domingo, 28 de fevereiro de 2021

Como Bolsonaro militarizou o governo federal

 


Segundo o TCU, há cerca de 6.100 militares em funções civis no governo federal. Em 2017, eram 3 mil

Publicado 28/02/2021 11:04

 

Desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, o número de militares em funções de comando nos ministérios praticamente dobrou. Em janeiro de 2019, no início do governo, havia 188 egressos das Forças Armadas em cargos comissionados nas maiores faixas de remuneração do governo federal, em postos de coordenação, diretoria, secretaria ou de ministro. Já em setembro de 2020, a presença militar nesses postos saltou para 342 representantes.

Além do Ministério da Defesa – que geralmente abriga membros de Exército, Marinha e Aeronáutica –, pastas como Saúde e Meio Ambiente registram avanços significativos. Mas a tendência é nítida no conjunto da máquina federal. Dois movimentos feitos por Bolsonaro nos últimos dias vão aprofundar a participação: o general Joaquim Silva e Luna foi indicado para a presidência da Petrobras, enquanto o almirante Flávio Rocha deve ser o novo chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom).

Para especialistas, o salto ignora a necessidade de experiência prévia em áreas sensíveis, como o combate à pandemia da Covid-19 e o controle do desmatamento. Além disso, a militarização do governo federal expõe a dificuldade de Bolsonaro em articular uma base.

Ao longo das gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer, o percentual de ocupação desses cargos por membros das Forças Armadas não passou de 2,5%. No governo Bolsonaro, em setembro, havia presença militar em 6,5% dos postos com remuneração bruta entre R$ 6 mil e R$ 16,9 mil. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há cerca de 6.100 militares em funções civis no governo federal. Em 2017, eram 3 mil.

Para o cientista político Maurício Santoro, da Uerj, a ampliação do espaço de militares, inicialmente ligada à tentativa de criar uma imagem “técnica” do governo, passou a obedecer uma lógica de crises. “Os militares passaram a assumir as tarefas ideologicamente controversas. Assumiram a Saúde porque o presidente não encontrava médicos dispostos a implementar uma visão negacionista. Entraram no Ibama, onde Bolsonaro tinha problemas com sua política ambiental. Também é o que ocorre, em parte, na Petrobras”, lembra Santoro.

A mudança na petroleira, após insatisfação de Bolsonaro com o aumento do preço dos combustíveis, é citada pelo cientista político Christian Lynch como exemplo de uso dos militares como “interventores”. A seu ver, “Bolsonaro tenta dar uma impressão ordeira para seu eleitorado – mas o que importa mesmo a ele é que cumpram suas ordens em assuntos que podem afetar sua reeleição. Por isso, se cerca dos militares que compartilham deste projeto político”.

No conselho de administração da Petrobras, no qual Silva e Luna também deve ingressar, há dois militares indicados por Bolsonaro. A participação também ocorre em estatais como Eletrobras e Correios, nas quais há promessa de privatização — esta última é presidida por um militar.

Após um primeiro ano de governo marcado por quedas de popularidade e pelo avanço de investigações contra a família de Bolsonaro, a Presidência da República teve o maior incremento entre todos os órgãos, com nomeações de 34 militares para postos estratégicos. O principal deles foi a chefia da Casa Civil, assumida pelo general Braga Netto em fevereiro de 2020.

Flávio Rocha, nomeado secretário de Assunto Estratégicos na mesma época, agora é cotado para a Secom. O Ministério do Meio Ambiente, criticado em meio a recordes de queimadas, teve nomeações de militares nas superintendências do Ibama no Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio. A presença cresceu até agosto de 2019 e voltou a subir no início de 2020, na sequência do período mais crítico na Amazônia.

A pasta da Saúde é hoje a terceira área com mais militares no governo, atrás apenas da Defesa e da Presidência. O ministro Eduardo Pazuello, general da ativa, nomeou 21 dos 30 militares nesses postos. Para Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e professor de Saúde Pública da USP, eles carecem de “domínio total”da área de atuação. “Há também uma lógica de comando em que falta espaço para o diálogo, sempre essencial na Saúde”, afirma.

Entre os militares do time de Pazuello, há exemplos de descumprimento de medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a Covid-19. O major da reserva Angelo Martins Denicoli, nomeado em maio como diretor de Monitoramento e Avaliação do SUS, fez publicações encorajando o uso da cloroquina, remédio sem comprovação científica contra o coronavírus. Denicoli tem formação em Educação Física, MBA em Economia e Gestão e atuou na Comissão de Desportos do Exército.

Pazuello também nomeou três coordenadores distritais de Saúde Indígena que não informam, em seus currículos, experiência na área. O trio está subordinado ao secretário especial de Saúde Indígena, o coronel da reserva Robson Santos da Silva, nomeado por Luiz Henrique Mandetta, e que se apresentava como consultor em educação a distância.

“Mais importante até do que a formação é a experiência em gestão na área de Saúde, o que não se vê nesses militares”, avalia o infectologista Julio Croda, ex-diretor de Vigilância em Saúde. “No caso da Saúde Indígena, não estão conseguindo aplicar todas as doses de vacina destinadas às aldeias. Falta compreensão das políticas públicas.”

Já o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão enxerga “incompatibilidade” na trajetória dos militares. “O departamento de Monitoramento do SUS acompanha indicadores de saúde muito específicos. Já a Atenção Especializada atua em transplantes, com hospitais de excelência e tratamentos como hemodiálise”, diz Temporão. “Os escolhidos foram nomeados para um campo desconhecido para eles.”

Com informações do O Globo

 

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