Julgamento do
resgate do Estado Democrático de Direito
A Constituição é a guardiã do
Direito. Logo, da democracia. E o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião
da Constituição. A inversão dessa ordem é a desordem, a imposição de partes
sobre o todo. Ou, dito diretamente, a prevalência dos interesses de uns sobre
os dos outros, o rompimento do pacto democrático constitucional de 1988. Esse é
o mérito do julgamento que transcorre no STF sobre a legalidade da prisão após
condenação em segunda instância.
Se há tentativa de legitimar uma
evidente burla à Constituição é porque alguém está querendo levar vantagem.
Identificar exatamente quem, é um ponto decisivo para se entender a natureza da
celeuma. Essa conclusão não fica difícil quando se olha para os acontecimentos
políticos por uma perspectiva de classes, ideológica e histórica. A
controvérsia surgiu precisamente no curso da reviravolta que, à mão grande,
devolveu o poder ao pacto oligárquico com o golpe de 2016, consolidado nas
eleições de 2018.
Com esse processo, houve uma mudança
estrutural no poder, incompatível com o pacto democrático instituído pela
Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Conclui-se, ao se analisar a demanda no
STF por essa perspectiva, que, mais do que um direito líquido e certo, está se
julgando uma conduta política que se opõe ao arcabouço filosófico republicano,
de onde advêm ideias como garantias individuais, igualdade social e governos
eleitos pelo povo. Numa palavra: democracia.
Como disse o representante da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), Juliano Breda, no início do julgamento no STF, em nome da
força normativa da Constituição, da afirmação histórica das garantias
individuais, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) apresentada pela
entidade deve ser julgada procedente. Esse teor foi reafirmado pelos
advogados Fábio Toffic e José Eduardo
Cardozo, que falaram pela ADC do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
A presidenta do PCdoB, Luciana
Santos, resumiu o mérito da questão: resgatar o óbvio, o Estado Democrático de Direito.
Essa ideia pode ser dita também como constatação de que a Constituição e o
Código de Processo Penal não comportam interpretações que dão outro sentido ao
que dizem. Seria casuísmo, falta de ética, descompromisso com a democracia,
derivação sem limites e parâmetros que transformaria a Carta em algo
independente do seu texto.
A ministra Rosa Weber definiu bem
esse conceito ao dizer que a Constituição não assegura uma presunção de
inocência meramente principiológica. O ministro Ricardo Lewandowski também, ao
dizer que a alegada reclamação da “sociedade” por “resposta célere e efetiva”
nos julgamentos “não pode ser atendida ao custo da supressão das garantias
fundamentais asseguradas no Texto Magno” para “proteger do arbítrio e do abuso
os membros dessa mesma sociedade."
A questão de fundo é essa; a defesa
da democracia contra o arbítrio, do Estado Democrático de Direito contra o
Estado de exceção. Está se julgando as melhores conquistas democráticas do
pós-ditadura militar. Como naquele triste passado, há uma ofensiva para fazer o
Estado funcionar pelos impulsos dos que se imaginam revestidos de poderes
superiores ao que determina a Constituição. Aceitar essa afronta seria assumir
o rompimento com a institucionalização do Estado que pertence e serve a todos
em geral e a ninguém em específico. Do Editorial
do Portal vermelho Dia: 26/10/2019 às 01:14:44
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