Publicamos entrevista com o sociólogo e
professor da Unicamp Ricardo Antunes realizada por Gilson Dantas, médico e
sociólogo, professor da Universidade de Brasília.
quinta-feira 20 de outubro| Edição do dia
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ED — O ex-deputado Eduardo Cunha foi
preso ontem; que significado isso pode ter na conjuntura? E que cenários se
pode imaginar a partir daí?
Ricardo Antunes: A prisão do Cunha é emblemática em muitas direções. No ponto mais
importante, o Cunha é há muito tempo uma figura chave no PMDB, tem relação
direta com o alto comando deste partido, do qual era figura de ponta; basta ver
o peso que teve na Câmara dos Deputados; e sua prisão simboliza que, em dado
momento desse processo, ele poderá delatar, o que é única alternativa para ele
não morrer na prisão e para diminuir os riscos da prisão da sua família.
Cunha é um homem raivoso, e quem ele
considera que saiu do esquema dele, ele tritura. Quando Dilma deixou de ser
aliada do Cunha e não o apoiou para presidente da Câmara dos Deputados, o
resultado foi que ele se tornou figura central para o impeachment da Dilma.
Hoje, o problema é que ele conhece todos os segredos do PMDB e ao mesmo tempo
ele está furioso, inclusive conhece o Temer, os acordos com caixa dois, verbas
espúrias, coisas que passavam pelo Cunha. Ele tinha dezenas de deputados que
dependiam dele, quantas negociatas não fez com governo e com o próprio Temer? A
viagem do Temer do Japão para cá não deve estar nada tranquila para ele; os
ministros expostos já são muitos. Há quanto tempo o Temer é presidente nacional
do PMDB? Ninguém é presidente nacional do PMDB e fica impune dentro disso. A
crise é profunda e pode ser o começo do fim de um governo que subiu pela via
golpista e ilegítima.
ED - Nas últimas eleições o PT sofreu
ampla derrota e, no entanto, o PSOL não cresceu na mesma proporção; como você
vê este desencontro?
O golpe que depôs a Dilma não foi
apenas contra o PT, é evidente para mim que esse golpe foi um rearranjo das
classes dominantes num momento de crise econômica, social e política profunda.
E há no cenário mundial, latino-americano e mundial, uma crise muito virulenta.
Lembrando do Florestan Fernandes e fazendo aqui uso livre dele, podemos falar
em contrarrevolução burguesa preventiva de amplitude global. Você tem as
direitas duras, veja a própria Inglaterra saindo da Europa unida, através de um
movimento capitaneado pela direita nacionalista e xenófoba, temos uma extrema
direita muito forte na França, na Áustria, além da Itália. Este cenário vem
contaminando muito de 2014 para cá, você lembra a ofensiva da direita nas
manifestações contra a Dilma e que são, de fato, contra a esquerda, os
socialistas os comunistas.
O desgaste do PT no plano eleitoral é
uma tragédia, a incapacidade do PT em se legitimar, e ter fracassado nesse
projeto, é entendida pela massa conservadora das classes médias e até por
setores da população que são manipulados todos os dias pela mídia, televisiva,
no sentido de que o PT é esquerda, a esquerda foi um horror, e isso contaminou
toda a esquerda, o PT, o PCB, o PSTU, afetou toda a esquerda, na base do
"votemos contra a esquerda"; sem falar que o PSOL também tem
dificuldades, veja agora no Rio, Porto Alegre, duas cidades em que o PSOL vai
bem, onde conseguiu pegar algum espaço, e veja que a Luciana Genro conseguia
pontuar com níveis altos, com alguns segundos na TV, daí é excluída do debate,
Erundina foi excluída do debate, 11 segundos não dá; veja no Rio, onde Freixo
tem todo o centro e a direita e até setores da centro-esquerda que não votam
nele e entram na campanha pró-Crivella; só em Belém do Pará é que o Edmilson
tem mais chance; ainda que no Rio não sabemos o resultado, e no Rio de Janeiro é
claro que temos a militância.
Na minha condição, como alguém que é
militante do PSOL, e que ajuda como pode, não me surpreende que se veja o
momento como adverso para a esquerda, que precisa preparar no médio e longo
prazo novos líderes populares, nos movimentos sociais, menos ação parlamentar;
o PSOL paga também um pouco o preço de um certo parlamentarismo, precisamos nos
fortalecer nas lutas extraparlamentares, sociais, sindicais; o PSOL tem
procurado avançar, mas esse terreno está muito aberto a partir da crise
visceral do PT; é muito importante conquistar espaço não só nas eleições, mas
na lutas sociais.
As eleições só passam a ter significado
positivo e resultam em vitórias substanciais quando a luta e o envolvimento dos
partidos nas lutas sociais sejam o mais importante; e, por fim, é importante
entender que há um sentimento anti-partido muito forte; e o conjunto dessas
coisas é que explica a dificuldade que o PSOL e demais partidos à esquerda do
PT tiveram nessas eleições.
ED - O que o PSOL e a esquerda deveriam
fazer para não repetir os erros do PT, por exemplo, alianças espúrias [como fez
Haddad em São Paulo], alianças com a burguesia?
Primeiro a pergunta: o foco do PSOL é
ter mais vereadores e mais parlamentares ou o foco é organizar as lutas sociais?
Um não exclui o outro, mas tenho que ter claro o objetivo principal. Se eu
organizo lutas sociais, lutas sindicais, lutas das periferias, lutas da classe
trabalhadora, lutas dos negros, mulheres, dos homossexuais, terei como
consequência a eleição de vereadores e parlamentares engajados nessas
lutas. Mas esta eleição de vereadores e parlamentares não é prioridade, é consequência importante.
A luta prioritária não se decide no parlamento. Se houvesse hoje no Brasil um
movimento devastador contra esse parlamento, como tivemos em 2013, ele não
teria feito nada do que fez [dos ataques atuais], porque esse parlamento é um
bando quase completo, de prevalência pantanosa, é um parlamento que toma
medidas cada dia piores.
Em 2013, quando se tomou as entradas
aqui no congresso nacional em Brasília os parlamentares estavam com medo, não
tomaram nenhuma medida. É preciso que voltem as lutas sociais, e o PSOL tem que
priorizar isso.
Quais são alguns dos maiores equívocos
do PT, portanto? Primeiro, ganhar eleição a qualquer preço, o que significa
fazer aliança com qualquer um para ter mais espaço na TV. O PT foi fagocitado
por forças que ele criou como seus aliados, nunca se pode esquecer que o Temer
foi escolhido para ser homem de confiança do PT. E o esquema Temer, o esquema
Cunha e do PMDB, toda essa massa de partidos do pântano que votaram no
impeachment da Dilma, exceção dos Democratas – ironia completa, “democratas” -
e PSDB, todos os demais passaram pelo PT, essa coisa de fazer aliança deus e o
diabo na era do inferno leva a essa era de trevas que estamos vivendo.
É muito mais digno perder uma eleição
com coerência e com uma proposta séria, do que mistificar ou fazer propostas
para ganhar eleições e depois não se cumpre, ou é falso. O PSOL tem que ter
como princípio a coragem de defender seus valores e seus princípios, e depois,
em um dado momento da história, esta será um pouco mais generosa para nós. O
momento agora é de resistência e de luta. Quando nós falamos em
contrarrevolução não é brincadeira, cada dia mais esse parlamento traz medidas
para destroçar conquistas sociais diretos populares, conquistados nos últimos
quarenta ou cinquenta anos. Temos que resistir para dar depois um salto mais
adiante.
ED - O Temer encontrará dificuldades
para consumar o golpe até o fim? Qual a natureza dessas dificuldades?
São grandes dificuldades. Primeiro
porque o projeto é tão destrutivo em um país que já tem 12 milhões de
desempregados, sendo o índice real superior a isso, e somando mais subemprego,
desalento, chega a 30 milhões, e isso em um contexto onde a força de trabalho
gira em torno dos cento e poucos milhões. É uma situação onde fábricas e
empresas fecham a cada dia. As classes médias, conservadoras, que deram base
social para a deposição do governo Dilma, não têm nenhum encanto pelo governo
Temer. E mais, ele nasce de um golpe, o que significa carregar uma natural
ilegitimidade. Se o Cunha avançar na delação, muitos ministros do Temer serão
perseguidos pela Lava a Jato.
Mas a verdadeira pedra no sapato do
governo Temer são as lutas sociais. Havendo movimentos e desgastes do governo
temer, pela via dos “fora Temer”, e na percepção de que seu projeto é
amplamente destrutivo para todas as classes populares, é isso que pode colocar
areia na engrenagem que já não anda bem, que nasce da ilegitimidade. Alguém tem
ilusão que as medidas do Meirelles vão deixar de aprofundar a crise econômica?
Elas vão aprofundar a dependência em relação ao capital financeiro, elas vão
levar adiante aquele ajuste selvagem. As ideias que norteiam o governo Temer,
tipo rebaixar o nível salarial das camadas trabalhadoras de modo brutal,
destruir os direitos trabalhistas, daí a terceirização geral, com os PLs
[antigo 4330] que cria terceirização geral e retoma a escravidão moderna no
Brasil, a prevalência do negociado pelo legislado [onde a patronal pode
arrebentar a legislação com negociações de fundo de quintal, ilegítimas], o
negociado acaba destruindo a legislação existente no que ela tenha de positivo.
E a reforma da previdência: se você tem desemprego hoje atingindo milhões de
pessoas e se você aumentar o tempo de trabalho vai aumentar o desemprego! Uma
medida plausível hoje seria a redução da jornada de trabalho e do tempo longevo
do trabalho. O governo Temer é destrutivo e somente as lutas sociais podem
devolvê-lo ao lugar de onde ele nunca deveria ter saído, do pântano da
história.
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