Desafios e impasses cercam a busca obstinada do governo pela meta fiscal de zero déficit primário para 2024, evidenciando conflitos entre austeridade e demandas sociais
Paulo Kliass/Vermelho
Em entrevista concedida à imprensa na
semana passada, o Secretário Executivo do Ministério da Fazenda respondia pelas
posições e opiniões da pasta a respeito de temas candentes da economia para o
ano que se inicia. Na verdade, Dário Durigan substitui oficialmente o titular,
que se encontra afastado de suas funções até o dia 12 de janeiro. O período de
férias solicitado por Fernando Haddad coincide com o recesso do Congresso
Nacional e o titular imaginou que poderia ser um momento mais tranquilo para se
afastar um pouco da conturbada agenda ministerial.
O substituto em exercício foi
questionado a respeito das dificuldades que o governo deverá enfrentar para
cumprir a meta que o Haddad tão arraigadamente encampou para si mesmo. Trata-se
do objetivo que ele propôs a Lula: a missão praticamente impossível de buscar o
equilíbrio fiscal primário nas contas do governo federal para o exercício de
2024. A intenção é antiga e foi colocada em pauta em abril do ano passado,
quando o Presidente da República encaminhou ao poder legislativo o Projeto da
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Já naquele momento Haddad incluiu um
dispositivo para não deixar nenhuma sombra de dúvidas quanto à sinceridade de
seu bom mocismo no quesito austeridade e de seu bom relacionamento com o
universo do financismo.
(…) “Art. 2º A elaboração e a
aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2024 e a execução da respectiva Lei
deverão ser compatíveis com a meta de resultado primário de R$ 0,00 (zero
real) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, conforme
demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV a esta Lei.” (…)
[GN]
O interessante é observar que, à
exceção dos Farialimers e de seus propagandistas, quase ninguém mais acreditava
na necessidade de se incluir tamanha profissão no corpo do texto de uma lei que
deveria oferecer as diretrizes gerais para a elaboração da peça orçamentária. O
total descasamento de tal intenção esdrúxula com a realidade da economia
brasileira era reconhecido até mesmo pelo relator da matéria no Congresso
Nacional, um deputado conservador, do União Brasil do Ceará. Danilo Fortes
afirmou por inúmeras vezes que, caso o governo solicitasse, ele mesmo
substituiria a meta inatingível por algo mais realista, como o reconhecimento
de um déficit primário de 1% ou 1,5% do PIB.
Equilíbrio fiscal: obsessão de
Haddad.
Mas a obstinação de Haddad com a
manutenção de um zero redondinho e bonitinho era de tal ordem que articulou uma
resistência ao próprio chefe. Lula havia dado um puxão público de orelhas em
seu subordinado, ao afirmar em entrevista coletiva que ele achava muito
difícil alcançar a tal da meta zero em 2024. Mas depois parece ter se esquecido
da reprimenda e o projeto foi aprovado com a tal menção austericida. Ao se
propor a atingir o equilíbrio entre as despesas e receitas orçamentárias
primárias em um ano eleitoral, o governo está sinalizando para o sistema
político de forma ampla que os recursos públicos não estarão disponíveis nos
patamares necessários e desejados.
Uma vez estabelecida a intenção de
eliminar o déficit primário para o ano que se iniciou, Haddad está comunicando
para o conjunto da sociedade que pretende dar um verdadeiro cavalo de pau na
condução da política econômica. Essa constatação óbvia decorre da verificação
que, ao longo dos 12 meses de 2023, o governo contabilizou um déficit primário
que deverá se situar acima de R$ 200 bilhões. Ora, ao se propor a zerar esse
movimento, a conclusão é que haverá ainda mais restrição e contingenciamento
nas despesas públicas em 2024 para que o tal sacrossanto equilíbrio de fato
seja alcançado.
Porém, as dificuldades para se levar
em frente tal forma suicida de condução da execução orçamentária são mais do
que evidentes. Tanto que alguns responsáveis de segundo escalão das pastas da
economia já aventam abertamente a possibilidade de recorrer à eliminação dos
pisos constitucionais para os orçamentos da saúde e da educação. Trata-se de
uma verdadeira loucura, que nem mesmo nenhum governo de direita ousou ou
conseguiu realizar até os dias de hoje. Os parlamentares do conservadorismo e
do fisiologismo, que não são bobos nem nada, optaram por outro caminho. De
público se dizem favoráveis às medidas de responsabilidade fiscal e de
austeridade. Mas na prática votaram medidas para inflar as emendas secretas do
orçamento e para aumentar as rubricas do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário.
Para viabilizar tal malabarismo, reduziram as despesas previstas no Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC).
Zerar o déficit: meta equivocada e
irrealista.
No entanto, poucos dias depois da
passagem do ano novo, começa a se tornar evidente para os próprios responsáveis
da Fazenda que não basta bater forte no peito para se definir como um ardoroso
devoto da padroeira da responsabilidade fiscal. Aos poucos, percebe-se que as intenções
de elevação de receita matreiramente embutidas pela equipe econômica nas
estimativas das fontes tributárias muito provavelmente não serão alcançadas.
Com isso, confirma-se aquilo que os economistas progressistas já vínhamos
alertando há muito tempo. Ou o governo será obrigado a realizar uma compressão
ainda mais violenta das despesas ou então ele recua e reconhece que a meta
fiscal de equilíbrio primário não será cumprida.
Aliás, esse foi o tom
das declarações do interino da Fazenda, quando afirmou:
(…) “Se novas medidas não forem
possíveis, eventualmente tem de mexer na meta, claro. Vai fazer o quê?
Mágica? Tem de ir vencendo as barreiras” (…) “Todas as providências vão ser
tomadas para a gente fechar o Orçamento. Se, de fato, o que estamos apresentando
não vingar, não resta alternativa: tem de mexer na meta” (…) [GN]
Tais afirmações apresentam um tom
bastante distinto de tudo aquilo que o titular da pasta vinha manifestando
antes da virada do ano.
(…) “perseguir a meta fiscal é um
sinal de compromisso do governo com as contas públicas do país” (…) “Eu falo
isso porque resultado fiscal não é da cabeça do Ministro da Fazenda nem do
desejo do Presidente da República” (…)
Para além dos equívocos embutidos na
adoção do receituário do austericídio e do neoliberalismo dentro de um governo
que se supõe progressista e desenvolvimentista, o fato de Haddad se agarrar de
forma quase neurótica à meta de zerar o déficit fiscal embute um compromisso
indefensável com os interesses do sistema financeiro. Isso porque o singelo
adjetivo “primário” esconde uma completa inversão de valores no uso das
despesas públicas em nossos País.
Lula precisa assumir o comando da
política econômica.
No jargão do financês, o
qualificativo “primário” implica o abandono das despesas de natureza financeira
na abordagem, na análise e na elaboração de propostas. Assim, a obstinação com
a busca de espaço para cortes de dispêndios no orçamento deixa de lado as
rubricas destinadas ao pagamento de juros da dívida pública. Todo o esforço
para manter a tal da responsabilidade fiscal se limita a cortes em setores tais
como saúde, previdência social, educação, assistência social, segurança
pública, saneamento, salários de servidores, investimentos e similares. Mas não
se ouve das autoridades da economia uma única palavra a respeito de despesas
financeiras. Para estes “gastos VIP” não existe teto, nem limite, nem
contingenciamento.
Aliás, a este respeito, o Banco
Central (BC) acabou de divulgar sua Nota Mensal sobre as Estatísticas
Fiscais. E ali pode-se encontrar os valores relativos às despesas com juros que
foram efetuadas ao longo dos últimos 12 meses. O total remonta a R$ 713
bilhões. Ou seja, trata-se da segunda maior rubrica orçamentária da União. O
montante refere-se a recursos públicos destinados a uma parcela privilegiada de
nossa sociedade e que apresenta um efeito multiplicador de gastos bastante
menos potente do que os demais dispêndios. Já foi dito mais de uma vez que
governar é estabelecer prioridades. Resta saber se Lula vai continuar permitindo
que a área econômica considere o parasitismo financista como um segmento
prioritário em seu governo.
Quanto mais o governo demorar para
reconhecer o equívoco de ter mantido a meta zero, maior será o preço cobrado
pelo centrão e pelo fisiologismo para promover a correção. O Presidente precisa
tratar com maior carinho e mais urgência este tema e os demais assuntos
sensíveis da área econômica.
ONU
prevê desaceleração da economia global em 2004 https://bit.ly/3S32j6F
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