Do Editorial do Portal Vermelho
Publicado 25/01/2022 16:24 | Editado 25/01/2022 17:00
Dizia o jornalista,
escritor e humorista Aparício Torelly, o “Barão de Itararé” (1895-1971): “De
onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Talvez esta seja a melhor
síntese para nossos sentimentos e expectativas diante da postura do governo
Jair Bolsonaro frente à pandemia de Covid-19. Não faltam pretextos para o
presidente reorientar o discurso e as práticas negacionistas de sua gestão, que
tanto mal causou ao povo desde o início da crise sanitária. E, no entanto,
gestores federais – e o próprio Bolsonaro – seguem relativizando a pandemia,
propagando fake news e pondo em risco a vida dos brasileiros.
Dois episódios
recentes ilustram a irresponsabilidade do bolsonarismo. Um deles diz respeito à
vacinação infantil. Em 12 de dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) autorizou a aplicação de duas doses de uma vacina da Pfizer contra
Covid-19 específica para crianças de 5 a 11 anos. Nos Estados Unidos e na União
Europeia, bem como em diversos países da América Latina, as agências regulatórias
de saúde já haviam emitido autorização similar.
Mas, diferentemente
de outros governantes, Bolsonaro esnobou a deliberação e retardou a busca do
imunizante da Pfizer, a exemplo do que já fizera desde agosto de 2020 em
relação às vacinas para adultos. Primeiro, o presidente anunciou que pais e
responsáveis precisariam assinar um termo de responsabilidade para vacinar as
crianças – e que a prescrição médica em postos de vacinação deveria ser
cobrada. Dias depois, Bolsonaro afirmou que daria publicidade ao nome de
servidores da Anvisa envolvidos na medida – o que, segundo o chefe da agência,
Antonio Barra Torres, está por trás das 170 ameaças de morte, agressão e
violência recebidas por esses servidores.
Para atrasar ainda
mais a nova fase de imunização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
organizou uma consulta pública e promoveu uma audiência para debater a medida
da Anvisa. Porém, ao verem que tanto a consulta quanto a audiência revelaram
amplíssimo apoio à vacinação infantil, o governo não recuou. Bolsonaro mentiu
sobre a mortalidade da Covid em crianças e atacou, sem provas, os responsáveis
pela autorização. “Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem por si
só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que
que está por trás disso?”, declarou o presidente em 6 de janeiro. “Qual o
interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por
vacina?”
Entre inverdades,
ilações deturpadas e difamação, Bolsonaro tentou justificar o injustificável.
Até aquela data, 308 crianças entre 5 e 11 anos já haviam morrido em
decorrência do novo coronavírus no Brasil. Segundo Marco Aurélio Sáfadi, da
Sociedade Brasileira de Pediatria, nenhuma doença passível de prevenção por
vacina “vitimou tantas crianças como a Covid-19”.
A provocação do
governo foi tão acintosa que a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal
Federal), enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime que pede a
investigação de Bolsonaro e de Queiroga por prevaricação e atentado às vidas
dos servidores da Anvisa. Trata-se de uma praxe porque, a rigor, a apuração do
caso está nas mãos do Ministério Público. De resto, a batalha foi perdida por
Bolsonaro, que não foi endossado nem pela população, nem por governadores.
Pesquisa PoderData
divulgada em 21 de janeiro mostra que a maioria do povo brasileiro rejeita essa
gestão marcada pelo sadismo e pela desumanidade: 53% avaliam o governo como
“ruim” ou “péssimo”, mais que o dobro dos que julgam o governo “ótimo” ou “bom”
(25%). Duas semanas antes, levantamento do mesmo instituto apontou que apenas
16% dos pais e mães não pretendem vacinar os filhos contra o novo coronavírus,
ante 71% que aderem à vacinação infantil.
Outro marco do
desvario negacionista do governo ocorreu na última sexta-feira (21). Nota
técnica do Ministério da Saúde, assinada por Helio Angotti, secretário de
Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, questionava as
vacinas contra a covid-19. Conforme o documento, os imunizantes não tinham
“demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados”, nem
“demonstração de segurança em estudos experimentais e observacionais
adequados”. Em compensação, Angotti atestava a suposta eficácia da
hidroxicloroquina. Recomendava-se, assim, o “kit Covid”.
A barbaridade foi
tanta que o próprio governo não endossou de imediato a nota. “O Ministério da
Saúde esclarece que em nenhum momento afirmou que o referido fármaco é seguro
para tratamento da Covid-19, nem questionou a segurança das vacinas, que é
atestada pela agência reguladora”, afirmou a pasta. Na terça-feira (25), o
ministério prometeu tirar a nota técnica do ar e publicar outra, “com mais
clareza”. Ainda assim, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, instalada
no Senado, deve convidar o secretário Angotti para prestar esclarecimentos. O
ministro Queiroga também deve ser chamado e, além da nota, será inquirido sobre
o apagão de dados da pandemia e o atraso da vacinação das crianças.
O Senado – vale
lembrar – já deu contribuições efetivas para deter a marcha negacionista do
bolsonarismo. Por uma série de atitudes imprudentes, ilegais e criminosas do
governo – sem contar as omissões –, o relatório final da CPI da Covid-19,
aprovado em novembro, pediu a responsabilização do presidente, de ministros e
ex-ministros da Saúde, gestores federais e parceiros dessa cruzada pela morte.
Os senadores responsabilizaram diretamente Bolsonaro por nove crimes na
pandemia – e alguns deles podem levá-lo até a julgamento em tribunais
internacionais.
Nada disso parece
ter inibido esses mensageiros da morte, conforme evidenciam os novos episódios.
Nem mesmo as 623 mil vidas perdidas no País em menos de dois anos – uma média
diária de quase mil mortes – devido à pandemia são capazes de sensibilizar o
governo. Mas algo mudou: à comoção em torno dessas mortes se somou a indignação
com o recorrente desprezo pessoal de Bolsonaro e a criminosa negligência de seu
governo. Enquanto nega a ciência e a vida, Bolsonaro derrete. Suas posições
antivacina e anticiência foram desmoralizadas pela população. O próximo passo é
tirá-lo do poder, julgá-lo por seus crimes e condená-lo exemplarmente. A marcha
bolsonarista fracassou.
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