Enquanto mais de 815 milhões de pessoas sofrem fome crônica no mundo, um terço dos alimentos produzidos no planeta são desperdiçados, mais de 1 bilhão 300 milhões de toneladas anuais, com consequente dano econômico, social e ambiental.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a iniciativa Save Food com o apoio de meia centena de empresas, realizam esforços para reduzir essas perdas, assegurar sistemas alimentares e contribuir a mudar a mentalidade do 'desperdício'.
Para essa entidade internacional se evitasse que um quarto dessa comida fosse para o lixo ou estragada, seria suficiente para alimentar 870 milhões de famintos.
A meta Fome Zero impulsionada pela ONU para 2030 em tal caso seria uma realidade tangível, embora os sintomas de retrocesso, sobretudo neste ano anunciados pela FAO, distanciam-se cada vez mais de tão humano e necessário objetivo.
Os alimentos se deterioram em toda a rede de fornecimentos, da produção inicial até o consumo final nos lares e levam a perdas de mão de obra, energia, terra e até outros importantes insumos do processo de elaboração.
Na rede de danos de um bem não utilizado devidamente estão também as emissões desnecessárias de gases de efeito estufa, que por sua vez repercutem no aquecimento global e na alteração climática.
Dados do Programa Mundial de Alimentos indicam que as taxas mais altas de perdas correspondem a frutas e hortaliças, raízes e tubérculos, entre 40 e 50 por cento da produção; os cereais 30 por cento; carnes e produtos lácteos com 20 e 35 por cento de pescado.
Em cada ano, segundo o organismo da ONU, os consumidores dos países industrializados desperdiçam aproximadamente 222 milhões de toneladas de alimentos, quase o equivalente à produção total da África subsaariana correspondente a um ano.
A propósito da comparação, segundo o Panorama regional da segurança alimentar e a nutrição em África 2017 apresentado pela FAO, a subalimentação crônica afeta hoje a uns 224 milhões de pessoas, contra os 200 milhões registradas entre 2015 e 2016, que representa 25 por cento dos 815 milhões de famintos do mundo.
Outros dados dessas agências revelam que o desperdício per capita de alimentos por consumidor são de 95 a 115 kg/ano na Europa e América do Norte, enquanto na África subsaariana e na Ásia meridional e sul-oriental representa tão somente de seis a 11 kg/ano.
As perdas de alimentos ocorrem tanto nos países subdesenvolvidos como nas nações industrializadas, ainda que durante processos e causas diferentes, mas também comuns.
Nos primeiros ocorre basicamente nas primeiras etapas e na fase intermediária da rede de fornecimentos, marcado tanto por ausência de tecnologia e de conhecimentos como pelos castigos constantes da mudança climática.
Enquanto, nas nações ricas ou de renda média decorre na última etapa do processo e inclusive em momentos quando ainda os alimentos são adequados para o consumo humano.
Nos dois casos igualmente acontece com certa frequência que os cultivadores e intermediários se abstêm de distribuir a colheita para assegurar preços altos e até aao menos cobrir os custos em que incorreram na produção e transporte.
Revendedores atacadistas e transportadores de igual modo manejam com regularidade a seu desejo o fluxo da oferta e a demanda, que muitas vezes negociam com os varejistas.
Isso acontece também quando o lugar da colheita ou a produção está muito distante do mercado, o qual encarece notavelmente a mercadoria e é mais difícil para as pessoas de baixos rendimentos terem acesso a elas.
O incremento do papel dos sistemas alimentares locais, para encurtar a rede de fornecimentos e venda, o chamado Quilômetro Zero (Km 0), avança em muitas nações como uma solução aplicável em correspondência com a disponibilidade de recursos do país em questão.
O Km 0, além de propiciar uma venda direta e um contato mais próximo com os consumidores, evita o desperdicio, os alimentos consomem-se frescos, por tanto mais saudáveis; ajuda a uma maior diversidade na oferta, inclusive ajustados aos gustos e demandas da comunidade.
Ao eliminar-se o intermediário e as despesas em transporte os custos dos produtos são mais justos e conformes com o investimento em sua elaboração, o qual atenua o dilema dos produtores diretos, que em sua maioria percebem menos rendimentos que as outros elos da rede de fornecimentos.
Por suposto, as produções locais precisam de apoio governamental e institucional para conseguir vendas de alimentos de qualidade, frescos e do lugar, de grande acolhida por suas características meio ambientais, climáticas e sociais.
Alguns estudos indicam como os acordos de venda entre agricultores e compradores contribuem ao desperdício de numerosos cultivos agrícolas, pois alguns alimentos se eliminam ante regulares de qualidade que os recusam quando carecem de uma forma ou aparência perfeitas.
Os desperdicios originam-se entre outras razões pela falta de planejamento ao momento de fazer compra-as, pelo conhecido 'consumir antes de' em referência à data de vencimento, mais a atitude de determinadas pessoas que podem ser dado o luxo de jogar fora a comida.
Entre as muitas propostas em torno do tema está a de sancionar a quem na rede de fornecimentos lucram com as perdas, pelo desabastecimento ou o armazenamento como maneiras de manejar o mercado a sua conveniência.
Último recurso
Na Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP 23), a FAO apresentou o estudo Poupar alimentos para melhorar o clima, o qual aborda a interrelação entre a perda e o desperdício de comida e a mudança climática.
Destaca que nas nações em desenvolvimento e entre os pobres do mundo, este fato debilita a capacidade de adaptação das populações vulneráveis em frente aos desafios climáticos, através da diminuição da disponibilidade de alimentos e dos rendimentos.
Se não forem adotadas medidas em tal sentido -insiste- provocariam condutas do clima mais variáveis e intensas, e instou aos governos a considerar políticas que revertam a situação para reduzir as emissões de maneira sustentável de gases de efeito estufa.
O próprio documento aponta aos princípios essenciais de reduzir-reutilizar-reciclar, e como principal variável fazer que a comida fique na própria rede alimentar, bem através de doações e inclusive de novos mercados quando seja possível.
Caso a mesma não cumpra os requisitos para uso humano, pode ser destinada ao consumo animal, inclusive o reciclar através do compostagem, e devolver assim ao solo os nutrientes ou para recuperar energia, como o biogás a partir de anaeróbicos.
Reciclagem ou recuperação são preferíveis à incineração de alimentos não consumidos, enquanto o vertido classifica como o último recurso, declara o texto.
Fome e realidade social
O desperdício está determinado -indicam estudos- por realidades sociais e culturais como a tendência ao consumismo muito presente às classes média e alta, onde a opulência e a abundância não podem faltar e daí mais dá botar...
Difícil tarefa da FAO, de sua iniciativa Save Food, junto a centenas de instituições enfrascadas em reduzir o desperdicio de alimentos como meta mundial dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030.
Missão que transita, e é parte essencial de quanto se faz, em desenvolver uma cultura de consumo responsável, da racionalidade e de saber que todo quanto se adquire e compra tem um impacto sobre o planeta e de fato sobre a existência da humanidade mesma.
A perda de alimentos, para além de quanto faz-se em nível de sistemas e instituições, é também um problema de responsabilidade e consciência individual.
Outro seria este mundo se ao menos a metade das pessoas que habitam este planeta por um instante sentissem como própria a pobreza alheia, a fome de milhões de seres.
Fonte: Prensa Latina
0 comentários :
Postar um comentário