Do Editorial do Portal Vermelho
Publicado 25/03/2022 10:18 | Editado 26/03/2022 07:06
Militância do PCdoB participa de ato pelo #ForaBolsonaro, no Vale do
Anhangabaú, em 2021 [Foto: Alcineia Silva]
“Depois, quando
surgiu o novo dia,
a mesma intrepidez e a mesma valentia,
trinta e três vozes no Distrito,
vozes no norte, no sul,
vozes que o povo escolheu
pra o povo representar,
anunciavam ao céu,
anunciavam ao mar
que o partido do povo ainda
existia,
que o partido do povo não morria
porque o povo não morre e eles
eram o povo.
Sempre se refazendo.
Sempre novo.
Sempre no mesmo rumo.
Sempre novo.”
(Mário Lago)
É improvável que os
nove homens reunidos na casa da Rua Visconde de Rio Branco, em Niterói, então
capital do estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de março de 1922, desconfiassem
da dimensão de sua ousadia. No Brasil daquelas primeiras décadas do século 20,
pipocavam, aqui e ali, partidos de origem operária, invariavelmente
anarquistas, inexoravelmente marcados para morrer.
Eram, na prática,
legendas regionais, sem expressão nacional. Embora combativas, tinham poucas
condições de resistir à repressão – do Estado, da imprensa, das elites, de todo
lugar. Não raro, estavam à margem do movimento comunista internacional, que
ganhava impulso, mundo afora, com a Revolução Russa, de 1917, e a criação da
Internacional Comunista, a 3ª Internacional, em 1919.
Mas, num golpe de
audácia, os nove que se reuniram há cem anos, representando cerca de 50 membros
de grupos comunistas pelo País afora, deram início à epopeia de um partido
diferente de todos que já haviam existido – e que viriam a existir – no Brasil.
Batizaram-no, a princípio, de Partido Comunista – Seção Brasileira da
Internacional Comunista (PC-SBIC).
O congresso
prosseguiu, nos dias 26 e 27 de março de 1922, no Rio de Janeiro. Em seu
término, os nove fundadores deixaram-se fotografar e ainda cantaram A
Internacional, o hino universal dos comunistas.
O ano da fundação
da legenda – que logo seria rebatizada como Partido Comunista do Brasil, com a
sigla PCB – foi fecundo de realizações extraordinárias. A Semana de Arte
Moderna, promovida um mês antes, no Theatro Municipal de São Paulo, injetou
brasilidade, frescor e atrevimento nas artes nacionais, inaugurando,
simbolicamente, o modernismo no País.
A tomada do Forte
de Copacabana, em 5 de julho, por 18 brasileiros contrários à República Velha –
sendo 17 militares de baixa patente e um civil – foi o estopim do movimento
tenentista. Embora tenha sido debelada em um dia, a Revolta dos “18 do Forte”
evidenciava as tensões sociais. O presidente Epitácio Pessoa, em fim de
mandato, não apenas proibiu toda e qualquer atividade do Partido Comunista –
mas também decretou o “estado de sítio”, que se estendeu no governo subsequente
de Artur Bernardes.
Posto na
ilegalidade, por quanto tempo o partido sobreviveria? Até quando seria
relevante para o País? Conseguiria efetivamente mudar os rumos dos fatos? Seria
capaz de ajudar a causa dos trabalhadores, da democracia e do socialismo?
Sim, o partido que
os nove revolucionários fundaram um século atrás desafiou a regra. Intrépido,
resistiu, sobreviveu e persistiu – não sem adversidades. A célebre exortação de
Marx e Engels – “Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução
comunista” – resume o prolongado temor que a burguesia brasileira alimentou com
a existência de um partido marxista-leninista organizado e ativo. Assim, por
cerca de 60 anos, o Partido teve de atuar de forma clandestina. Lideranças e
dirigentes foram presos, torturados e assassinados.
Astrojildo Pereira
(1890-1965) personifica os primeiros anos do PC do Brasil. De origem
anarquista, tornou-se, com o tempo, uma referência do marxismo-leninismo.
Secretário-geral do Partido na década de 1920, ajudou a consolidar a luta dos
comunistas com grandes contribuições teóricas e práticas.
Luís Carlos Prestes
(1898-1990), o “Cavaleiro da Esperança”, líder da Coluna Invicta, lidera o
Partido Comunista a partir dos anos 1930. Mesmo preso de 1936 a 1945, alcança
grande popularidade, a ponto de ser o segundo senador mais votado do País pouco
depois de sua libertação.
Com Amazonas,
Prestes e outros parlamentares, a bancada comunista se destacou nos debates
para a Constituição de 1946
É João Amazonas
(1912-2002) que protagoniza a saga do Partido por cerca de 40 anos. Em
fevereiro de 1962, quando os comunistas foram obrigados a se reorganizar para
manter a essência revolucionária, Amazonas está à frente do grupo. Foi nessa
Conferência Extraordinária que a sigla PCdoB começou a ser formalmente usada.
Essa geração – que
inclui Pedro Pomar, Maurício Grabois e outros revolucionários – combate a
ditadura militar (1964-1985) e promove a épica Guerrilha do Araguaia
(1967-1974). A luta pela anistia e pela redemocratização conta com o firme
engajamento dos comunistas, com destaque para a campanha das Diretas Já
(1983-1984).
Em 1985, com a
vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e o fim do regime autoritário, o
PCdoB conquistou a legalidade, mantida até os dias atuais, a despeito do
recente avanço do anticomunismo e de retrocessos como a cláusula de barreira.
Sob esse período democrático – o maior na história do Brasil –, o Partido é
reconhecido também pelo desempenho de seus parlamentares no Congresso Nacional.
A exemplo do que já haviam logrado nos debates da Constituição de 1946, os
comunistas sobressaem na Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986, que
culmina na “Constituição Cidadã” de 1988.
O Partido, presente
nas lutas sociais e na luta de ideias, ganha envergadura
político-institucional. Elege não apenas parlamentares – mas também prefeitos e
um governador. Apoia as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva desde o
lançamento, em 1989, da Frente Brasil Popular, da qual João Amazonas é um dos
principais idealizadores.
Renato Rabelo e Luciana Santos (ao centro) presidiram o PCdoB a partir de 2001
Nos governos Lula,
o PCdoB assume, pela primeira vez, ministérios, secretarias nacionais, agências
reguladoras e outras estatais federais. No comando do Ministério do Esporte, os
comunistas viabilizam a realização no Brasil dos Jogos Pan-Americanos (2007),
da Copa do Mundo (2014) e da Olimpíada (2016). Em 2018, é lançada a inédita
candidatura de uma mulher comunista, Manuela d’Ávila, a vice-presidenta da
República, na chapa com Fernando Haddad (PT). Todos esses grandes saltos se dão
quando o Partido é presidido por Renato Rabelo (2001-2015) e Luciana Santos
(desde 2015).
Hoje (25/3), o
PCdoB alcança seu centenário – uma marca rara no mundo e absolutamente inédita
no País. Datam do século 19, por exemplo, as duas legendas hegemônicas dos
Estados Unidos – o Partido Democrata (1828) e o Partido Republicano (1854). No
Reino Unido, o Partido Conservador foi fundado em 1834, e o Partido
Trabalhista, em 1900. Mas, no Brasil, não há partido mais antigo.
Assim como o PCdoB,
outros partidos comunistas foram fundados depois – e sob influência direta – da
Revolução Bolchevique. O PCP, de Portugal, e o PCCh, da China, são de 1921. Na
América do Sul, há PCs ainda mais longevos, como os da Argentina (1918) e do
Uruguai (1920). O PCdoB é, portanto, parte de uma tradição internacionalista.
Acima de tudo, o PCdoB
se revelou um partido indispensável. Num país em que 61% dos brasileiros
desconfiam dos partidos políticos, conforme pesquisa Datafolha feita em
setembro de 2021, até mesmo adversários admitem a importância histórica e o
legado do PCdoB, ao longo de seus “cem anos de amor e coragem pelo Brasil”.
Não faltaram
bandeiras históricas aos comunistas nestes cem anos: a emancipação dos
trabalhadores e o sindicalismo classista; a redução da jornada de trabalho; a
reforma agrária; a campanha O Petróleo É Nosso; a industrialização do País e o
desenvolvimento nacional; a resistência ao fascismo e às forças reacionárias; o
internacionalismo proletário e a solidariedade entre as nações; a luta
anti-imperialista e a paz mundial; a defesa da democracia; as políticas públicas
universais, como o SUS (Sistema Único de Saúde); a luta contra a privatização
do patrimônio público e o neoliberalismo; a causa socialista.
O PCdoB tem um
Programa Socialista, aprovado em seu 12º Congresso. Seu ponto de partida é o
Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Em 2022, fruto de debates
concentrados no processo do 15º Congresso, o Partido lançou o documento
“Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional”.
A mãe de todas as
batalhas atuais dos comunistas – e também dos democratas – é a derrota de Jair
Bolsonaro. Somente o fim de seu governo de destruição pode recolocar o Brasil
na rota do crescimento econômico e do desenvolvimento, com reindustrialização
do País, valorização do trabalho e distribuição de renda.
Segundo Luciana
Santos, sua presidenta nacional, o Partido Comunista do Brasil chega jovem e
contemporâneo ao centenário “porque soube renovar seu pensamento político,
tático e estratégico, em meio ao fluxo do movimento, das mudanças, da realidade
mundial e brasileira. Consoante à sua base teórica, o marxismo-leninismo, o
Partido soube aprender com os erros, enriquecer-se com as lições da história e
dar respostas aos novos dilemas e desafios que emergem sem cessar da dinâmica
das lutas de classes”.
Nestes dias 25 e 26
de março, em Niterói, comunistas de todo o Brasil celebram o centenário do
PCdoB no Festival Vermelho – Floresce a Esperança. Ao lado da reunião ampliada
e especial do Comitê Central, na cidade-berço do Partido, o festival mostrará
que o sonho revolucionário dos nove fundadores do PCdoB se multiplicou
exponencialmente para centenas de milhares de dirigentes, militantes, filiados
e simpatizantes. Viva o PCdoB, viva o socialismo, viva o Brasil!
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