Atlas da Violência mostra, ainda, que entre os anos de 2011 e 2021, 107.456 crianças e adolescentes de zero até os 19 anos foram vítimas da violência letal no Brasil
Publicado 07/12/2023 17:58 | Editado 09/12/2023 10:18
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O desprezo pelo
direito à vida e à cidadania de jovens e crianças é um dos marcadores mais
explícitos da brutalidade presente na sociedade brasileira. Nesse ambiente, a
violência letal intencional continua sendo a principal causa de morte dos
jovens. Em 2021, de cada 100 pessoas entre 15 e 29 anos que morreram no país,
49 foram vítimas de assassinatos.
Naquele ano, 66
pessoas dessa faixa etária foram mortas por dia no país, o que corresponde a
uma a cada 20 minutos, num total macabro de 24.217 vidas arrancadas. De 2011 a
2021, o Brasil perdeu 326.532 jovens para a violência. Os dados são do Atlas da
Violência 2023, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Ilustração: Atlas da Violência 2023
Segundo o estudo,
divulgado nesta semana, “em que pese a extrema gravidade do problema que atinge
a juventude brasileira, alguns avanços podem ser observados na comparação com o
ano anterior. Em 2021, houve queda de 6,2% no número absoluto de homicídios de
jovens em comparação a 2020”.
De acordo com os
dados analisados, essa redução vinha sendo observada desde 2017 e acompanha a
queda geral do número de homicídios do país, de maneira que entre 2016 a 2021
essa diminuição foi de 25,2%.
Amapá e Bahia são
os estados que tiveram a maior taxa de assassinatos por 100 mil jovens em 2021,
com 128,1 e 121,1 respectivamente. O índice é 12 vezes o indicador de São
Paulo, onde foi verificada a menor taxa de letalidade juvenil (10,5), seguida
por Santa Catarina (18,3), Distrito Federal (21,4) e Minas Gerais (23,7). A
média nacional foi de 49 a cada 100 mil.
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Crianças e
adolescentes
Nas faixas etárias
mais jovens, a situação também é grave. A violência interpessoal ainda é a
principal responsável pelas mortes de crianças e adolescentes. Entre os anos de
2011 e 2021, 2.166 crianças pequenas (0 a 4 anos), 7.396 crianças (5 a 14 anos)
e 97.894 adolescentes (15 a 19 anos) foram vítimas da violência letal por
agressão no Brasil, num total de 107.456 assassinatos.
Os adolescentes
figuram entre os mais afetados pela violência letal: 38,5% dos óbitos foram
decorrentes de homicídios. Também neste segmento, houve redução de 18,2% nesse
período de 11 anos. Sete estados, no entanto, tiveram aumentos expressivos:
Piauí, 94,9%; Roraima, 93,3% e Amapá, 90%.
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“No caso das crianças, tanto na primeira infância (0 a 4 anos) quanto entre 5 e 14 anos, as taxas de homicídios em 2021 eram significativamente menores em comparação com as dos adolescentes, sendo de 1 e 1,3 homicídios por 100 mil crianças, respectivamente”, aponta o Atlas.
Em relação à faixa
etária entre 5 e 14 anos, houve redução de 44,1% na taxa de homicídios durante
a última década, sendo que a maioria dos estados também registrou decréscimo em
suas taxas. No entanto, o estado destaca que o Acre (541,7%) e o Amapá (100,3%)
tiveram crescimento vertiginoso nesse indicador no período, ainda que o número
absoluto de casos seja pequeno.
Agressões são
rotina
Importante destacar
que além da violência letal, há uma série de outras que afetam as crianças e
adolescentes cotidianamente, entre as quais estão a física, psicológica,
sexual, patrimonial, institucional, negligência e o trabalho infantil. No caso
da física, segundo a pesquisa, mais da metade dos casos reportados ao sistema
de saúde se inseriam em um contexto de violência doméstica, sendo que cerca de
60% deles ocorreram dentro da residência.
No total, foram
mais de um milhão de agressões contra crianças e adolescentes, entre 2011 e
2021, uma média de quase 94 mil casos por ano; a cada hora, 11 crianças e
adolescentes sofreram agressões a ponto de necessitar de ajuda médica. Além da
violência em si, as agressões de toda ordem afetam a qualidade de vida e o
desenvolvimento físico, emocional e intelectual das crianças e
adolescentes.
Ilustração: Atlas da Violência 2023
Um avanço neste
sentido foi a Lei Menino Bernardo, de 2014, que colocou no Estatuto da Criança
e do Adolescente a proibição do castigo e da violência física como forma de
educar os filhos, um tipo de comportamento que foi normalizado ao longo de
décadas.
O pesquisador
Daniel Cerqueira chamou atenção, durante coletiva de imprensa em que os dados
foram apresentados, para a pedagogia da violência ensinada dentro dos lares
brasileiros, que resulta num aprendizado de modelos comportamentais
antissociais vivenciados no próprio corpo dessas vítimas. “Grande parte dessa
violência, em torno de 60%, acontece no lugar onde a criança deveria estar
protegida, que é dentro de casa”.
Ele acrescentou que
violência, nascida no lar, atinge outras instâncias da sociedade, inclusive a
educacional. “Ora, se a escola é o local, por definição, da cidadania e da
inclusão, vemos que na verdade, muitas vezes, a escola também está sendo o
espaço onde essas violências estão sendo perpetradas, violências que são
aprendidas a partir de modelos antissociais dentro de casa e que chegam às
escolas”.
Embora o tema da
violência nas instituições de ensino ganhe projeção nacional quando ocorrem
casos extremos de assassinatos e massacres em suas dependências, o pesquisador
alerta para o fato de que a violência está presente no dia a dia das
escolas.
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Segundo a pesquisa
PeNSE, do IBGE, de 2019, 40,5% dos alunos do nono ano nas capitais brasileiras
disseram ter sofrido bullying nos 30 dias anteriores ao questionamento. Além
disso, 11,4% dos estudantes das capitais brasileiras do nono ano do ensino
fundamental reportaram que deixaram de ir à escola no mesmo período por não se
sentirem seguros nesse ambiente.
“Precisamos pensar,
enquanto sociedade brasileira, num modelo de educação para a cidadania, que não
pode ficar somente dentro da escola, a gente tem de atrair as famílias para
isso porque se não, vamos remar sem sair do lugar”, concluiu Cerqueira.
O Portal
Vermelho vai disponibilizar, em breve, matérias sobre outros dados do
Atlas, mostrando a situação da violência em grupos como mulheres, LGBTQIA+,
negros, indígenas, idosos e pessoas com deficiência.
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