Segundo o TCU, há
cerca de 6.100 militares em funções civis no governo federal. Em 2017, eram 3
mil
Publicado 28/02/2021 11:04
Além do Ministério
da Defesa – que geralmente abriga membros de Exército, Marinha e Aeronáutica –,
pastas como Saúde e Meio Ambiente registram avanços significativos. Mas a
tendência é nítida no conjunto da máquina federal. Dois movimentos feitos por
Bolsonaro nos últimos dias vão aprofundar a participação: o general Joaquim
Silva e Luna foi indicado para a presidência da Petrobras, enquanto o almirante
Flávio Rocha deve ser o novo chefe da Secretaria Especial de Comunicação
(Secom).
Para especialistas,
o salto ignora a necessidade de experiência prévia em áreas sensíveis, como o
combate à pandemia da Covid-19 e o controle do desmatamento. Além disso, a
militarização do governo federal expõe a dificuldade de Bolsonaro em articular
uma base.
Ao longo das
gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer, o percentual de ocupação desses
cargos por membros das Forças Armadas não passou de 2,5%. No governo Bolsonaro,
em setembro, havia presença militar em 6,5% dos postos com remuneração bruta
entre R$ 6 mil e R$ 16,9 mil. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há
cerca de 6.100 militares em funções civis no governo federal. Em 2017, eram 3
mil.
Para o cientista
político Maurício Santoro, da Uerj, a ampliação do espaço de militares,
inicialmente ligada à tentativa de criar uma imagem “técnica” do governo,
passou a obedecer uma lógica de crises. “Os militares passaram a assumir as
tarefas ideologicamente controversas. Assumiram a Saúde porque o presidente não
encontrava médicos dispostos a implementar uma visão negacionista. Entraram no
Ibama, onde Bolsonaro tinha problemas com sua política ambiental. Também é o
que ocorre, em parte, na Petrobras”, lembra Santoro.
A mudança na
petroleira, após insatisfação de Bolsonaro com o aumento do preço dos combustíveis,
é citada pelo cientista político Christian Lynch como exemplo de uso dos
militares como “interventores”. A seu ver, “Bolsonaro tenta dar uma impressão
ordeira para seu eleitorado – mas o que importa mesmo a ele é que cumpram suas
ordens em assuntos que podem afetar sua reeleição. Por isso, se cerca dos
militares que compartilham deste projeto político”.
No conselho de
administração da Petrobras, no qual Silva e Luna também deve ingressar, há dois
militares indicados por Bolsonaro. A participação também ocorre em estatais
como Eletrobras e Correios, nas quais há promessa de privatização — esta última
é presidida por um militar.
Após um primeiro
ano de governo marcado por quedas de popularidade e pelo avanço de
investigações contra a família de Bolsonaro, a Presidência da República teve o
maior incremento entre todos os órgãos, com nomeações de 34 militares para
postos estratégicos. O principal deles foi a chefia da Casa Civil, assumida
pelo general Braga Netto em fevereiro de 2020.
Flávio Rocha,
nomeado secretário de Assunto Estratégicos na mesma época, agora é cotado para
a Secom. O Ministério do Meio Ambiente, criticado em meio a recordes de
queimadas, teve nomeações de militares nas superintendências do Ibama no
Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio. A presença cresceu até agosto
de 2019 e voltou a subir no início de 2020, na sequência do período mais
crítico na Amazônia.
A pasta da Saúde é
hoje a terceira área com mais militares no governo, atrás apenas da Defesa e da
Presidência. O ministro Eduardo Pazuello, general da ativa, nomeou 21 dos 30
militares nesses postos. Para Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e
professor de Saúde Pública da USP, eles carecem de “domínio total”da área de
atuação. “Há também uma lógica de comando em que falta espaço para o diálogo,
sempre essencial na Saúde”, afirma.
Entre os militares
do time de Pazuello, há exemplos de descumprimento de medidas recomendadas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a Covid-19. O major da reserva Angelo
Martins Denicoli, nomeado em maio como diretor de Monitoramento e Avaliação do
SUS, fez publicações encorajando o uso da cloroquina, remédio sem comprovação
científica contra o coronavírus. Denicoli tem formação em Educação Física, MBA
em Economia e Gestão e atuou na Comissão de Desportos do Exército.
Pazuello também
nomeou três coordenadores distritais de Saúde Indígena que não informam, em
seus currículos, experiência na área. O trio está subordinado ao secretário
especial de Saúde Indígena, o coronel da reserva Robson Santos da Silva,
nomeado por Luiz Henrique Mandetta, e que se apresentava como consultor em
educação a distância.
“Mais importante
até do que a formação é a experiência em gestão na área de Saúde, o que não se
vê nesses militares”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-diretor de
Vigilância em Saúde. “No caso da Saúde Indígena, não estão conseguindo aplicar
todas as doses de vacina destinadas às aldeias. Falta compreensão das políticas
públicas.”
Já o ex-ministro da
Saúde José Gomes Temporão enxerga “incompatibilidade” na trajetória dos
militares. “O departamento de Monitoramento do SUS acompanha indicadores de
saúde muito específicos. Já a Atenção Especializada atua em transplantes, com
hospitais de excelência e tratamentos como hemodiálise”, diz Temporão. “Os
escolhidos foram nomeados para um campo desconhecido para eles.”
Com informações do
O Globo
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