(Foto: Alan Santos/PR)
Naquela que já é
considerada a mais participativa e uma das mais polarizadas eleições
presidenciais nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump, expressão maior da
extrema direita mundial, pelas projeções da mídia foi derrotado. Joe Biden, do
Partido Democrata, que galvanizou vasto apoio desde pilares do establishment estadunidense
até amplos movimentos e lideranças progressistas, dentro e fora de seu país,
sagrou-se vitorioso. Donald Trump, cumprindo o que planejou e prometeu,
judicializou o resultado. E, sem provas, acusa os democratas de fraudarem a
eleição.
A vitória de Biden
é um êxito relevante das forças democráticas nos Estados Unidos, com forte
repercussão no mundo. Mais pelo significado e consequências políticas positivas
da derrota de Trump do que por algo de benéfico que o democrata possa realizar.
Registre-se, no entanto, que a indicação da candidatura de Biden foi precedida
de intensa mobilização política promovida pelos adeptos de Bernie Sanders em
favor de políticas mais progressistas.
Por óbvio, já
estava posto que independente de quem fosse o vencedor os Estados Unidos
continuarão sendo uma potência imperialista. O determinante é que a derrota de
Trump desencadeia um contravapor à escalada de crescimento no mundo da extrema
direita, reacionária, neofascista, que irromperam no cenário político mundial
desde a eclosão da grande crise do capitalismo iniciada em 2007-2008. A derrota
de Trump significa que essa corrente reacionária, neofascista, vai desaparecer
nos Estados Unidos e no mundo? Não, e a explicação é relativamente simples.
A as causas
geopolíticas, econômicas, sociais e ideológicas que a fizeram emergir, desde
2008, permanecem e se aprofundaram. A pandemia aprofundou a crise capitalista
mundial com grave recessão econômica, desemprego recorde, aumento das
desigualdades sociais. Avoluma-se ainda a maré ácida do autoritarismo, do
racismo, do ódio aos imigrantes, do culto à violência e escárnio aos direitos
humanos e civis, das fake news, do obscurantismo e da negação das
ciências.
Ao se analisar
essas causas, a questão de fundo é que, historicamente, o capitalismo em crise
tende a sacrificar a democracia, como se confirma nos dias atuais. Os grandes
grupos econômicos e financeiros, como já havia acontecido na Alemanha na década
de 1930, com o nazismo, voltam a fazer pactos e sustentam líderes e regimes autoritários,
desde que estes assegurem seus ganhos astronômicos e joguem o peso da crise nos
ombros do povo, da classe trabalhadora e dos países pobres e em
desenvolvimento. No Brasil, em 2018, foi exatamente essa a conduta da
plutocracia local e do imperialismo ao operaram desbragadamente pela vitória de
Jair Bolsonaro.
Assim, mesmo
derrotado, o “trumpismo”, isto é, a essência reacionária, de extrema direita,
continuará ativo no país. Trump, com seu slogan “A América Primeiro” e o
confronto ideológico, comercial e geopolítico que empreende contra a República
Popular da China, encarna e manipula a percepção que há em largos setores da
opinião pública estadunidense sobre o fato real do declínio dos Estados Unidos
enquanto potência hegemônica.
Trump prometeu,
então, reverter essa tendência de declínio naquilo que é compreensível aos
desempregados, trazendo de volta as fábricas que migraram para a China e
fechando o mercado do país aos produtos do gigante asiático. Noutro polo,
mobiliza milhões, exacerbando a luta ideológica e instaurando, na prática, uma
espécie de nova guerra fria. Isto ficou patente com a irresponsável fake
news do “vírus chinês”, o apelido racista que deu ao coronavírus, e do
cerco que procura fazer contra a Huawei, grande empresa chinesa, líder da
tecnologia 5G.
O presidente Jair
Bolsonaro, na sua postura de vassalagem a Donald Trump, adotou a indigna
conduta de cabo eleitoral do candidato republicano. Postura que custou caro ao
Brasil, do ponto de vista diplomático e, também, dos interesses comerciais do
país. Para Trump ganhar votos do agronegócio, Bolsonaro isentou a importação do
etanol estadunidense, prejudicando a agroindústria brasileira. Por votos para
Trump, dessa vez dos latinos da Flórida, Bolsonaro e seu chanceler receberam o
secretário de Segurança dos Estados Unidos, Mike Pompeo, e montaram, em
Roraima, a cena de preparação de uma guerra contra a Venezuela, com censura dos
documentos diplomáticos a respeito determinada pelo governo brasileiro. Além da
tentativa de influenciar o processo eleitoral dos Estados Unidos, Bolsonaro
chegou a dizer que não compraria a vacina “chinesa”, contrariado em seguida
pelo vice Hamilton Mourão, dizendo que o Brasil vai comprar sim a Sinovac se
autorizada pela Anvisa.
Mesmo depois da
eleição, Bolsonaro e seu clã, alheios aos interesses do Brasil, mantiveram o
discurso de lealdade a Trump, endossando o a tese falsa de que houve fraude. O
mimetismo do presidente brasileiro com seu ídolo estadunidense chega ao ponto
dele querer retroceder o avançado sistema de votação do Brasil para a cédula de
papel, há muito superada pela tecnologia.
O anacrônico
colégio eleitoral dos Estados Unidos, a judicialização do resultado por Trump,
são também sintomas do declínio dos Estados Unidos enquanto potência hegemônica.
De país cantado em verso e prosa pela grande mídia capitalista, pelos ideólogos
do imperialismo, como exemplo de democracia para o mundo, o que a opinião
pública mundial percebe agora é um arcabouço institucional, eleitoral, jurídico
obsoletos, com rachaduras e razoável perda de legitimidade.
Finalmente, as
eleições dos Estados Unidos suscitam reflexões à oposição democrática
brasileira, em especial às forças de esquerda e progressista. A derrota de
Trump, somente alcançada voto a voto e por pequena margem, exigiu uma ampla
convergência em torno do candidato democrata, intensa mobilização do povo que
se configurou nas jornadas do movimento Black Lives Matter (BLM) contra o
racismo, refletiu a tragédia de uma pandemia que ceifou até aqui mais de 220
mil vidas de estadunidenses, pesada recessão, quebradeira de empresas e forte
desemprego.
Em síntese: é muito
desafiador desapear do poder forças de extrema direita eleitas pela maioria do
eleitorado. Demanda unidade das forças democráticas e progressistas, de oposição,
e intensa e forte mobilização do povo. A direita, mesmo quando rechaçada pelo
voto popular, resiste em aceitar o resultado. É a da essência do fascismo só
aceitar o resultado das urnas quando este a favorece; quando perdem tramam
golpes contra a lei e os resultados eleitorais. Se sublinhe que, mesmo
vitorioso nas urnas, Bolsonaro disse que houve fraude. E, agora, ele e seus
sequazes fazem coro com a pregação golpista e antidemocrática de Trump, e desde
já atacam o sistema de votação e apuração de votos no Brasil, eletrônico,
respeitado no mundo e consensuado como seguro em nosso país. Veremos se em 2022
Bolsonaro não repetirá Donald Trump, seu chefe e guia ideológico.
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