O presidente Temer justificou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro pela necessidade de combater o crime organizado, que estaria próximo de tomar conta do estado. Sem discutir aqui a eficácia do aumento do poderio militar para reduzir a violência urbana nem as consequências sociais e institucionais da intervenção, apenas apontam-se algumas razões econômicas que ajudam a explicar o aumento da violência no estado.
É importante apontar, contudo, que evidências desse aumento têm aparecido não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o país, na esteira da precarização do trabalho e do aumento do desemprego, especialmente o de longa duração, que possui um forte impacto negativo sobre a estruturação das famílias. Mas, de fato, se a deterioração do mercado de trabalho é generalizada no país, no Rio ela tem se mostrado particularmente aguda, como mostram os seguintes gráficos.
Vemos que, enquanto a taxa de desemprego cresceu na média nacional 1,5 pontos percentuais desde o início de 2016, no Rio ela aumentou o triplo, 4,5 pontos. Com isso, enquanto o número de desocupados no país cresceu 17%, no Rio o aumento foi muito maior, de 53%, o que significa que 428 mil pessoas ficaram desempregadas no estado no período.
Vemos também que enquanto o rendimento médio real do trabalho, que, após cair fortemente em 2015, começou a se recuperar na média nacional (embora apenas marginalmente, 2% em quase dois anos), no Rio continuou a cair (-4%). Com essa queda nos rendimentos e o aumento da desocupação, a massa de rendimento real, que no país se expandiu levemente, no Rio também se reduziu 4%.
Com menos dinheiro circulando na economia, o consumo das famílias tende a cair, provocando demissões e quedas nos salários que realimentam o ciclo negativo. Como mostra o seguinte gráfico, induzida pela queda na massa salarial, a redução acumulada em 2016 e 2017 nas vendas no varejo foi, no Rio, mais que o dobro da registrada na média brasileira (-9,7% contra -4,3%).
Esses números mostram que, se a economia brasileira está estagnada, no Rio ela continua em recessão, o que se deve a uma série de fatores:
- A forte queda no preço dos derivados do petróleo desde 2015, somada ao abrupto e profundo corte de investimentos da Petrobras e seus fornecedores, reduziram fortemente a receita dos governos estadual e municipais que, no estado, depende pesadamente da atividade do setor. Além disso, os lucros auferidos pelas empresas e os salários por elas pagos aos trabalhadores foram reduzidos drasticamente, contribuindo para a eliminação de um grande número de postos de trabalho.
- Os grandes investimentos públicos em infraestrutura urbana decorrentes da Copa do Mundo e das Olimpíadas, assim como os investimentos públicos e privados (principalmente no setor imobiliário) a eles associados e que também são grandes absorvedores de mão de obra, despencaram após a realização dos eventos, deixando vastos contingentes de trabalhadores desempregados e também reduzindo as receitas do governo.
- A forte queda das receitas em razão dos dois fatores acima, somada à redução generalizada da atividade econômica no país e ao mau uso dos recursos, levaram ao aumento das dificuldades financeiras do governo, que passou a congelar e atrasar salários dos servidores e a cortar investimentos, aprofundando a retração da atividade econômica e contribuindo para aumentar ainda mais o desemprego.
Certamente, a situação corrente da economia não é o único determinante da violência numa determinada região. Todavia, é certo que enquanto a recessão prosseguir, o crime organizado encontrará terreno fértil para se expandir graças ao contingente grande e crescente de trabalhadores sem emprego e desesperados e, em particular, de jovens sem perspectivas de encontrar bons empregos, oriundos em parte de famílias desestruturadas em razão do desemprego dos pais, desiludidos pela quebra das expectativas de um futuro melhor que parecia ao seu alcance até bem pouco tempo atrás.
Nessa situação, dificilmente o previsível aumento dos confrontos armados provocado pela intervenção na segurança pública do estado será capaz de reduzir significativamente os índices de violência vigentes.
* Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP
Fote: Perseu Abramo
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