Meios hegemônicos de comunicação deformam a informação, censurando a liberdade de imprensa que dizem defender
Adolfo Pérez Esquivel A Terra é Redonda
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26 de março de 2022 às 16:57
O dramaturgo da antiga Grécia,
Ésquilo, destacou que a primeira vítima da guerra é a verdade, hoje podemos
vê-lo nos meios hegemônicos de comunicação que manipulam a informação através
de mentiras e desinformação, procurando impor um pensamento único e a
monocultura das mentes.
A guerra entre Rússia e Ucrânia não é
isolada, intervêm protagonistas que afirmam querer a paz, mas incentivam o
conflito e tentam apagar o fogo com mais combustível. Enviam armas à Ucrânia e
aplicam sanções econômicas contra a Rússia.
:: LIVE | Um mês de conflito
entre Rússia e Ucrânia: onde a guerra vai parar? ::
A manipulação da informação é censura
da liberdade de imprensa; temos que salvaguardar os jornalistas, homens e
mulheres que arriscam suas vidas para informar sobre os fatos da guerra, mas os
responsáveis pelos grandes meios hegemônicos de comunicação censuram a
informação, são parte do sistema e responsáveis pelas mentiras.
Não posso deixar de mencionar Julian
Assange, preso numa prisão britânica com pedido de extradição aos EUA por
revelar documentos do Departamento de Estado sobre as atrocidades cometidas no
Iraque e no mundo. Tentam silenciar Julian e esconder a Verdade e os
assassinatos de jornalistas em todo o mundo.
Isto não é novidade, é uma longa história na vida da humanidade envolta em mentiras, mal-entendidos e esquecimentos intencionais. Precisamos da memória que nos ilumina o presente e saber que a primeira vítima da guerra é a verdade.
:: No conflito russo-ucraniano,
Otan, China e grupos nacionalistas ganham; Europa e Rússia perdem ::
Durante a guerra do Iraque, os EUA e
seus aliados difundiram as mentiras de George Bush de que o Iraque possuía
“armas de destruição em massa”, acompanhadas por uma grande campanha dos meios
de comunicação hegemônicos do mundo, endossando a política com seu silêncio
cúmplice e justificando a guerra.
Em 12 de fevereiro de 1991, Mairead
Corrigan Maguire, Prêmio Nobel da Paz da Irlanda do Norte, convidou-me para
viajar ao Iraque numa missão humanitária. Devido ao bloqueio aéreo imposto
pelos EUA, partiríamos por terra de Amã, na Jordânia, até Bagdá. Viajamos numa
caminhonete com um carregamento simbólico de água, que valia mais do que ouro,
pois a água em Bagdá estava contaminada pela radiação das bombas com urânio
empobrecido. O objetivo era entregar o pequeno carregamento no Hospital
Pediátrico. Tínhamos informações sobre a grave situação que médicos e médicas
enfrentavam devido à falta de medicamentos e demais insumos.
:: As hierarquias raciais no
conflito Rússia X Ucrânia ::
Quando chegamos a Bagdá, a pequena
delegação, composta por Mairead, Padre John, jesuíta, membro do F.O.R. –
Fellowship of Reconciliation –, dos EUA, uma jornalista da Grã-Bretanha e eu,
foi recebida no hotel semi-destruído, carente de tudo. Descansamos da exaustiva
viagem e no dia seguinte uma mulher muçulmana explicou-nos que tinha deixado o
refúgio para lavar a roupa dos filhos, quando voltou, depois dos
bombardeamentos, seus filhos já não estavam lá, tinham sido levados pela morte.
Segundo a informação dos grandes
meios de imprensa, duas bombas inteligentes tinham entrado pelo tubo de
ventilação e destruído um bunker militar. A verdade é que destruíram e mataram
mais de 500 crianças com suas mães, era um refúgio, segundo Vamveyda, mãe de
Veyda. A primeira bomba matou muitas pessoas, a segunda entrou e elevou a
temperatura a mais de 500 graus, matando quase todos e destruindo a tubulação.
Apenas 17 pessoas sobreviveram. Denunciamos os fatos em nível internacional, a
resposta foi o silêncio. Os EUA justificaram o fato como “danos colaterais” em
qualquer guerra.
Acompanhamos a mulher ao suposto
bunker em forma circular, entre os escombros e restos do bombardeio. As
famílias levaram fotos das crianças, desenhos, roupas, fizeram do local um
oratório. Acompanhamos a dor dos presentes e de todo o povo do Iraque, demos as
mãos e rezamos ao Deus de todos os nomes e de nenhum nome, em idiomas que não
conhecíamos, mas que compreendíamos com a mente e o coração, pedimos pela alma
das crianças, cujas vidas e esperanças foram roubadas, pedimos a Deus pelo fim
da guerra, estávamos em comunhão com toda a humanidade. Um homem disse-me: “Não
acredito em Deus, não sei como rezar”. Respondi-lhe, “não se preocupe, Deus
acredita em você, basta manter-se em silêncio para escutar o silêncio de Deus
que diz a você e à humanidade”.
Quanto à situação atual entre Rússia
e Ucrânia, rogamos para que parem a guerra, acreditamos na força da oração e
pedimos que todas as religiões se unam no apelo ao fim da guerra. A Paz não se
presenteia, ela é construída e é preciso coragem para alcançá-la.
Não é sancionando a Rússia que o
conflito será resolvido, os EUA e a Europa devem “desarmar a razão armada” que
têm em suas estruturas e mentes. A Rússia deve parar a guerra e sentar-se à
mesa das negociações. A Ucrânia deve salvar seu povo e resolver a situação, o
que não implica fazer parte da OTAN ou ter bases militares e laboratórios
biológicos e químicos sob orientação do Departamento de Estado norte-americano,
o que expõe sua cumplicidade, e parar de massacrar províncias separatistas como
Donbas e outras que sofrem a violência ucraniana há oito anos.
Não há inocentes na guerra, todos são
responsáveis. A violência traz mais violência, não uma solução para o conflito.
Lembro vocês do tribuno Pilatos que cinicamente lava as mãos ensanguentadas com vítimas inocentes, e pergunta: “O que é a verdade?”, apesar das tentativas de matar a verdade. Um antigo provérbio diz: “A noite mais escura é quando começa a amanhecer”, uma e outra vez surge a luz e renasce na oração e no espírito, não perdemos a esperança na vida de que outro mundo é possível. Deus deu-nos o dom da liberdade, o ser humano é responsável pelo uso e abuso que dela fazemos.
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