domingo, 24 de julho de 2022

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL E CAPITALISMO - Reinvenção ou substituição da democracia liberal?

 

Por Dedé Rodrigues

A pedido da aluna Tatiane, 3º Ensino Médio A, EREFEMAAC, Tabira, 2022, fizemos uma breve intervenção sobre alguns conteúdos do livro de Filosofia, produzido por Aranha e Martins (2016), no qual elas abordam do Fórum Social Mundial (2015), aspectos da conjuntura e os desafios da humanidade com as consequências danosas do neoliberalismo sobre a sociedade. Muitas informações importantes foram passadas, resultado de teses de diversos pensadores, tais como Piketti,  Bobbio, Keynes, Hayek, entre outros. No encontro do Fórum de 2015, na Carta de Princípios,  além de críticas ao neoliberalismo, fizeram também propostas de intervenção no mundo real, até se conquistar na prática a palavra de ordem “Direitos  e dignidade. Defendeu-se nesses encontros que “um outro mundo é possível”, mas que mundo seria esse? Qual sistema político, econômico e social e democracia precisamos construir?

Nos conteúdos pesquisados no  livro de Filosofia foram abordados alguns aspectos da crise do capitalismo neoliberal,  chamadas de “crueldades do século XX”,  as duas guerras mundiais, as bombas atômicas no Japão, o horror dos “regimes totalitários” nos campos de concentração, as ditaduras na América do Sul, os movimentos migratórios, atos terroristas com conotação política e religiosa etc.  Para as autoras do livro os novos e antigos desafios exigem a “reinvenção da democracia”. Mas qual democracia? Segundo elas, na procura de solução para os males do capitalismo, surgiram  outras tendências políticas no século XX.

No século XX, surgiram tendências como liberalismo de esquerda, socialismo liberal ou liberal socialismo, o que pode parecer uma extravagância pela ambiguidade ao unir conceitos contraditórios aparentemente inconciliáveis: o livre mercado e o controle estatal da economia. (ARANHA E MARTINS, 2016, p. 288).

 

As autoras abordaram ainda as  consequências da políticas neoliberais, aliadas as políticas  imperialistas,  o embate entre menos Estado e mais Estado na economia e por aí vai. Nesse processo foi lembrado que a própria Inglaterra e os Estados Unidos criaram medidas assistenciais, com a intervenção do Estado na economia,  para enfrentar a crise gerada pelo liberalismo, medidas não aconselhadas nem adotadas por muitos países subservientes aos impérios que caíram no encanto do neoliberalismo. Foram abordados também  o  surgimento do chamado “liberalismo social” e, pensadores como Bobbio, entre outros, defenderam um neocontratualismo na esperança de que a democratização chegasse a educação e a outros setores sociais, embora repudiassem a tese marxista da luta de classes,  nega-se o mundo burguês e  desenvolve-se a ideia de conciliação entre o liberalismo e o socialismo, uma espécie de "terceira via", que recusa a tese de que esses dois conceitos seriam inconciliáveis, admitindo que a passagem de um para o outro poderia ser gradual e pacífica.

Esse embate entre concepções políticas diferentes sobre o papel do Estado é retomado com a queda do socialismo real, comemorado pelo liberais, mas criticado pelas autoras do livro que questionam: afinal o que é o capitalismo real? Seguindo essa linha de defesa do liberalismo, mas de tentativa de amenizar as crises provocadas por ele, outros autores como o Francês Thomas Peketti, em O capital no século XXI, propõe a taxação de grandes fortunas ou taxação progressiva de impostos para diminuir os efeitos negativos das crises do capitalismo.

Nesse contexto político, entre o final do século XX e início do século XXI, as autoras do livro abordaram ainda aspectos importantes da implantação do neoliberalismo no Brasil, a primavera árabe, o poder do capital financeiro, o papel das redes sociais nas mobilizações de ruas, os movimentos sociais no Brasil de 2013 e a necessidade da “democratização da democracia” ou mesmo a “reinvenção” dela. Segundo elas. No livro, o especialista Pierre Lévy, descreve a Cibercultura, esse avanço nas comunicações no mundo globalizado, mas que constitui, em si mesmo, “um imenso campo de problemas e de conflitos para os quais nenhuma perspectiva de solução global já pode ser traçada claramente”. Nesse sentido, segundo este pensador, é preciso reinventar as relações de poder com a  moeda, com a democracia e com o Estado, para citar apenas algumas das formas sociais mais brutalmente atingidas no mundo real.

De acordo com Aranha e Martins (2016), nesse sentido não se trata apenas da necessidade de “reconhecer o fenômeno das redes sociais, contraposto a lentidão burocrática de representações partidárias, mas também o  risco de disseminar ódio preconceitos, o que impede o diálogo”. O que elas também chamam de violência, não só patrimonial e física, mas a própria ausência de civilidade nas discussões políticas entre os antagonistas pela internet.

Por fim, Aranha e Martins (2016), concluem a discussão escrevendo: 

A Crise atual pode significar a exigência de alternativas, de que permitam a gestão dos patrimônios  público e privado, de modo a impedir privilégio a oferecer oportunidades de trabalho e acesso aos bens produzidos pela sociedade de maneira mais justa.  (ARANHA e MARTINS, 2016, p. 295).

 

 

CONCLUSÃO:

 

 Diante do exposto podemos perguntar: qual é a formação econômica e o tipo de democracia que precisamos construir no Brasil e no mundo para dar conta dos problemas gerados pelo capitalismo neoliberal? Concordamos, na maior parte, com  os conteúdos analisados pelas autoras do livro de Filosofia, mas há também discordâncias e conceitos complementares que citaremos aqui. Concordamos com as teses de que os movimentos sociais contemporâneos decorrem, em primeiro lugar, das crises do sistema capitalista e da própria democracia liberal, turbinados pelas novas tecnologias de comunicação. Mas a queda do chamado “socialismo real” e o “fim da história”, defendido por Fukuyama, ao invés de conter o ímpeto predatório e belicista do imperialismo, permitiu o avanço da OTAN, o surgimento de novas guerras no final do século XX e início do século XXI. Constata-se também nesse processo a ilusão do chamado   liberalismo de esquerda, socialismo liberal, conceitos, ao nosso ver, inconciliáveis, como formação econômica indefinida,  pois a depender da involução do processo político, econômico e social as rebeliões ou mesmo rupturas serão inevitáveis.  Evidente que parte importante da esquerda marxista hoje defende a tese de que o mercado e o Estado terão vida longa nas formações econômicas atuais e futuras, mesmo no socialismo, mas  conciliar liberalismo e socialismo, exceto do tipo marxista, como defendem alguns liberais nesses conteúdos, ou seja, uma  espécie de 3ª via, com o objetivo de uma  transição gradual e pacífica do liberalismo ao socialismo não acreditamos ser possível. Essa tese estamos classificando como um (neo)socialista utópica”, não científica, pois não acreditamos na  correção dos males  do capitalismo neoliberal, nem da sua própria democracia como se apresenta no Ocidente, preservando esses modelos, pois os problemas constatado no Fórum Social Mundial hoje não são do “socialismo real”, mas do “capitalismo real” , promovidos, em larga escala,  pelo império americano.

 

Foi nessa linha de raciocínio que  o francês Thomas Piketti – em “o Capital no Século XXI” constatou o óbvio: “o capitalismo concentrou renda e gerou a exclusão social”. Devido a isso ele sugere a taxação das grandes fortunas, o que nós concordamos, mas, isso por si só, não dar conta de solucionar os grande problemas gerados pelo capitalismo contemporâneo, haja vista o resultado do Estado de bem estar – social adotado no pós Segunda Guerra Mundial na Europa e países nórdicos que apresentam problemas com o capitalismo neoliberal entrando a todo custo nesses países, com a conivência de “correntes políticas conciliatórias”,  tanto no campo de boa parte da chamada  esquerda de lá, bem como,  com o crescimento da direita. A penetração do neoliberalismo naquelas economias, tem causando estragos consideráveis, como concentração de renda, exclusão social, inflação, desemprego, violência política etc. Evidente que programas de proteção social e desenvolvimento econômico por intermédio do Estado interventor nos marcos do capitalismo proposto por  Keynes são sempre bem vindos em qualquer circunstância, mas negar a luta de classes e acreditar na salvação de uma modelo de sociedade irracional como é o capitalismo e o imperialismo americano  não garante a manutenção da paz, da democracia e nem da justiça social nos países. É pura ilusão política e utópica.  A humanidade se encontra em uma grande encruzilhada histórica ou ela  rompe com o capitalismo neoliberal e com essa falsa democracia imposta pelo Ocidente imperialista ou pode ser extinta da face da terra, como atesta a Guerra da Rússia contra os Estados Unidos e a Otan, tendo a Ucrânia como “bucha de canhão” nessa guerra por procuração. O perigo nuclear é uma realidade, tendo os Estados Unidos e a Otan como principais responsáveis dessa possível hecatombe ou mesmo destruição da vida no planeta.     

Nesse sentido defendemos também a tese de que a “concepção atlantista neoliberal” sobre as formações econômicas e a  democracia liberal não explicam satisfatoriamente o mundo atual. Os chamados regimes totalitários por essa tese, dizendo para o mundo o que é ditadura e o que é democracia, colocando em um mesmo patamar de análise o nazismo e o “stalinismo”,   não corresponde a uma verdade histórica, haja vista, o antagonismo entre essas duas concepções de mundo e a própria revisão histórica hoje feita por especialistas gabaritados como: João Carvalho, Elias Jabbour, pelo professor Grover Furr , entre outros.

 

Concordamos também com a conclusão de  Aranha e Martins (2016), de que precisamos de novas estruturas políticas, sociais e econômicas no mundo, mas acreditamos que  isso não se dará tendo a conciliação de classes como mote,  pois o antagonismo de classes, as várias formas de lutas sociais e de rupturas com o velho continuam na ordem do dia. A análise marxista sobre os males do capitalismo continua atual, a solução ou saída para essa crise complexa é o problema que  precisamos construir e ela não está nos marcos do capitalismo neoliberal.

Sendo assim, apesar dos termos defendido por autores desse livro, como: “reinvenção da democracia”  “democratização da democracia”, e lutarmos por tudo isso, preferimos o termo “substituição da nossa democracia liberal por uma democracia de “orientação socialista”. Concordo também com  Pierry Lévy, que a comunicação em rede foi um avanço importante nas comunicações,  mas, além de ser preciso selecionar, filtrar e escolher o que vamos ler, a informação também virou uma mercadoria controlada por poucos centros de produção e disseminação, apesar dos avanços,  vivemos ainda em uma “ditadura midiática no Ocidente”. Essa democracia liberal é o rosto e o corpo do imperialismo americano.

Para isso precisamos ocupar as ruas, como defende Pierry Lévy, e que devemos levar para esses movimentos o conhecimento histórico, em especial para enfrentar a extrema direita, a xenofobia e a intolerância e lutar por mais democracia. Mas é bom lembrar que as manifestações de ruas de 2013 no Brasil, tiveram como  resultado o golpe de 2016 e vários retrocessos com a chegada ao poder da extrema direita. A negação da política e da  importância dos partidos resultaram em algo pior com o ódio e a violência física e simbólica sendo instalados no poder central e nas instituições brasileiras. Teria razão o professor Boaventura da Universidade de Coimbra sobre a democracia e o crescimento da extrema direita no mundo quando disse que  “a democracia está morrendo democraticamente?” Se atentarmos para a visão de democracia que têm os bolsonaristas no Brasil quando defendem a liberdade ilimitada para dizer o que querem e cometerem crimes nas redes sociais contra aqueles que pensam diferente deles e o índice de violência, física e psicológica que cresce no país, o negacionismo da Ciência e das urnas eletrônicas, o golpe anunciado ao mundo, nesse mês de julho\22  pelo próprio presidente da República , o pedido da volta do AI-5 e da Ditadura Militar,  por defensores desse governo, Boaventura está coberto de razão.

Nessa linha de raciocínio concordamos que não só precisamos “reinventar a democracia” e de  um novo iluminismo, mas também de uma atualização do marxismo adaptado as realidades singulares e concretas dos vários países, pois é bom  lembrar a frase do iluminista Rousseau de que “uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”. Essa democracia, por certo, não é a democracia liberal vivenciada nos Estados Unidos e em boa parte do mundo nem, muito menos, a sociedade do capitalismo neoliberal. O fato concreto é que vivemos um conflito geopolítica, como expressão maior da luta de classes no mundo atual entre os EUA X China e formações econômicas em conflito: o  capitalismo neoliberal versus capitalismo de Estado mais socialismo de mercado dando os primeiros passos na China em direção ao comunismo. A última reunião do  G7, por exemplo, os Estados Unidos e demais países anunciaram uma ajuda de 600 bilhões de dólares  aos países aliados para enfrentar a rota da seda  da China. Mas Elias Jabbour (2022), especialista em China,  afirma que os EUA não tem capacidade política, econômico e estatal de vencer a parada contra a china,  pois de cada 100 dólares que aquele país gasta ou  investe hoje, só 20% vai para a produção, enquanto na China,  de cada 100 dólares, 97% vai para a produção, por isso, segundo ele os Estados Unidos não conseguem nem consertar a sua própria infraestrutura que está praticamente destruída, imagine fazer frente a rota da seda da China.

Por fim, como lição dessa aula, precisamos dispensar os conceitos anacrônicos sobre democracia, ditaduras, totalitarismo e autoritarismo. Os Fóruns Sociais Mundiais são uma importante trincheira de lutas contra o neoliberalismo, mas limitados politicamente, decorrente de divisões internas e do ponto de vista dos objetivos maiores a que se propõem. Precisamos entender também que existem vários modelos de democracias sendo construídos por povos e países de diversas culturas diferentes. Consideramos que há uma relação hoje entre a luta anti-imperialista com a luta democrática e socialista. O Brasil precisa de um  governo patriota para tirar ganhos nas negociações internacionais, tanto com os Estados Unidos, quanto com  a China ou com outros países, pois não interessa para nós sermos “vassalos do império americano nem de ninguém”. Por isso é importante juntarmos todos contra a direita neofascista e lutarmos por “mais democracia” no país, pois acreditamos que não se trata de “um outro mundo ser possível, mas  de que uma “nova democracia” e uma “nova formação econômica socialista” no Brasil serem possíveis nesse mundo mesmo. 

Grato ao 3º ensino médio A em nome de Tatiane.

Professor José Rodrigues dos Santos – História

Dedé Rodrigues – EREFEMAAC – 2022

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires, Filosofando, Introdução à Filosofia, 1º, 2º e 3º Ensino Médio, 6ª Edição, Moderna, São Paulo, 2016

JABBOUR, Elias, G7 não tem condições de enfrentar a China, Youtube, 2022

 

 

 

 

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