18 de Outubro de 2016, 7h00
O CONGELAMENTO DO Orçamento do governo federal por um período
de duas décadas, proposto na PEC 241, é algo sem precedentes em ajustes de
contas públicas experimentados ao redor do mundo. Essa é a avaliação dos
especialistas em orçamento público Evert Lindquist, da University of Victoria,
e Allan Maslove, da Universidade Carleton, no Canadá.
Ambos são defensores de uma
visão pragmática do Estado na economia e defendem ajustes nas contas públicas
em momentos de crise, como o vivenciado pelo Brasil. Eles foram
apresentados pelo The Intercept Brasil ao conteúdo resumido da
PEC 241, já aprovada em primeira votação na Câmara, e chamaram a atenção para
as particularidades do caso brasileiro, em contraste com experiências
verificadas em outros países.
“Eu não tenho conhecimento de nenhum
outro país que tenha instituído congelamentos por um horizonte tão amplo”,
afirma Lindquist, que dirigiu a School of Public Administration até 2015 e é
especialista em processo orçamentário e reformas no setor público. “Claramente,
o que o governo do Brasil está fazendo é enviar um forte sinal para os
cidadãos e para o mercado, mas é difícil para qualquer governo
planejar nem que sejam cinco anos para a frente.”
Lindquist menciona o caso do
Canadá, que adotou, em meados dos anos 90, reforma parecida com a que o Brasil
tenta agora fazer, mas com diferenças fundamentais. A primeira delas é que, lá, o ajuste foi
programado para um período de três anos. Na Holanda, caso mais
recente e usado como exemplo pelos parlamentares governistas, o controle de
gastos ocorre de quatro em quatro anos.
Uma outra diferença bastante
importante foi a discussão que antecedeu a reforma e o método utilizado para
analisar os programas de governo que poderiam ser objetos de corte financeiro
ou até mesmo eliminados. O governo canadense, na época, criou uma sequência de
seis perguntas-teste. Caso o programa de governo não passasse em todos esses
critérios, ele era eliminado. A primeira pergunta era: “Esse programa ou
atividade continua a servir ao interesse público?”. A segunda: “Há uma legítima
e necessária participação do governo nesse programa ou atividade?”. E por aí
vai. No Brasil, não existe nada parecido com isso.
“Desconheço qualquer país que
tenha tentado fazer algo assim. Eu acho que, de maneira geral, não há nada que
recomende algo assim, porque deixa futuros governos de mãos atadas para os
desafios e necessidades que poderão surgir daqui a alguns anos”, diz outro
especialista na área orçamentária, Maslove, também do Canadá.
No caso brasileiro, daqui a dez
anos – também um período excessivamente longo, na visão dos especialistas –
será possível alterar a forma pela qual se dará a atualização do teto ano a
ano. Mas o congelamento permanece por 20 anos, a não ser que um novo governo
consiga ter apoio político suficiente para enviar uma nova proposta de emenda
constitucional ao Congresso – além da chancela do empresariado e investidores
que agora comemoram a PEC 241. Embora não seja impossível, não seria nada
trivial conseguir mudar o rumo das coisas no futuro.
“A ‘dor’ deveria ser distribuída de
maneira justa”
Uma outra diferença em relação
ao caso canadense foi a adoção de fatores de “prudência”, de forma a proteger a
economia em caso de situações inesperadas. Entre elas, foram adotadas previsões
fiscais abaixo da média apresentada pelo mercado e a criação de uma
reserva de contingência, entre outras. No caso brasileiro, não existe qualquer
ação protetiva, seja em caso de desastre, seja em caso de boom de crescimento
que permita uma garantia maior aos programas de governo.
Para Lindquist, o correto seria
o governo fazer um planejamento de médio prazo, que considerasse como gatilhos
para futuras mudanças o desenvolvimento da economia doméstica e internacional,
assim como o preço de itens como a energia e outros recursos naturais.
No campo da saúde e da
educação, que, no Brasil, é o que está gerando mais polêmica, a contenção de
despesas é vista pelos pesquisadores como algo natural: num cenário de aperto
fiscal, todas as áreas acabam sofrendo as consequências. No entanto, ambos
concordam que saúde e educação podem ser encarados como “investimentos de longo
prazo”.
“Eu acredito que investimento
em capital humano (educação) provavelmente tem uma das mais altas taxas de
retorno sobre investimento, mas outros investimentos são também importantes e
não podem ser negligenciados”, afirma Maslove, citando infraestrutura física,
como transporte, mobilidade urbana e comunicações.
O silêncio em relação a uma reforma
tributária no Brasil, que ao menos corresse em paralelo ao
congelamento dos gastos públicos, também é notado pelos especialistas. “O que
aconteceu no Canadá foi que líderes do governo central e das províncias
reconheceram que, para viabilizar apoio público para as iniciativas de redução
de despesas, a ‘dor’ deveria ser distribuída de maneira justa”, diz Lindquist.
Para ele, um caminho seria forçar de maneira mais firme que devedores paguem os
impostos devidos ou sonegados, além de o governo usar sua base capaz de alterar
a Constituição para também reformar o sistema tributário, de forma que “todos
paguem uma parcela justa”.
As punições previstas na PEC
241 também chamam a atenção dos acadêmicos consultados pelo The
Intercept Brasil. Lindquist alerta para os custos que poderão surgir como
consequência de ações restritivas mais imediatas, como a proibição da
realização de novos concursos públicos em caso de descumprimento do teto de
gastos.
“Redução de mão-de-obra no
setor público, interrupção de contratações e congelamento de salários não são
algo incomum em estratégias de governo”, diz o especialista. “Os governos têm
de considerar quando eles irão precisar recrutar novos talentos para o setor
público, particularmente em áreas de expertise mais específica, como tecnologia
da informação, análise de políticas públicas e outras. O governo vai estar sob
pressão para entregar certas ações e metas, e se uma mão-de-obra de um setor
público dizimado não consegue cumprir esses planejamentos, então eles vão
recorrer à contratação de consultores, o que tem um custo maior no curto
prazo”.
Para Lindquist, os cortes que o
governo quer promover “podem pavimentar o terreno para a renovação das instituições
do serviço público, mas apenas se isso for feito de forma inteligente” e se, em
paralelo, o governo tiver planos que valorizem o mérito e a competência para a
modernização do setor público.
A PEC 241 não faz qualquer referência a isso.
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