Quando o mal de
banaliza, perde-se a capacidade de indignação
Publicado 04/02/2022 08:30 | Editado 03/02/2022 21:30
Há um filme sobre
uma peça de teatro que pretende contar a Revolução Francesa.
Na primeira cena, o
rei e a rainha fogem da França e são recapturados na fronteira. A plateia
reclama, dizendo que a revolução deve ser contada de outro modo.
Outra encenação,
com outros argumentos, digamos assim, “lineares”, e novamente a plateia
protesta.
Vem, então, uma
nova encenação. Passa-se na casa de caça de um palácio.
Aparece uma bacia
com água quente, uma camponesa prestes a dar à luz e a parteira pronta para o
ato.
Na sequência, entra
o aristocrata, que voltava da caçada. Vendo aquela água límpida, olha de
soslaio para a grávida e… lava suas botas sujas na bacia destinada ao parto.
Desdém, deboche e
desprezo.
“Pronto”, alguém
grita da plateia, “é assim que se conta a origem da Revolução; assim se resgata
a capacidade de indignação”.
Quando o mal se
banaliza, perde-se a capacidade de indignação, diz-se. A morte do congolês
Moïse Kabogambe é difícil de ser contada. Difícil até de se falar. A sangria do
cotidiano nos banalizou.
Há vários modos de
falar de um assunto. Assim como há vários modos de contar a revolução francesa.
Uma delas é mostrar
algo que provoca a indignação. A lavagem das botas sujas na água do parto
aponta para o ponto de estofo. Aquilo que nos sobressalta.
São muitas as botas
lavadas nas águas do parto. Essa foi mais uma. Até quando?
“Pronto”, alguém
grita da sociedade. Que não seja uma indignação no varejo e uma alienação no
atacado. Sim, porque talvez estejamos nessa situação por causa do olhar
meramente varejista.
Falta o atacado.
Fonte: Conjur
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