Uma operação de
busca e apreensão deflagrada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em
endereços ligados a Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual
Flávio Bolsonaro e amigo há três décadas do presidente Jair Bolsonaro, mostrou
que o rumoroso caso voltou a tramitar após meses parado no Supremo Tribunal
Federal (STF).
Publicado 19/12/2019 22:27 | Editado 19/12/2019 22:29

Queiroz passou a
ser investigado no ano passado depois que o então Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras, hoje UIF, ou Unidade de Inteligência Financeira), órgão
que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, identificou diversas
transações suspeitas feitas por ele, uma delas envolvendo um cheque de R$ 24
mil depositado na conta da hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Esses dados
financeiros levaram à abertura de uma investigação pelo Ministério Público do
Rio de Janeiro, que suspeita da existência de um esquema de “rachadinha” no
gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa, esquema em que assessores
parlamentares devolvem parte do salário para os políticos que os empregam.
A apuração que
respingava no filho do presidente da República deu origem a uma batalha
judicial que chegou ao Supremo e gerou um efeito
cascata que paralisou mais de 700 investigações e ações penais
pelo país envolvendo acusações de crime organizado, tráfico de drogas e
corrupção, por exemplo.
Tanto Queiroz
quanto Flávio Bolsonaro negaram qualquer irregularidade.
Entenda abaixo o
vaivém do caso, desde a revelação em dezembro do ano passado até o decisivo
julgamento do STF, previsto para novembro.
Dezembro de 2018:
Revelação do caso
O caso foi revelado
no fim do ano passado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em reportagem sobre o
relatório do Coaf que indicava movimentações financeiras atípicas em uma conta
bancária de Fabrício Queiroz.
O documento foi
produzido a pedido do Ministério Público Federal no âmbito da Operação Furna da
Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio que investigava um esquema de pagamento
de propina a parlamentares para que apoiassem os interesses do ex-governador
Sérgio Cabral. Flávio Bolsonaro não era investigado.
Segundo o Coaf, Queiroz
movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor que
seria incompatível com seu patrimônio e ocupação. Ele era servidor público
cadastrado da Assembleia Legislativa do Rio, com salário de R$ 8.517, e
acumulava rendimentos mensais de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.
O relatório mostra
também que sete servidores da Alerj que passaram pelo gabinete de Flávio
Bolsonaro fizeram transferências para a conta mantida por Queiroz. Entre esses
servidores está a filha do ex-assessor, Nathalia Melo de Queiroz, que estava
lotada no gabinete de Flávio até dezembro de 2016, e depois foi funcionária de
Jair Bolsonaro na Câmara.

Chamava a atenção
também que o próprio Queiroz depositou outros R$ 94.812 em sua conta e fez 176
saques de dinheiro em espécie ao longo de 2016.
Segundo o Coaf,
Queiroz movimentou quase R$ 7 milhões em três anos. Entre janeiro de 2016 e
janeiro de 2017, ele recebeu depósitos e fez saques num valor total de R$ 1,2
milhão.
Janeiro de 2019:
Fux suspende investigação
No início do ano, a
pedido de Flávio Bolsonaro, o ministro do STF Luiz Fux decidiu suspender a
investigação instaurada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
O filho do
presidente apontou, em sua reclamação acolhida por Fux, uma série de
ilegalidades na instauração do procedimento investigatório, pois informações
protegidas por sigilo bancário teriam sido obtidas pelo Ministério Público
diretamente junto ao Coaf, sem autorização judicial.

Ele afirmava,
ainda, que mesmo depois de confirmada a eleição dele para o cargo de senador, a
Promotoria pediu informações sigilosas sobre ele ao Coaf “a pretexto de
instruir o procedimento investigativo, o que configuraria, em seu entendimento,
usurpação da competência do STF”, já que Flávio passou a ter foro privilegiado
após ser eleito senador da República, em outubro de 2018.
Assinada durante um
plantão do tribunal, a decisão de Fux valeria até o fim do recesso, quando o
caso voltaria a ser analisado pelo relator na Corte, o ministro Marco Aurélio
Mello.
Fevereiro de 2019:
Marco Aurélio reabre investigação
Ao retomar o caso,
após o recesso, Marco Aurélio reverteu a decisão do colega Fux e negou um
pedido de Flávio para que a investigação saísse da primeira instância judicial
e fosse remetida à Corte por prerrogativa de foro privilegiado.

Ele rejeitou os
dois principais pontos do pedido: tramitação sigilosa e mudança de instância.
“A tônica, no âmbito da administração pública, é a publicidade”, escreveu o
ministro.
Em sua
interpretação, a nova regra do foro privilegiado estabelece que só devem ficar
no STF processos relativos a fatos ocorridos durante o atual mandato
parlamentar, e com relação direta ao cargo ocupado.
Ainda assim, Marco
Aurélio discorda do compartilhamento, sem autorização judicial, de informações
financeiras produzidas pelo Coaf com órgãos de investigação.
“Isso, sob o meu
modo de ver, é promiscuidade, e não contribui para a segurança jurídica”, diria
em entrevista à BBC News Brasil em julho.
Março de 2019:
Depoimento de Queiroz
Após faltar a
quatro convocações do MP fluminense, sob argumento de emergências médicas,
Queiroz enfim deu explicações por escrito sobre suas movimentações financeiras
atípicas. O ex-assessor afirmou sempre ter agido de “forma lícita”.
Ele confirmou que
funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositavam parte de seus salários
em sua conta. Seu objetivo, segundo afirmou aos investigadores, era fazer um
“gerenciamento financeiro” desses recursos para ampliar, informalmente e sem o
conhecimento do parlamentar, a base de funcionários ligados ao então deputado
estadual.

Queiroz afirmou que
essa seria a “melhor maneira de intensificar a atuação política” do
parlamentar, “valendo-se, assim, da confiança e da autonomia que possuía para
designar vários assistentes de base”.
O ex-assessor negou
ter se “beneficiado de qualquer recurso público para si ou terceiro”. Ele não
forneceu informações sobre quem seriam essas pessoas contratadas, quantas
seriam, em quais datas, e como seriam feitos esses pagamentos.
Um depoimento dado
ao Ministério Público do Rio por um dos servidores do gabinete, no entanto,
trazia uma versão diferente dos repasses. Agostinho Moraes da Silva afirmou aos
investigadores que depositava dois terços do salário na conta do ex-assessor
como “investimento” em um negócio de venda de carros.
Em seu depoimento
por escrito, Queiroz disse que exercia atividades econômicas que lhe rendiam
uma “renda extra”, como serviço de segurança particular e compra e venda de
carros e eletrônicos, e que administrava os salários de sua filha e de sua
mulher.
“Eu sou um cara de
negócios. Eu compro e revendo. Compro e vendo carros. Gosto de comprar carros
de seguradoras, mando arrumar e vendo”, afirmou Queiroz à emissora SBT.
Em sua defesa, o
ex-assessor de Flávio Bolsonaro também não deu informações sobre o motivo de os
depósitos e os saques terem sido feitos de modo fatiado e por que repassou um
cheque de R$ 24 mil a Michelle Bolsonaro.
Questionado, o
presidente disse que o dinheiro foi depositado na conta da mulher como parte da
devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele próprio teria feito a Queiroz.
Jair Bolsonaro disse, ainda, ter pedido ao ex-assessor do filho que depositasse
na conta de Michelle porque ele não teria tempo para ir ao banco e movimentar o
dinheiro.
Julho de 2019:
Toffoli suspende centenas de investigações ligadas ao Coaf
A investigação
conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sofreu seu principal revés
em julho deste ano.
Durante um recesso do
Judiciário, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, acolheu um pedido da defesa
de Flávio Bolsonaro contra o compartilhamento de dados por órgãos de controle
sem autorização judicial prévia.
Como efeito
cascata, a decisão liminar (provisória) de Toffoli levou à paralisação de 700
investigações e ações penais, segundo levantamento do Ministério Público
Federal. A medida atingiu, por exemplo, apurações relacionadas à lavagem de
dinheiro por organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo o
Ministério Público, várias ações da instituição partem de alertas comunicados
pelo Coaf e pela Receita Federal para asfixiar recursos usados para financiar
grupos criminosos e o tráfico de drogas.

A partir desses
dados iniciais de movimentações e saques suspeitos, os procuradores pedem as
quebras dos sigilos bancários dos suspeitos de integrar quadrilhas e tentam
paralisar e reaver o dinheiro, além evitando que os recursos saiam do radar.
O ministro da
Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, já defendeu diversas vezes o trabalho
conjunto entre Coaf e Ministério Público no combate à lavagem de dinheiro e no
“sufocamento” de organizações criminosas.
A decisão de
Toffoli gerou uma onda de críticas de especialistas e investigadores, mas o
mérito do caso só deve ser julgado pela Corte em novembro.
Agosto de 2019:
Bolsonaro faz mudanças no Coaf
Após uma longa de
queda de braço dentro do governo Bolsonaro, o presidente anunciou uma série de
mudanças no Coaf: o órgão mudou de presidente, de nome e até de “casa” (passou
do Ministério da Economia para o Banco Central).
Bolsonaro
argumentou que a mudança blindaria o Coaf de interferências e pressões
políticas. Mas a alteração também acontece depois de o antigo chefe do órgão,
Roberto Leonel, criticar decisão do STF que beneficiou Flávio Bolsonaro.
A saída de Leonel
do comando do órgão foi uma vista como uma derrota para Moro, responsável pela
indicação dele ao posto.
No BC, o Coaf
passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Segundo apuração
da BBC News Brasil, há um temor dentro do órgão em relação à manutenção de sua
estrutura de técnicos — passou de 37 servidores no começo do ano para 71 — e à
independência política para atuar.
Para procuradores
ouvidos pela reportagem, que estão entre os maiores usuários das informações
produzidas pelo Coaf, a mudança do órgão da alçada da Economia para o Banco
Central não foi necessariamente ruim.
O temor principal
da categoria diz mesmo respeito à futura decisão do STF sobre a necessidade ou
não de autorização judicial para o compartilhamento de dados financeiros.
Outubro de 2019:
Áudios de Queiroz
O caso voltou à
tona neste mês depois que O Globo e a Folha de S.Paulo publicaram reportagens
que revelam áudios enviados por Queiroz por meio da plataforma WhatsApp.
Em um deles,
divulgado pelo jornal O Globo, Queiroz demonstra manter sua influência política
e ser consultado sobre nomeações no Legislativo.
“Tem mais de 500
cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou,
alguma coisa, sem vincular a eles (em referência à família Bolsonaro) em nada,
em nada. 20 continho aí para gente caía bem pra caralho, entendeu?”, diz
Queiroz a um interlocutor não identificado, de acordo com o áudio divulgado.
“O gabinete do
Flávio faz fila de deputados e senadores lá, pessoal pra conversar com ele. Faz
fila. É só chegar, meu irmão: ‘Nomeia fulano aí, para trabalhar contigo’.
Salariozinho bom desse aí, cara, pra gente que é pai de família, cai como uma
uva (sic)”, afirma o ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Procurado pelo
jornal O Globo, Queiroz disse manter sua influência política por ter
“contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado
do Rio de Janeiro”.
Em áudios
divulgados dias depois pela Folha de S.Paulo, ele se diz abandonado, faz
críticas à condução do governo Bolsonaro, cita a investigação do Ministério
Público e compara seu caso ao de Adélio Bispo, autor do atentado contra
Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
“Se eu não estou
com esses problemas aí, a gente de bobeira, podia estar aí andando e ia dar
para investigar, infiltrar, botar um ‘calunga’ no meio deles, entendeu? A gente
mesmo levantava essa parada aí (em referência ao atentado de Adélio)”, afirmou.
“É o que eu falo, o
cara (Adélio) lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para
tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP (Ministério Público) tá com
uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir”,
afirmou em uma das mensagens.
Nesta segunda-feira
à noite, o portal UOL divulgou uma nova mensagem gravada por Queiroz. “Esses
depoimentos, cara, eles vão lá e pegam mesmo, esses filhos da puta, rapaz. Até
demorou a pegar. O Agostinho (então assessor que contradisse Queiroz em
depoimento) foi depor no dia 11 de fevereiro, de janeiro, parece que ele foi
depor. Já publicaram o depoimento dele na íntegra”, afirmou, segundo a
reportagem.
Em visita oficial à
China, Bolsonaro disse não ter ouvido os áudios de Queiroz. “Eu não sei dessa
informação. Por favor, por favor. O (Fabrício) Queiroz cuida da vida dele, eu
cuido da minha”, disse o presidente a jornalistas em Pequim.
E, em outra
declaração a repórteres no mesmo dia, Bolsonaro complementou: “Eu não falo com
o Queiroz desde que aconteceu esse problema”, em referência às primeiras
denúncias sobre as suspeitas de prática da rachadinha (prática em que
assessores devolvem parte do salário aos políticos), no final de 2018.
Em nota, o advogado
de Queiroz, Paulo Klein, afirmou que os áudios são clandestinos e ilegais e que
Queiroz “não tem qualquer vínculo com deputados ou senadores em Brasília”.
Novembro de 2019:
STF decide sobre Coaf e reabre investigação
O futuro da
investigação sobre Queiroz dependia de o Supremo Tribunal Federal decidir se
informações do antigo Coaf podem ou não ser compartilhadas com órgãos de
controle e de investigação sem autorização judicial.
Flávio Bolsonaro
recorreu ao tribunal para barrar a apuração, e o caso deu origem a um debate
que levou à suspensão temporária de centenas de investigações.
Mas no fim de
novembro a tese do filho do presidente acabou derrotada por 9 votos a 2.

Com a decisão, o
ministro do STF Gilmar Mendes autorizou a retomada das investigações conduzidas
pelo Ministério Público fluminense.
Há quatro
procedimentos contra o filho mais velho do presidente (três em âmbito estadual
e um em federal). Mas não há informação sobre os próximos passos nem previsão
de conclusão porque os processos correm sob sigilo.
Dezembro de 2019:
Operação de busca e apreensão
No dia 18 de
dezembro, o Ministério Público do Rio de Janeiro deflagrou uma operação de
busca e apreensão a endereços ligados a Queiroz e a outros ex-assessores de
Flávio Bolsonaro.
O caso corre em
segredo de Justiça, o que impediu a Promotoria de divulgar informações
detalhadas sobre os alvos da operação.
Segundo o jornal O
Globo, os mandados baseados em suspeitas de lavagem de dinheiro e peculato
(desvio de dinheiro público) visavam também a nove parentes de Ana Cristina
Siqueira Valle, ex-mulher do presidente da República, e mais um dos filhos
dele, Jair Renan.
Ao longo de 18 anos
de mandato na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro
empregou Ana Cristina e sete familiares dela. Na Assembleia Legislativa
fluminense, Flávio Bolsonaro deu emprego a nove familiares da então mulher de
seu pai. Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro nomeou seis membros da família
dela.
Investigadores
suspeitam que eles devolviam parte do salário para um esquema de rachadinha
coordenado por Queiroz.
Oito então
assessores do gabinete de Flávio repassaram recursos para Queiroz, segundo
dados do Coaf. O jornal Folha de S.Paulo fala em 24 mandados de busca e
apreensão.
Ainda de acordo com
o jornal O Globo, a operação deflagrada nesta quarta-feira atingiu também a
mulher e a enteada de Queiroz. A defesa de Queiroz afirmou ao veículo ter
recebido a operação com surpresa, já que ela é “absolutamente desnecessária”.
Parte dos alvos dos
mandados da operação já havia sido alvo de quebra de sigilos bancário e fiscal
autorizada pela Justiça do Rio em maio, contra mais de 90 pessoas ligdas a
Flávio Bolsonaro.
0 comentários :
Postar um comentário