Lideranças de entidades entrevistadas explicam que a Conferência Nacional de Educação já vem enfrentando a extrema-direita nos debates, e parte para a mobilização para o embate no Congresso Nacional.
por Cezar Xavier
Publicado 25/01/2024 19:34 | Editado 25/01/2024 19:56
Protesto contra o contingenciamento despesas na educação. Foto: Marcelo
Camargo/Agência Brasil
A partir do dia 28,
próximo domingo, a capital brasileira se torna o epicentro das discussões sobre
o futuro da educação nacional com a realização da Conferência Nacional de
Educação (Conae) 2024, que reúne representantes de diversas entidades e
movimentos sociais para debater os desafios e perspectivas para os próximos
anos. O Portal Vermelho entrevistou líderes de entidades e
movimentos que participam dos debates. Eles trazem à tona as expectativas,
preocupações e propostas para a construção de um novo Plano Nacional de
Educação (PNE).
As lideranças
consultadas envolveram entidades de professores, estudantes, pesquisadores,
educadores e profissionais da Educação, tais como Vinícius Soares, presidente
da ANPG (Associação Nacional de Pós Graduandos), Rui Oliveira,
primeiro secretário da APLB (Associação dos Professores
Licenciados do Brasil – Seção Bahia), Manuela Mirella, presidenta da UNE (União
Nacional dos Estudantes), Jade Beatriz, presidenta da UBES (União
Brasileira de Estudantes Secundaristas), Francisca Seixas, secretária de
Assuntos Culturais e Educacionais da Apeoesp (Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e Madalena Guasco
Peixoto, coordenadora da Secretaria-Geral da Contee (Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino).
A Conae 2024 se
configura como um espaço crucial para a construção de diretrizes que nortearão
a educação no Brasil nos próximos anos. Os entrevistados enfatizam a
importância da participação ativa dos delegados para garantir que o documento
final represente uma visão de educação inclusiva e democrática. A mobilização
popular é destacada como fundamental para o sucesso da conferência e para
fortalecer a educação como política de Estado.
As entidades
apresentam diversos pontos convergentes relacionados à Conae (Conferência
Nacional de Educação) e aos desafios educacionais enfrentados no Brasil. Abaixo
estão alguns dos principais pontos convergentes nas entrevistas:
1.
Período de Desafios e Desmonte:
·
A importância da Conae após um período de seis anos de desmonte na
educação, foi mencionada pelas entidades, que passaram por um período de
enfrentamento à extrema direita na educação.
2.
Importância da Educação na Reconstrução do País:
·
A importância da educação na reconstrução do país, especialmente para
formar quadros técnicos de alto nível é citada. A Conae é uma etapa fundamental
para avançar na educação pública gratuita e de qualidade, dizem todos.
3.
Enfrentamento à Extrema Direita:
·
A necessidade de enfrentamento à extrema direita na conferência e
posteriormente no Congresso Nacional são tônicas. A Conae é um espaço para
retomar foros deliberativos da sociedade civil em meio ao desafio da
polarização política.
4.
Financiamento da Educação:
·
Debater o financiamento da educação, especialmente o eixo 6, para
garantir recursos necessários para o cumprimento de metas do PNE comparece como
tema convergente.
5.
Avaliação do PNE (Plano Nacional de Educação):
·
O atual PNE não cumpriu 65% de suas metas e, portanto, é preciso
discutir um novo plano.
6.
Atuação dos Movimentos Sociais:
·
A mobilização da sociedade, incluindo movimentos estudantis, é
fundamental para influenciar o Congresso Nacional. A resistência do movimento
estudantil nos últimos seis anos evitou um cenário ainda pior.
7.
Desafios no Ensino Superior:
·
A situação do ensino superior brasileiro, incluindo cortes orçamentários
e desafios na qualidade são preocupações das entidades.
8.
Desafios na Regulamentação da Educação Privada:
·
A necessidade de regulamentação da educação privada, especialmente no
contexto da educação à distância é uma urgência pós-pandemia.
9.
Redemocratização da Educação:
·
A Conae promove a redemocratização da educação brasileira e discute
diretrizes para o novo PNE.
10. Desafios da Extrema
Direita e Fake News:
·
Um dos desafios enfrentados pela Conae é a disseminação de fake news
pela extrema direita.
Esses pontos
convergentes refletem as preocupações compartilhadas pelos entrevistados em
relação à educação no Brasil e à importância da Conae como espaço de debate e
deliberação para enfrentar esses desafios.
ANPG na Conae:
Marco crucial na reconstrução educacional
O presidente
da ANPG destaca a importância da Conae após um período de seis
anos de desmonte na educação. Para ele, é crucial debater os desafios para os
próximos anos, especialmente na reconstrução do país. Soares ressalta a
necessidade de integrar a educação com a ciência para formar quadros técnicos
de alto nível, alinhados com os desafios nacionais, como o plano de
reindustrialização do Brasil.
Vinícius Soares
expressou a importância da Conae como um marco histórico após anos de
negligência e desafios enfrentados pela educação brasileira. “Passamos por um
período de desmonte nos últimos seis anos, e há muito tempo não tínhamos uma
conferência de educação. Agora, é o momento em que o movimento educacional pode
se unir para debater os desafios, especialmente no contexto da reconstrução do
país”, afirmou Soares.
O pós-graduando
enfatizou a relevância da educação como elemento fundamental no processo de
reconstrução, destacando a necessidade de formar quadros técnicos de alto nível
para enfrentar os desafios nacionais, especialmente diante do plano de
reindustrialização proposto pelo governo. “Para garantir a função social da
pós-graduação em responder aos desafios imensos do país, é crucial que a
educação se transversalize junto com a ciência. Esses são os dois elementos
fundamentais na reconstrução do Brasil”, ressaltou Soares.
A expectativa da
ANPG é que a Conae proporcione um ambiente propício para o debate e a
elaboração de estratégias que possam garantir uma educação estruturada capaz de
enfrentar os desafios do país. Soares enfatizou a importância de abordar não
apenas questões educacionais, mas também integrar a ciência nesse processo,
destacando a necessidade de formação de profissionais de alto nível para
contribuir com o plano de reindustrialização.
APLB na Conae:
batalha pela reconstrução do sistema educacional
O primeiro
secretário da APLB enfatiza a mobilização contra a extrema
direita na Conae. Ele destaca que a batalha mais decisiva ocorrerá no Congresso
Nacional, onde enfrentarão um cenário conservador. Oliveira ressalta a
importância dos eixos da conferência, com destaque para a valorização dos
trabalhadores em educação, financiamento da educação e a construção do Sistema
Nacional de Educação.
Ele destaca a
importância de organizar uma frente conjunta, envolvendo a Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e movimentos sociais, para
enfrentar as ideias da extrema direita que permeiam a conferência.
“Essa é uma
batalha, a primeira batalha é a conferência. Passada a conferência, nós vamos
ter que mobilizar os estudantes, o movimento social, a sociedade como um todo,
para que o Congresso, que tem uma formação extremamente conservadora, possa
garantir nossas proposições avançadas para a educação pública gratuita e de
qualidade”, afirmou.
O sindicalista
ressaltou que a Conae servirá como um espelho para o projeto de lei que é o
Plano Nacional de Educação, o qual será encaminhado ao Congresso Nacional.
Oliveira enfatiza a necessidade de ganhar a opinião pública para as propostas
avançadas, já que o Congresso é dominado pelo Centrão e outros setores
conservadores.
“Se a gente ganhar
a opinião pública e for para as ruas, para melhorar e garantir a autoestima da
tropa, a gente precisa ganhar logo essa batalha também na conferência. Uma
batalha importante, ocorre na conferência, onde os debates serão mais de
conteúdo, e a batalha no Congresso Nacional, que é uma batalha de ganhar
opinião pública para que a educação saia do papel, dessa do palanque e seja
realidade nacional”, destacou Oliveira.
A conferência será
realizada em sete eixos, sendo que o eixo 5, referente à valorização dos
trabalhadores em educação e gestão pública de qualidade, é o que mais chama a
atenção. Oliveira, que foi palestrante nesse eixo, destaca a importância de
abordar também os eixos 2 (financiamento da educação) e 6 (construção do
Sistema Nacional de Educação).
“Não adianta
discutir tudo em educação se não tiver financiamento pra isso. Onde é que tem
dinheiro pra fazer tudo o que nós queremos?”, questionou Oliveira.
O dirigente
sindical ressalta a importância do financiamento para a implementação de
propostas voltadas à valorização dos profissionais da educação, formação
contínua, infraestrutura escolar e combate ao analfabetismo. Ele denuncia
cortes significativos nos investimentos em educação nos últimos anos, e destaca
a urgência em reverter esse quadro para garantir a reconstrução do sistema
educacional brasileiro.
UNE na Conae: em
defesa da educação e da democracia
A presidente
da UNE destaca a relevância da Conae como espaço de
participação popular. Com o governo Bolsonaro atacando a educação e a ciência,
Mirella ressalta a resistência dos estudantes. Ela destaca a preocupação com o
ensino superior, a falta de investimento e a crescente privatização, defendendo
a necessidade de uma regulação rigorosa.
A líder estudantil
destacou o papel crucial da UNE, especialmente após anos de resistência diante
de ataques diretos ao movimento estudantil e à educação pública no Brasil. “A
Conae é um espaço de extrema importância de participação popular, para que as
entidades, a sociedade civil, consigam interferir no projeto nacional de
educação que serve ao nosso povo. Especialmente para a UNE, que nos últimos
seis anos enfrentou muitos desafios, indo às ruas, defendendo nenhum direito a
menos, resistindo aos ataques diretos, inclusive do governo Bolsonaro, que
colocou os estudantes como seu principal inimigo”, afirmou Mirella.
Ao destacar a
descredibilização da ciência e os ataques à universidade, a presidente da UNE
enfatizou que os “tsunamis da educação”, liderados pelos estudantes, mostraram
a resistência do movimento. Agora, com um governo eleito que a UNE caracteriza
como de “frente ampla”, Mirella destaca o papel do movimento social em garantir
a efetivação do projeto nacional de educação, aprovado nas urnas.
“A discussão
fundamental este ano é o novo Plano Nacional de Educação (PNE). O último PNE
não teve nem metade de suas metas atingidas. Esse plano será central nesta
CONAE, e estamos organizados, levando uma bancada de estudantes de todo o
Brasil para participar da Conferência Nacional de Educação, para que possamos
participar dos debates”, ressaltou Mirella.
A presidente da UNE
expressou sua preocupação com a situação do ensino superior brasileiro,
mencionando a redução do orçamento para as universidades, especialmente as
públicas, e a falta de regulamentação e fiscalização adequadas nas instituições
privadas. Ela destacou que é dever do Estado garantir uma educação emancipadora
e ressaltou a necessidade de combater a predominância do ensino superior
privado.
“A nossa meta da
Conae também é sair com uma boa resolução da regulamentação do ensino superior
privado. É fundamental para os estudantes acompanharem isso”, concluiu Mirella.
Com a participação
ativa da UNE na Conae 2024, a expectativa é que as discussões sobre o novo
Plano Nacional de Educação sejam conduzidas com seriedade, visando à construção
de um sistema educacional mais justo, inclusivo e comprometido com a formação
integral dos cidadãos brasileiros.
UBES na Conae:
pautar a educação que queremos
A presidente
da UBES destaca a importância da Conae para retomar os fóruns
deliberativos da sociedade civil, onde estudantes, professores e profissionais
da educação podem expressar suas demandas e contribuir para os rumos da
educação brasileira. Jade Beatriz coloca como pautas emergentes a revogação do
novo ensino médio, alimentação gratuita nos institutos federais e o acesso à
universidade. A campanha “IFES Sem Fome” é destacada como parte dos esforços
para garantir uma educação mais justa.
“A Conferência
Nacional de Educação tem esse principal motivo de importância, por retomar
esses foros deliberativos da sociedade civil, onde estudantes, professores,
profissionais de educação podem participar e colocar quais são as principais
demandas da educação brasileira. Não só a educação básica, mas também a
educação superior, apontando os rumos que precisamos tomar para resolver os
problemas e desafios que estão colocados. Além disso, é um local que fortalece
a democracia”, destacou Jade.
A líder estudantil
salientou que, neste ano, os debates na Conae devem girar em torno de questões
emergentes, como a revogação do Novo Ensino Médio e a busca pela alimentação
gratuita nos institutos federais, uma das principais pautas da entidade. A
campanha “IFES Sem Fome” tem sido central nesse sentido, buscando sensibilizar
para a importância da garantia de alimentação nos institutos federais.
“Para além disso,
também é o acesso à universidade. A UBES tem suas pautas, e estamos indo com
tudo. Já conversamos com vários deputados e agentes da educação que estão junto
conosco na campanha. Eles serão estratégicos para tornar essa Conferência
Nacional de Educação um instrumento para concretizar o projeto de país que
queremos, mais justo, através da educação básica, da escola pública e da
democratização do ensino superior”, ressaltou Beatriz.
Com as pautas
claras da UBES, a expectativa é que a Conae 2024 seja um espaço para discussões
significativas, envolvendo não apenas a revogação do novo ensino médio e a
alimentação nos institutos federais, mas também abordando o acesso à universidade
e a democratização do ensino superior como elementos-chave para a construção de
um sistema educacional mais inclusivo e equitativo para o Brasil.
Apeoesp na Conae:
lutas e perspectivas para a educação pública
A secretária de
Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp destaca a luta em
São Paulo por condições dignas de trabalho e respeito ao piso salarial.
Francisca enfatiza a necessidade de um novo Plano Nacional de Educação para os
próximos 10 anos, visando uma educação pública de qualidade. Ela destaca a
importância da Conae para fortalecer a educação pública como política de
Estado.
Em São Paulo, a
Apeoesp tem travado uma intensa batalha pelo respeito ao piso nacional salarial
dos professores, condições democráticas de trabalho e a implementação de um
plano de carreira sério, que incentive a formação contínua e permanente.
Francisca destaca a necessidade de um secretário da Educação comprometido com a
educação pública, criticando a visão privatista de Renato Feder.
“Em São Paulo,
lutamos intensamente pelo respeito ao piso nacional salarial, condições
democráticas de trabalho, plano de carreira sério e estruturação das escolas
para um bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Essas são lutas
essenciais para proporcionar uma educação de qualidade”, afirma, destacando a
importância de enfrentar desafios imediatos para construir um futuro
educacional mais justo e igualitário no Brasil.
“Aprovar um novo
Plano Nacional de Educação para os próximos 10 anos com metas ousadas é
essencial para o país ter uma educação pública que o povo brasileiro merece e o
país necessita”, enfatiza ela. Nesse contexto, a Conae 2024 assume um papel
fundamental para fortalecer a educação pública como política de Estado e
avançar na criação de um Sistema Nacional de Educação que respeite as
regionalidades e a diversidade humana.
A secretária da
Apeoesp ressaltou a violência enfrentada pelos profissionais da educação nos
governos de Temer e Bolsonaro, destacando perseguições por extremistas de
direita e fundamentalistas religiosos. Nesse sentido, a Conae também se torna
um espaço crucial para debater como levar paz para as escolas, promover a
gestão democrática e envolver as famílias no ambiente escolar.
Contee na Conae:
marco da reconstrução da educação democrática
A coordenadora da Secretaria-Geral da Contee destaca a reconquista do Fórum Nacional de Educação após desafios nos governos anteriores. Madalena enfatiza que a Conae 2024 é extraordinária e urgente devido ao vencimento do Plano Nacional de Educação em 2024. Ela ressalta a necessidade de mobilização popular para construir um novo projeto de redemocratização da educação brasileira.
A não realização de
metas cruciais, como a ampliação de vagas nas instituições públicas, é
ressaltada por Madalena. A desregulamentação da educação à distância no setor
privado e a possível criação de uma agência reguladora de educação superior
privada são temas de debate acalorado.
A disseminação de
fake news e a inserção da extrema direita no contexto da conferência são
obstáculos a serem superados. A regulamentação da internet e a sustentabilidade
ambiental também emergem como temas relevantes, integrando o debate
educacional. “No grupo de trabalho que discutiu a violência nas escolas, a
gente sabe como é que está sendo manipulado, como é que essa internet
desregulada tem agido inclusive como instrumento da ultradireita para aliciar
jovens, sem controle nenhum, sem regulamentação”, afirma.
Uma das primeiras
questões abordadas por Madalena foi o resgate do Fórum Nacional de Educação,
destituído no governo Michel Temer e esvaziado posteriormente pelo governo
Bolsonaro. Ela destacou a luta para recuperar esse espaço democrático e
representativo, culminando no resgate pelo governo Lula nos moldes originais,
com a participação de diversas entidades.
Madalena ressaltou
que o PNE atual não cumpriu 65% de suas metas, tornando essencial um amplo
debate para discutir as diretrizes do novo PNE de maneira democrática e
participativa. A Conae representa, assim, um marco na retomada da mobilização
popular para debater o futuro da educação no Brasil, destacando a importância
da reconstrução da educação democrática.
Ela ressaltou que,
apesar da diversidade de mesas temáticas durante a conferência, o objetivo
primordial é alinhar-se ao propósito central da Conae para evitar desvios de
foco e favorecer temas paralelos e diversionistas, especialmente com as ameaças
que surgem por parte de setores de extrema-direita.
Um dos temas
abordados foi a não realização de metas cruciais estabelecidas anteriormente,
como a ampliação de 40% das vagas nas instituições públicas ao longo de uma
década. Madalena destaca a desregulamentação da educação à distância,
principalmente no setor privado, como uma resposta inadequada e prejudicial a
essa falta de avanço.
“A
desregulamentação da educação à distância, privada, de grupos de capital
aberto, ampliaram seu escopo, através de cursos de péssima qualidade. Então,
claro, está articulada a ideia da não ampliação das vagas públicas com o
fortalecimento de uma educação privada de capital aberto. Esse foi o jogo
deles”, explicou ela.
Outro tema
estratégico é a possível criação de uma agência reguladora de educação superior
privada, proposta que gerou controvérsias e motivou manifestações contrárias em
alguns estados. “Surgiu na mídia que o ministro da Educação queria fazer uma
agência reguladora de educação superior privada. Agência reguladora não é
regulamentação do Estado. Então a gente conseguiu em alguns Estados tirar uma
manifestação contrária a essa posição”, ressaltou Madalena.
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