Por Luiz Cláudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Foto do Blog do Renato
Na história de desaparecimento e morte do líder estudantil Honestino Guimarães,
há 50 anos, mesclam-se violência e silêncio perturbadores. O estudante de
geologia da Universidade de Brasília (UnB), nascido em Itaberaí (GO), foi
preso, em razão de sua militância contra a ditadura, seis vezes. Da última, em
10 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro, nunca mais voltou para casa. Ele
tinha apenas 26 anos de idade. Em seguida vieram pesadelos e sobras de
esperança, conforme revelam familiares e amigos de Honestino.
Foi a esperança que moveu a peregrinação da família de Honestino por quartéis e
prisões depois que a mãe do estudante, Maria Rosa, recebeu um telegrama que
informava a detenção. De acordo com o relatório final da Comissão Anísio
Teixeira de Memória e Verdade, constituída pela UnB, a mãe passou duas semanas
em peregrinação pelos órgãos de segurança. Não encontrou o filho. Havia somente
uma informação de que ele havia sido preso pelo antigo Centro de Inteligência
da Marinha (Cenimar).
A família ouviu de militares que Honestino estava detido no Pelotão de
Investigações Criminais (PIC) em Brasília, e que ela poderia visitá-lo no Natal
daquele ano. No dia 25 de dezembro, Maria Rosa separou roupas e alimentos para
o filho. Ela esperou por seis horas. “Quando eles abriram a porta, levaram-na
para uma cela que estava cheia de sangue. E disseram que ele não estava mais
lá”, afirma o sobrinho de Honestino, Mateus Guimarães, de 37 anos, que não
conheceu Honestino, mas pesquisa e se emociona com a história da família que se
uniu para seguir adiante.
A filha de Honestino, Juliana Guimarães, tinha três anos de idade quando o pai
foi “arrancado” da vida dela. “É não só da minha. Da minha avó, que passou a
vida inteira procurando pelo meu pai. São 50 anos que a gente não tem resposta
alguma. Nem o paradeiro sobre o corpo. A gente não tem notícia de nada que
aconteceu desde que ele foi sequestrado no dia 10 de outubro”.
Conscientização
Juliana afirma que cresceu com medo de farda, mas também com as histórias do
senso de humor de Honestino. “Minha mãe contou histórias como, por exemplo, que
ele dormia no chão se preparando para o dia em que fosse preso. Ele andava com
os olhos fechados porque sabia que tirariam os óculos dele”. Honestino tinha 10
graus de miopia. A filha diz que não tem esperança de receber algum tipo de
resposta sobre o que aconteceu ou a respeito do paradeiro de corpo. Mas espera
que a visibilidade dessa história ajude a diminuir a ausência de informações de
outras violências no período da ditadura.
O sobrinho, Mateus Guimarães, acredita que a história não diz respeito apenas à
família dele. “A injustiça em um lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar.
Essa lacuna diz respeito à democracia e ao povo brasileiro”. Entre as
homenagens prestadas a Honestino Guimarães, uma ponte na cidade de Brasília,
que se chamava Costa e Silva (que foi presidente de 1967 a 1969), ganhou o nome
do líder estudantil no ano passado. “Foi um marco muito simbólico. Mas acho que
seria muito relevante que a mudança do nome desse origem a um processo de
educação e conscientização”.
História nebulosa
O historiador Daniel Faria, professor da Universidade de Brasília e que fez
parte da Comissão da Verdade, lembra que Honestino passou a se destacar como
liderança em 1968 em Brasília, época de grandes manifestações de rua contra a
ditadura. Nesse ano, ele era presidente da Federação dos Estudantes
Universitários de Brasília (Feub) e já ligado à União Nacional dos Estudantes
(UNE).
“Ele foi julgado e condenado por crimes contra a segurança nacional a 16 anos
de prisão por causa de participação nas passeatas”. Ficou preso até as vésperas
da decretação do AI-5 e conseguiu um habeas corpus. Depois entrou para a
clandestinidade e saiu de Brasília em 1969. Foi para São Paulo, depois para o
Rio de Janeiro até 1973, quando foi definitivamente preso. “Ele era presidente
da UNE e ligado a um movimento de resistência chamado Ação Popular”. Em 1968, a
poucos meses de se formar, foi expulso da UnB.
“O desaparecimento é algo extremamente nebuloso. Existem várias hipóteses sobre
o que fizeram com ele depois que foi capturado”. O professor explica que, no
final dos anos 1970, a história de Honestino volta à tona no contexto de uma
discussão sobre anistia. Depois, durante as manifestações por Diretas Já, na
década de 1980.
“Em 1995, finalmente o Estado Brasileiro reconheceu que Honestino morreu”. No
mesmo clima do país, com a formação da Comissão Nacional da Verdade, a UnB
criou o próprio grupo para recolher documentos sobre violações de direitos
humanos, como no caso de Honestino. Além dele, foram considerados desaparecidos
os estudantes Paulo de Tarso e Ieda Delgado. São mais de 60 mil páginas de
documentos. Para Faria, é necessário explicar mais nas aulas o que foi a
ditadura e que não está ligada apenas a militantes.
Gênio, sorridente e gigante
Mais que um militante, para o amigo Cláudio Almeida, hoje servidor público e
economista aposentado, Honestino Guimarães, que ele chama pelo apelido de
“Gui”, era uma pessoa genial. “Era uma pessoa muito alegre, comunicativa,
brilhante e muito precoce. Quando fez o vestibular para a UnB, ele tinha 17
anos e foi o primeiro colocado. Eles se conheciam desde os tempos da escola de
segundo grau, chamada Elefante Branco.
“Tivemos uma relação mais próxima, inclusive politicamente, porque eu já fazia
parte do grupo Ação Popular”. A partir do que via no amigo, foi Almeida que o
levou para o movimento, que não era de luta armada.
Um dos momentos mais tensos, conforme Almeida, foi em 29 de agosto de 1968,
quando havia um boato de invasão à UnB pelas forças policiais. Honestino
perguntou ao amigo se sabia de algo. “Não percebia absolutamente nada. Fui
assistir a uma aula de ciências políticas. Dentro de uns 10 ou 15 minutos,
começamos a ouvir gritos avisando que haviam prendido Honestino”. Aí, conforme
recorda, todos saíram da sala de aula. Almeida foi preso também em um cenário
de ataques com gás lacrimogêneo e tiros. “Eles começaram a atirar mesmo para
matar”. Tanto que atingiram o estudante de engenharia Waldemar Alves da Silva
Filho, que sobreviveu. “Em seguida, fomos presos, colocados em fila indiana e
levados para uma quadra de basquete”. Almeida lembra que prisões de alunos e
professores se tornaram comuns e que também foi torturado com choques elétricos
e outras agressões físicas.
Depois de sair da prisão, o amigo recorda que Honestino chegou a se esconder no
teto da universidade. Cláudio disse ao amigo que não tinha condições familiares
e emocionais de seguir a luta de forma clandestina. Ele guarda as lembranças do
Honestino, o baixinho loiro que era fanático pelo Vasco, por jogar futebol na
praia e sorrir. “Ele era um amigo leal que se tornava gigante quando começava a
falar”.
Conversa na igreja
Também da Ação Popular, o jornalista aposentado Pedro Oliveira, de 75 anos,
lembra que entrou para o movimento depois de participar da Juventude Estudantil
Católica, corrente progressista da igreja. Era estudante de ciências sociais
quando entrou para o movimento estudantil.
“Os nossos encontros eram rápidos naqueles anos de 1968 e 1969. Não era como
hoje que podíamos sair normalmente. A última vez em que me encontrei com ele
foi perto da igreja Santa Ifigênia, em São Paulo. Eu andava no sentido horário
e ele no sentido anti-horário. E conversamos sobre questões políticas”. Foi traumático
para o amigo saber do desaparecimento. “Ele era um cara muito carismático”.
Pedro recorda que também foi torturado em uma das prisões em São Paulo.
Outra companheira de luta de Honestino foi a então estudante de medicina Maria
José Conceição. Ela tinha apenas 17 anos de idade quando foi recebida pelo
veterano, já um líder estudantil.
“Ele me apresentava às pessoas como uma irmãzinha, uma maninha. Era muito
assim, sorridente, feliz, carinhoso”. Ele inseriu a amiga no movimento
estudantil e mudou a vida dela. “Fui presa política também”, diz a hoje
ex-deputada distrital e federal Maninha.
Sem ódio
Esse aspecto carinhoso, inclusive, é que o sobrinho Mateus Guimarães tenta
levar para a vida. Ele encontrou um relato do tio que, aos 21 anos, dizia que
não odiava o torturador, mas o sistema que criou a violência. “É muito linda
essa percepção que tinha”. Ele defende que ainda há tempo de pedir a
consciência de qualquer pessoa que tenha alguma informação. “Às vezes, essas
pessoas podem saber algo, que tenham peso na consciência por terem participado
daquele momento e não ter feito nada”.
A filha Juliana gosta de saber das histórias do bom humor do pai, que seria
parecido com o do filho dela, adolescente. “Eu cresci sempre com a presença
dele. Eu tenho poucas fotos dele. A mais linda é uma em que ele está deitado no
meu colo. Eu tinha três anos. É a foto mais linda assim da minha vida. Ele está
aqui comigo sempre”.
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