Espera-se que o
atual governo abra canais de debates e negociações que considerem a revogação
e/ou revisão da Base Nacional Comum Curricular e seus derivados
por Egberto Melo
Publicado 24/02/2023 14:36 | Editado 27/02/2023 14:17
Estudantes brasilienses concluem simulado do Enem Colégio Setor Oeste,
Asa Sul, Brasília, DF, Brasil 7/7/2016 Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília.
O início do ano
letivo de 2023 veio acompanhado de debates acalorados em relação ao Novo Ensino
Médio (NEM). Dentre outras mudanças, é possível identificar na nova estrutura
curricular a exclusão ou redução na oferta de disciplinas como História,
Geografia, Filosofia e Sociologia, o que tem gerado insatisfação dos
professores, dentre outras questões, por não terem recebido formação adequada
para trabalhar com o conhecimento dividido em áreas.
Mas como revogar o
Novo Ensino Médio sem revogar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? Afinal,
o primeiro é “filho” da segunda. Na prática, todas as normativas curriculares
que dizem respeito à educação brasileira são definidas pela BNCC.
Não restam dúvidas
de que em um país continental como o Brasil faz-se necessário que se tenha a
fixação de “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais”, conforme previsto na Carta Constitucional de 1988. A determinação
constitucional foi ampliada pela Lei de Diretrizes e Bases (1996): “os currículos
da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino de em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada…” (grifo nosso).
O amparo legal da
Base Curricular é referenciado, ainda, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
de 2010, que destacam a importância que a educação brasileira deve dar à
“valorização das diferenças e o atendimento da pluralidade e da diversidade
cultural” (Parecer do CNE/CEB n° 7/2010). O quarto marco legal da BNCC é o
Plano Nacional de Educação que destaca a necessidade de um Pacto Federativo
entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para efetivar a educação
básica e a base nacional comum dos currículos”.
É, portanto, legal
e razoável que o Brasil tenha uma base mínima curricular que possa nortear a
educação nacional, o que não se concebe é que seja uma “Base” imposta, no dizer
popular, “goela abaixo”, por um Estado autoritário mais interessado em atender
às necessidades mercadológicas constituídas no processo de mundialização da
economia neoliberal do que preocupado com nossas diferenças, que vão muito além
das diversidades territoriais.
É fato que para
enfrentar o mundo globalizado é indispensável o planejamento da educação
nacional, inclusive no que diz respeito às suas prescrições curriculares. Um
país como o Brasil, no qual 29,4 % da população estão abaixo da linha da
pobreza, é urgente uma política educacional que considere a inserção desse
contingente populacional em condições sustentáveis nos espaços sociais,
econômicos e culturais.
O que se percebe,
no entanto, com a efetivação do NEM, última etapa de consumação da BNCC, é que
os grupos sociais tradicionalmente excluídos socialmente são bombardeados pelo
discurso da autonomia, uma vez que agora podem escolher seus próprias
itinerários formativos. Ou seja, a partir do segundo ano eles podem optar por
estudar determinadas áreas em detrimento de outras, como Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas em detrimento de Ciências da Natureza e Suas Tecnologias ou
vice-versa.
Essa “livre
escolha”, lembrando que os sistemas e escolas é que definem os “cardápios”
ofertados, torna-se perigosa, tendo em vista a possibilidade de naturalizar o
tratamento discriminatório dos diferentes e alimentar os fenômenos estruturais
que embasam nossas desigualdades abissais. Ou seja, corre-se o risco de
miserabilizar e estigmatizar ainda mais os que já são miseráveis e
estigmatizados.
Na prática, os
estudantes são transformados em “usuários”, ou “consumidores”, que terão a
“liberdade” de escolher a educação que lhes for mais adequada conforme as
necessidades por eles julgadas mais urgentes. O perigo é que os itinerários
sejam escolhidos por serem considerados “mais fáceis”. Para os brasileiros mais
pobres, a opção por determinados itinerários significa excluir a possibilidade
de acesso à parte significativa da produção científica, tecnológica e cultural
da humanidade, tendo em vista que a escola pode ser, talvez, o único lugar
possível desse acesso em toda sua vida.
Destaque-se que a
construção da Base teve início de forma democrática, com a possibilidade de
pessoas, instituições e a sociedade de forma geral opinar em sua elaboração. A
partir de 2016 foi dado um novo direcionamento, que colocou sob suspeição os
atores educacionais, notadamente os professores, acusados de corporativistas e
indispostos a saírem de suas “zonas de conforto”.
Na atual
configuração do governo brasileiro, espera-se que sejam abertos canais de
debates e negociações que considerem a revogação e/ou revisão da Base Nacional
Comum Curricular e seus derivados, como BNC-formação de professores e o Novo
Ensino Médio. O Brasil precisa ter uma Base que tenha a cara do Brasil e não
dos interesses neoliberais de órgãos internacionais, como a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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