocorreu em "legítima defesa" - sugeriu que a imprensa de São Paulo recebe dinheiro do crime organizado. Isso ocorre pouco depois do fotógrafo Sérgio Silva ter sido considerado pela Justiça do Estado de São Paulo o único culpado por ser atingido por uma bala de borracha e perdido o olho esquerdo. O disparo partiu da Polícia Militar, cuja repressão a um protesto pela redução na tarifa dos transportes públicos, no dia 13 de junho de 2013, deixou um rastro de manifestantes e jornalistas feridos.)
Mas não me importei com isso. Eu também não era jornalista.
Então, foram os direitos dos mais pobres.
(O governo Temer, com o apoio de empresários, está tentando mudar a Constituição para impedir que investimentos públicos cresçam além da inflação. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que conta com apoio no Congresso Nacional, causará impactos em áreas como educação e saúde. Afinal, para tornar o ensino digno e acabar com as filas nos hospitais será necessário muito mais dinheiro. O governo federal tem apresentado medidas para combater a crise econômica que afetam a qualidade de vida dos mais pobres, mas não inclui ações como o aumento dos impostos dos mais ricos ou a taxação de dividendos vindos de empresas.)
Mas não me importei com isso. Eu também não era pobre.
Aí, calaram alguns estudantes.
(O Ministério da Educação vai implementar uma reforma do Ensino Médio por meio de uma Medida Provisória e não por um processo que deveria congregar Congresso Nacional e a sociedade. Com isso, ignora milhões de profissionais de educação, militantes que participam dos inúmeros fóruns e instâncias de educação no país e alunos que ocupam escolas em busca de uma voz. Ninguém nega que debater essa etapa de ensino é urgente, pois o desempenho é sofrível, o currículo é desinteressante e a evasão, monstruosa. Mas o governo preferiu silenciar o debate, baixando um “cumpra-se”, aplicando um novo modelo questionável e fora da realidade.)
Mas não me importei com isso. Eu também não sou mais estudante.
Em seguida levaram alguns cortadores de cana e pedreiros.
(O governo federal propôs uma Reforma da Previdência que estabelece uma idade mínima de até 65 anos para se aposentar, apontando que isso é a única saída para evitar que o país quebre. Com a mudança na expectativa de vida e na estrutura do mercado de trabalho do país é natural que se discutam mudanças na Previdência. Mas a mudança na lei está sendo conduzida a toque de caixa e sem o devido debate público. De acordo com alguns sindicatos, quem mais vai sofrer são os que começam a trabalhar muito cedo e atuam em atividades braçais, usando força física, e que, por isso, morrem antes do resto da população.)
Mas não me importei com isso. Eu também não era cortador de cana, nem pedreiro.
Depois ignoraram a Constituição.
(A maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta (5), que réus condenados pela Justiça podem ser presos a partir de sentença em segunda instância. Contudo, a Constituição Federal prevê o princípio da presunção da inocência, portanto, o direito à liberdade enquanto houver direito a recurso. Ou seja, quem não contar com uma boa banca de advogados para garantir um Habeas Corpus, fica na cadeia. No final do ano passado, o STF havia decidido que é permitida a invasão de domicílio à noite para a realização de busca e apreensão se a autoridade policial tiver "fundadas razões" para suspeitar da prática de um crime. A Constituição Federal demanda ordem judicial prévia para a invasão de domicílio. Como afirmou Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, arrombar a porta de um barraco continuará a ser bem mais fácil do que arrombar a porta de uma mansão.)
Mas não me importei com isso. Porque não preciso da Constituição.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde. Porque não me preocupei com ninguém.
(Íntegra do texto, no post do blog.)
0 comentários :
Postar um comentário