Em discurso nesta
quinta-feira (4), após conversa com presidentes eleitos no Congresso, Jair
Bolsonaro retoma posição firme a favor de armas e ampliação do excludente de
ilicitude.
por Rodrigo Abdalla
Publicado 04/02/2021 21:59 | Editado 05/02/2021 09:00
O fascínio de Jair
Bolsonaro por guerra e conflitos não é novidade. Ele nunca escondeu o apreço
por violência e brutalidade policial, servindo-se do conservadorismo quanto à
segurança pública para se eleger em 2018. Na tarde desta quinta-feira (04), o
presidente voltou a falar em excludente de ilicitude e maiores facilidades na
regularização de armas para civis.
No discurso em
Cascavel (PR) durante a inauguração de obra pública, Bolsonaro anunciou que as
mudanças no excludente de ilicitude e posse de armas serão debatidas em breve
no Congresso Nacional.
“Eu pretendo
colocar em votação, já acordado e conversado com os presidentes da Câmara e do
Senado, e vai passar pelo parlamento, o excludente de ilicitude.”, afirmou
Bolsonaro.
O presidente tentou
emplacar a agenda ainda no primeiro ano de mandato, quando o então Ministro de
Segurança Pública, o ex-juiz Sergio Moro, apresentou um “pacote anticrime” que
continha uma nova interpretação do excludente de ilicitude.
Atualmente, o
excludente de ilicitude previsto no Código Penal estabelece circunstâncias
específicas em que crimes praticados pelas forças de segurança podem ser
atenuados ou desconsiderados. Entre elas, constam o estrito cumprimento de
dever legal (policial que atua para evitar assassinato), em legítima defesa e
em estado de necessidade (roubar comida para alimentar os filhos. A lei,
entretanto, prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer
excessos.
O projeto
apresentado em 2019 por Moro permitia ao juiz reduzir a pena até a metade ou
deixar de aplicá-la se esse excesso “decorrer de escusável medo, surpresa ou
violenta emoção”. A subjetividade da definição foi vista como um risco para
distorção do dispositivo e o tema saiu de pauta depois de ter sido rejeitado
pelos parlamentares em Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados.
Na época, o
deputado federal Orlando Silva (PCdoB) alertou para as consequências da mudança
na medida. “Essa frouxidão na lei penal, essa permissividade, deve ser vista ao
mesmo tempo em que nós estamos observando o afrouxamento das regras para porte
e uso de armas. Combinando os dois elementos nós podemos aumentar a tragédia
brasileira”, disse.
Desde então,
Bolsonaro havia desistido de pautar o assunto na Câmara, onde ex-presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM), deu prioridade a temas relacionados a economia e
evitou colocar em debate pautas polarizadas.
Bolsonaro abordou
superficialmente o assunto em alguns eventos, como a visita à Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), no dia 15 de dezembro do
ano passado. Na ocasião, o presidente afirmou que iria pautar o tema a partir
da composição da nova mesa diretora da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal.
Com a definição no
Congresso e as eleições de Arthur Lira (PP-AL) para Câmara dos Deputados e
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o Senado Federal, Bolsonaro está novamente
empenhado em aprovar um excludente de ilicitude mais amplo e novos decretos
para a posse e porte de armas.
“O policial em
operação tem que ter uma garantia. Quem manda as Forças Armadas para rua em uma
GLO [Garantia da Lei e da Ordem] sou eu. Quem coloca na rua a Polícia Militar é
o governador. Nós temos que ter responsabilidade. Homens sérios, honestos,
chefes de família, trabalhadores, não podem, após o cumprimento da missão,
receber visita de um oficial de Justiça e começar a responder um inquérito.”,
afirmou Bolsonaro durante a solenidade desta quinta-feira (4).
“[Não pode] até
mesmo receber uma ordem de prisão preventiva. Isso não pode acontecer. Se ele
está armado na rua, é porque nós colocamos as armas nas mãos deles”, disse, em
referência aos agentes de segurança pública.
A mudança sugerida
no excludente diz respeito aos agentes de segurança em operações de Garantia da
Lei e da Ordem (GLO), nas quais as Forças Armadas atuam em uma região
determinada durante um período específico. Um exemplo de GLO, que foi muito
criticada pela violência na abordagem policial, é a operação autorizada por
Michel Temer no combate ao crime organizado em comunidades fluminenses, no Rio
de Janeiro, em 2017.
O Anteprojeto disponível no site da
Câmara propõe um entendimento um pouco mais amplo para legítima
defesa, justificada no documento em casos de “ato de terrorismo”, “conduta
capaz de gerar morte ou lesão corporal”, “mediante violência ou grave ameaça” e
“portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo”. Caso o inquérito conclua que
a violência policial tenha ocorrido em um desses cenários, não haverá
possibilidade de prisão em flagrante e os profissionais da área só responderão
por excesso doloso, ainda assim com redução da pena.
Outro ponto do
discurso de Bolsonaro nesta quinta-feira (4) em Cascavel foi a simplificação no
registro de armas. O presidente afirmou que vai “baixar” mais três decretos
sobre armas.
“Arma é um direito
de vocês! Arma evita que um governante de plantão queira ser ditador. Eu não
tenho medo do povo armado, muito pelo contrário. Me sinto muito bem estar do
lado do povo de bem armado em nosso Brasil.”, discursou Bolsonaro.
Há também no portal da Câmara um Anteprojeto que
visa “aprimorar a legislação às necessidades e ao direito dos cidadãos que
pretendem e estejam habilitados a possuir ou portar arma de fogo para garantir
a sua legítima defesa, de seus familiares, de sua propriedade e de terceiros.”
A mudança principal
é no pedido de registro para porte de arma na PF, que institui que o requerente
deve comprovar a necessidade do porte. Segundo o documento, o processo é
“subjetivo” e a declaração da atividade profissional é suficiente para
fundamentar o pedido. Outras alterações na definição de espaço considerado como
residência e ambiente de trabalho estão previstas, o que modifica o
entendimento dos limites de posse de arma.
Em 2020, o governo
federal se empenhou para flexibilizar a compra e o registro de armamento no
país. Foram quase 30 atos normativos para facilitar o acesso às armas de fogo.
O limite de armas por cidadão dobrou, de duas para quatro, assim como foi
ampliada a quantidade máxima permitida na compra de munições. O governo também
revogou portarias que determinavam fiscalização, rastreamento, identificação de
armas e munição.
Em dezembro do ano
passado, a alíquota de importação de armas foi zerada, mas a medida foi suspensa
por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Na decisão,
Fachin disse que “o risco de um aumento dramático da circulação de armas de
fogo, motivado pela indução causada por fatores de ordem econômica, parece-me
suficiente para que a projeção do decurso da ação justifique o deferimento da
medida liminar [decisão provisória]”.
Fachin também
destacou que a segurança dos cidadãos deve primeiramente ser garantida pelo
Estado, e não pelos indivíduos. “É possível concluir que não há, por si só, um
direito irrestrito ao acesso às armas, ainda que sob o manto de um direito à
legítima defesa. O direito de comprar uma arma, caso eventualmente o Estado
opte por concedê-lo, somente alcança hipóteses excepcionais, naturalmente
limitadas pelas obrigações que o Estado tem de proteger a vida”, afirmou o
ministro.
Na época, a
deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) questionou a medida do governo. “Vidas
valem muito. Não é de mais armas que o Brasil precisa”, ponderou a parlamentar.
“Mais armas no Brasil? Isso é novamente armar a população civil brasileira.
Para matar quem? Para proteger quem? Que tipo de política nós vamos fazer no
Brasil isentando importação de armas? Nós estamos aumentando o risco da
população brasileira. E, novamente, haverá recorte racial nessas mortes, como
haverá um recorte de gênero também”, destacou.
Violência policial
Os negros foram a maioria das
mortes por policiais na Bahia, no Rio de Janeiro, em
Pernambuco, no Ceará e em São Paulo. É o que aponta o estudo com dados de 2019
fornecidos via Lei de Acesso à Informação pelas secretarias de segurança dos
estados à Rede de Observatórios da Segurança, que está presente nos cinco
estados e monitora ações policiais.
A Bahia registrou o
maior número proporcional: 97% dos 650 mortos por policiais no ano passado eram
pessoas negras. O percentual é muito maior do que taxa de população negra no
estado, que é de 76%, segundo o IBGE. Em Pernambuco, 93% dos mortos pelos
agentes eram pessoas negras. A taxa de negros na população do estado é de
61,9%.
No Ceará, a taxa é
de 87%, mas o estado não classificou 77% dos registros, o que prejudica a
contagem. Em 86% das 1814 mortes do tipo no Rio de Janeiro em 2019, as vítimas
eram negras. Em São Paulo, do total de mortos pela polícia, mais de 62% são
negros.
Ana Clara Machado,
morta pela polícia
A morte da menina
Ana Clara Machado, de 5 anos, é mais um triste exemplo da conduta equivocada
das Forças de Segurança no país. O policial militar Bruno Dias Delaroli foi
preso por disparar contra a criança no bairro de Pendotiba, em Niterói, região
metropolitana do Rio de Janeiro.
Segundo familiares,
agentes do Batalhão de Niterói (12° BPM) se aproximaram do local disparando
armas de fogo e acertaram Ana Clara, que brincava perto ao portão de casa. Após
uma demora inicial para prestar socorro, encaminharam a vítima para o Hospital
Estadual Azevedo Lima, onde ela faleceu. Uma testemunha do caso depôs que
policiais voltaram ao local do crime para recolher cápsulas do fuzil utilizado
pela PM do Rio de Janeiro.
A PMERJ alega que
os disparos foram uma reação a um conflito na região e que o socorro foi
prestado imediatamente. Porém, os peritos da Delegacia de Homicídios de
Niterói, Itaboraí e São Gonçalo recolheram cápsulas de fuzil 7,62 iguais às
usadas pela PM e não localizou “quaisquer estojos de munição de pistola, tipo
de arma que supostamente teria sido utilizada pelos criminosos do local”. O
trecho é da decisão da juíza Monique Brandão dos Santos Moreira pela prisão
preventiva do PM Bruno Delaroli, que responde também por outro processo
criminal por homicídio.
De acordo com os
dados da plataforma Fogo Cruzado, Ana Clara é a quarta criança baleada no
Grande Rio, e a segunda que morre, somente este ano.
População armada
O Brasil tem 1,151
milhão de armas legais nas mãos de cidadãos civis. Em relação a dezembro de
2018, antes da posse de Bolsonaro, o número é 65% maior. Na época, eram 697 mil
armas na posse de civis.
O levantamento é
uma parceria dos Institutos Igarapé e Sou da Paz com o jornal O Globo. Os
dados, publicados no dia 31 de janeiro de 2021, foram obtidos via Lei de Acesso
à Informação junto ao Exército e à PF (Polícia Federal).
Na conta entram as
armas em poder do “cidadão comum”, sem considerar as que estão em posse de
empresas de segurança privada, clubes de tiro, policiais e integrantes das
Forças Armadas.
Com informações de
O Globo, Uol e Poder 360
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