A Operação Lava Jato completou três anos neste mês de março com impactos controversos em diversas áreas. Numa economia já em crise, as investigações findaram por deixar um saldo de obras paradas, corte de investimentos, empresas quebradas e muitas demissões. De acordo com a Federação Única de Petroleiros (FUP), setores que foram atingidos, direta ou indiretamente, pela operação perderam cerca de 2 milhões de postos de trabalho em 2015 e algo em torno de 1 milhão em 2016.
José Maria Rangel
Com contratos suspensos e sem acesso a crédito, muitas companhias, em especial os fornecedores da Petrobras, fecharam as portas ou entraram em recuperação judicial. Grandes empresas decidiram vender ativos e têm problemas para pagar suas dívidas. No fim, tem sobrado para o trabalhador, com os números de desemprego a subir de forma assustadora.
Os setores de óleo e gás e da construção civil foram os mais afetados. “Destruição” é uma palavra muito utilizada para falar do assunto. ”A Lava Jato tem, na realidade, destruído o setor de óleo e gás do país”, avalia o presidente da FUP, José Maria Rangel, em entrevista ao Vermelho.
"Em relação à construção da infraestrutura, o que está em curso é a destruição da nossa capacidade gerencial, administrativa e tecnológica acumulada ao longo de mais de seis décadas. Está se arrasando a capacidade da engenharia brasileira”, também aponta o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, em recente entrevista ao UOL.
Bombardeio à Petrobras
Para José Maria Rangel, a Lava Jato interrompeu um projeto de desenvolvimento industrial e tecnológico centrado na Petrobras. Para ele, “a operação tem sido utilizada como pretexto para aniquilar toda a cadeia de petróleo nacional e reduzir o papel da petroleira brasileira no setor”.
Na sua opinião, uma boa forma de analisar as consequências da Lava Jato na economia é comparar o Brasil de antes da operação com o de hoje. “Se você pegar, por exemplo, o tamanho e a importância que a Petrobras tinha no governo passado, no cenário mundial, e a que tem hoje, é um retrocesso”, aponta. Nessa comparação, ele destaca o bom momento que a petroleira vinha experimentando, a partir do governo Lula.
De acordo com levantamento da FUP, o lucro líquido anual da estatal saltou de R$ 8,1 bilhões em 2002 para R$ 23,5 bilhões em 2013; os investimentos realizados foram de R$ 18,8 bilhões em 2002 para R$ 55,3; a produção de óleo saiu de 1,5 milhões de barris/dia em 2002 para 2 milhões de barris/dia em 2013; a participação do setor no PIB aumentou de 3% em 2000 para 13% em 2015; os empregos na indústria naval cresceram de 7,5 mil em 2003 para 82 mil em 2014 e os empregos na própria Petrobras saíram de 167.743 empregados em 2002 para 446.288 em 2014.
Para Rangel, a Lava Jato tenta passar a ideia de que o crescimento da petroleira é o motivo dos problemas de corrupção da companhia. E, como consequência desta visão, o remédio tem sido corte de investimentos e venda de ativos – um duro golpe no projeto da Petrobras como uma empresa integrada com papel central no desenvolvimento do país.
“A Lava Jato primeiro fez um processo de bombardear a Petrobras. Desde 2014, todo dia você tem uma notícia negativa sobre a Petrobras. No imaginário da sociedade, essa é uma empresa corrupta, que, portanto, não pode ter o tamanho que tem”, opina.
A corrupção, contudo, não é um problema endêmico da Petrobras, mas uma questão sistêmica, que está presente em todo o setor, por causa do seu tamanho econômico e do volume de recursos envolvidos em suas ações.
“Segundo a Organização Para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o setor com o maior número de casos de corrupção é o de mineração e extração. A corrupção se resolve com mais investimentos em mecanismos de governança e compliance e não com redução de investimentos”, diz a FUP.
Para Rangel, o problema não é investigar os casos de corrupção e punir os culpados, mas a forma como isso vem sendo feito no Brasil. Ele lembra que empresas como Statoil e Shell também se viram envolvidas em problemas de corrupção, mas que foram tratadas de outra maneira. “É preciso atacar o CPF e não o CNPJ, ou seja, punir quem cometeu a corrupção e não a empresa, como estão fazendo aqui”, critica.
Preparando terreno para o entreguismo
Na opinião do petroleiro, o ataque da Operação Lava Jato à Petrobras preparou terreno para que, a partir do impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, fossem tomadas várias medidas no sentido de enfraquecer a companhia e a própria indústria nacional.
“No momento seguinte ao golpe, você tem, por exemplo, a abertura do pré-sal, que tira do país a possibilidade concreta de ser uma das nações que vão influenciar diretamente no preço do barril de petróleo e ditar o ritmo mundial. E você vai caminhando para acabar com a política de conteúdo local, que tem, no seu bojo, o desenvolvimento de toda a indústria nacional. Tudo isso vem com a Lava Jato. E, a reboque, você tem a queda das nossas grandes construtoras. Estão todas elas praticamente quebradas. A engenharia nacional, às traças”, lamenta.
De acordo com Rangel, houve uma tentativa de colocar dificuldades conjunturais da petroleira na conta da corrupção. “Todas as grandes operadoras de petróleo do mundo têm passado por dificuldades, fruto da queda brutal no preço do barril de petróleo”, aponta. Em 2014, o barril atingiu o valor de US$ 120; em 2016, chegou a valer US$ 27. “Todas as empresas tiveram que rever seus planejamentos, só que a Petrobras, além de fazer isso, tem desvalorizado seus ativos e tem feito um processo que chamamos de privatização, que é deixar de ser uma empresa integrada de petróleo”, critica.
Em seus balanços, a Petrobras calcula ter perdido cerca de 6,6 bilhões por causa de casos de corrupção, entre 2014 e 2016. Já a Lava Jato estima que os desvios que investiga somaram R$ 38 bilhões em recursos públicos.
Até agora, a operação diz ter “recuperado” R$ 10 bilhões aos cofres públicos. Mas, de acordo com matéria da Agência Brasil, estes são os valores “que já foram devolvidos ou estão em processo de recuperação”. Por ocasião de cerimônia realizada em novembro do ano passado, para que a força-tarefa devolvesse recursos à empresa, a Petrobras divulgou que, ao longo de 2015 e 2016, a Lava Jato entregou R$ 661 milhões à petroleira.
Segundo José Maria Rangel, o valor que a estatal tem perdido com a desvalorização de seus ativos – os chamados impairments – é muito maior do que a conta da corrupção. “Eles falam em 6,6 bilhões. Só o que eles fazem de depreciação de seus ativos dá 16 vezes isso. São 110 bilhões. E ninguém fala disso. Então o grande objetivo deles não é combater corrupção, é acabar com a Petrobras”, dispara.
Na sua avaliação, o principal objetivo da investida contra a estatal é abrir espaço para o capital estrangeiro. De acordo com a FUP, a ideia é atender à demanda do governo federal de atrair investimento externo pelo pré-sal e aos interesses do capital internacional, num cenário de escassez de reservas de petróleo.
Golpe na engenharia, tragédia na construção civil
A crítica ao modus operandi da força-tarefa não é fato isolado. Presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP) e da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Murilo Pinheiro também calcula as perdas para a engenharia do país.
“Se pensarmos na Lava Jato com relação às empresas de engenharia, o impacto foi muito grande. Houve muita confusão. O que deveria ter sido apontado e investigado a fundo na questão da corrupção deveria ter sido as pessoas, não as empresas. As empresas exportavam know-how, têm conhecimento, a engenharia era muito forte. Mas as empresas foram atingidas e, por consequência, os engenheiros também. Muitos perderam os empregos, as empresas fecharam e assim por diante”, diz Pinheiro.
De acordo com ele, a força-tarefa surgiu em um momento de crescimento do país e da engenharia em particular. Algo que ficou pelo caminho. “Estamos com o país com mais de 13 milhões de desempregados. Só em 2015 e 2016, perdemos quase 50 mil profissionais [da engenharia]”, informa. Segundo Pinheiro, a cada engenheiro que trabalha, cerca de outros 30 profissionais atuam em torno dele. Ou seja, o prejuízo vai além da categoria.
Na sua avaliação, o país enfrenta sua maior crise política e econômica. “Mas acho que a Lava Jato, que era importante acontecer na busca de combater a corrupção, atingiu direto as empresas, ocasionando problemas seríssimos para o emprego e a tecnologia brasileira”, completou.
Na esteira desses impactos, o presidente do sindicato aponta que se seguiu uma série de outras medidas que pioram a situação da engenharia e da economia de forma mais ampla. “Temos a Petrobras, que proibiu a participação de empresas nacionais na concorrência. Com isso, você restringe a participação de profissionais brasileiros. Essa mudança na política de conteúdo nacional também. Vamos perder aí 5 a 10 mil engenheiros altamente qualificados. Isso tudo atinge o emprego, atinge os brasileiros”, lamenta.
Segundo levantamento do Sindicato da Construção de São Paulo (Sinduscon-SP), apenas a construção civil fechou 441 mil vagas de empregos formais só entre outubro de 2015 e outubro de 2016, uma queda de quase 15%. O cenário trágico é reflexo da retração do setor, um dos mais atingidos pela Lava Jato.
De acordo com Raimundo Brito, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil da Bahia (Sintracom-BA) e da Federação dos Trabalhadores da Construção Civil da Bahia (Fetracon-BA), no seu estado, o saldo da paralisação de grandes obras de infraestrutura é mais de 50% da categoria desempregada.
Ele conta que, ainda nas primeiras operações da força-tarefa, os trabalhadores já sentiam que haveria repercussão na economia e insistiram na realização dos acordos de leniência, que, contudo, não andaram como o esperado. “Nós não concordamos com corrupção. Tem que prender o responsável da empresa, quem quer que seja. Mas deixa a empresa tocar os grandes projetos, em especial aqueles que são estruturantes para o país. O que aconteceu é que as obras todas ficaram paralisadas, prejudicando os trabalhadores e o próprio país”, condena.
Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho
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